Segundo notícias vindas a público na comunicação social nacional, o Primeiro-Ministro António Costa chamou, na passada semana, os autarcas socialistas e “pressionou-os” para executarem rapidamente o “seu” plano, designadamente no âmbito da descentralização de competências, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e da Habitação. Toca a rebate no Largo do Rato, porque o precipício está mesmo ali à frente.

Comecemos por analisar o modo como o Governo tem gerido, na generalidade, estas matérias e, em particular, a forma como tem tratado os autarcas (todos!).

Quanto à descentralização de competências, convém relembrar que a mesma tem sido um verdadeiro calvário para todos os autarcas. Considera-se que o Governo não tem agido de boa fé. Decidiu passar as tarefas menores, sem dinheiro para as executar e com prazos e regras impossíveis de cumprir. Ainda que, inicialmente, alguns autarcas do partido do Governo, por solidariedade, tenham elogiado o processo, certo é, no seu decorrer (e não se vislumbra o final!), a maior parte destes eleitos locais afirmam, frontal ou envergonhadamente, mas de forma justificada, que o mesmo foi, é e continuará a ser difícil, nalguns casos caótico! Por muito que o Primeiro-Ministro peça aos seus autarcas e/ou tente “sensibilizar” ou “motivar” outros com obras nos seus territórios, aquilo que nasce torto, tarde ou nunca se endireitará!

Na educação, os autarcas foram obrigados a assumir competências em 1 de abril de 2022. Quase um ano volvido, praticamente todos os municípios tiveram mais custos do que as verbas que foram transferidas, mas nenhum foi, até à data, ressarcido dos valores adicionais que teve de avançar em substituição do Governo. Nem as verbas estavam bem avaliadas, nem o Governo cumpriu, com celeridade, a sua reposição.

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Na saúde, o calvário não é menor. Existem pressões das Administrações Regionais de Saúde para que os autarcas assinem os autos de transferências, mas os valores, que continuam a ser propostos, não refletem os acordos que foram assinados com o Governo. Dizem para assinar como está, que depois se acertam as contas. Porém, o povo diz sabiamente: “gato escaldado de água fria tem medo”.

Na ação social, os municípios irão receber competências após dia 3 de abril próximo. Também aqui, após um longo processo negocial com o Governo, os acordos que têm sido remetidos aos autarcas não refletem os valores acordados, além do que reina o ceticismo quanto ao modo como as verbas serão transferidas e ajustadas.

No âmbito da descentralização, continua o Governo a não cumprir os dois acordos que firmou com os autarcas. Muitas das portarias setoriais, que visam definir e uniformizar rácios de pessoal, viaturas e equipamentos, ainda não foram publicadas. Continua também por cumprir a definição das verbas para a requalificação das escolas e centros de saúde. É justo questionar: palavra dada não é palavra honrada?

Em suma, a descentralização começou mal, tem estado péssima e não se afigura que possa ter final feliz. Mesmo que os autarcas queiram ajudar, o Governo não se deixa ajudar.

Quanto ao PRR, falamos de um processo puramente autoritário, imposto pelo Governo. Quando o mesmo foi proposto a Bruxelas, os autarcas denunciaram que foram, pura e simplesmente, ignorados. As prioridades e os projetos foram estabelecidos unilateralmente. Agora que, infelizmente, a sua execução parece estar a derrapar, começa o Governo a dizer que a salvação são os autarcas. Lamentamos profundamente, mas os autarcas não vão ser o “bode expiatório” do processo, quando sempre estiveram disponíveis para sentar à mesa e analisar prioridades.

Por último, o pacote “Mais Habitação”.  O Governo, uma vez mais, surpreendeu todos os autarcas com as suas propostas. Os representantes do Poder Local não foram previamente consultados, apenas serão ouvidos em sede de consulta pública – quando, aparentemente, o sucesso desta nobre missão passa pelas autarquias (?). Dizem que querem licenciamentos mais rápidos, ignorando o que se passa no terreno e as dificuldades que as autarquias enfrentam, nomeadamente face aos processos judiciais. Dizem que as autarquias têm de fazer obras em propriedade privada, ignorando o estado dos imóveis do Estado. Dizem que existe demasiado alojamento local, sem se preocuparem com a relevância que o mesmo tem para as economias locais e para a criação de emprego. Na versão do Governo, os autarcas (ou “tarefeiros”?) vão resolver.

Os autarcas, de todos os partidos, são gente que conhece as necessidades das suas populações. São homens e mulheres que foram eleitos pelos seus fregueses e/ou munícipes e que têm legitimidade para estabelecer prioridades e para serem envolvidos nos processos que dizem respeito aos seus territórios. Não são “tarefeiros” e, muito menos, “bodes expiatórios” para sucessivas trapalhadas.

Da educação à saúde, da justiça à segurança e à defesa, vivemos um tempo em que os principais pilares do Estado estão a ser diariamente postos em causa.

Que o Primeiro-Ministro e o Governo continuem a ignorar que o precipício está mesmo ali à frente, é algo patrioticamente lamentável. Mas, que queiram arrastar consigo os autarcas, isso não é justo, nem se aceita!

Os autarcas social democratas não embarcam nessa viagem.