No rescaldo do Encontro Anual do Fórum Económico Mundial, onde à semelhança de anos anteriores os Global Shapers Lisboa marcaram presença, é inevitável não pensar na quantidade de desafios com os quais teremos de nos debruçar nos próximos anos. Alterações climáticas, instabilidade política, abrandamento do crescimento económico. Muitos destes temas foram debatidos à porta fechada, mas paralelamente, e fora do centro de congressos, a expressão mais ouvida e o tema mais debatido foi com certeza AI ou Artificial Intelligence (Inteligência Artificial).

A automatização de tarefas, que até aqui eram feitas por um humano mas que começam a ser desempenhadas por máquinas, é um tema introduzido em contextos tão diversos como cidades inteligentes, automatização de processos de produção, melhoria da eficiência em organizações, contexto político global, re-skilling, entre outros. Não é difícil imaginar que a sigla AI tenha sido mencionada em praticamente todos os tipos de debate. Inclusivamente, num jantar cujo tema era “erradicar epidemias globais”, e discutindo-se os maiores desafios de fazer chegar vacinas a populações, sugeriu-se que a AI pode ser a solução para resolver uma das maiores incógnitas—a quantidade de vacinas necessária em cada local durante a propagação de uma epidemia. Hoje em dia, um computador pode mais rapidamente aprender a determinar estas quantidades, e muito mais rápido que um humano (obviamente: não sem a sua supervisão).

Ora o potencial de ter máquinas a desempenhar tarefas de forma melhor e mais eficiente do que um humano até aqui o fazia traz muitas oportunidades, mas também desafios acrescidos para os quais temos de nos preparar nas suas várias vertentes. Se o offshoring (deslocação da produção de uma região para outra com o objetivo de reduzir os custos de produção) foi uma tendência nos últimos 30 anos por permitir tirar partido de vantagens competitivas e localizar cada estágio da cadeia de valor onde ele era economicamente mais viável, a automatização vem fomentar o processo inverso porque o custo do trabalho automatizado é o mesmo em Portugal, nos Estados Unidos ou na China.

Tanto o offshoring como o reshoring são dimensões da globalização, por sinal o tema deste ano da cimeira de Davos. Mas se o primeiro nos permitiu tirar partido do custo mais baixo associado a produzir em Portugal, e se até aqui o custo de empregar um operador de fábrica era muito menor em Portugal ou na Ásia, a partir do momento em que este tipo de tarefas é feita por um robot, o custo passa a ser muito semelhante, independentemente da sua localização física. E aí surge o reshoring de alguns trabalhos e processos de produção, ou seja, o fenómeno inverso ao offshoring, levando de volta a produção para os “países de origem”.

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Os Estados Unidos são um exemplo frequente desta tendência. Em vez de produzir na China, o país procura, cada vez mais, proteger a economia local e voltar a produzir “em casa”. Por cada posto de trabalho que é reshored para os Estados Unidos, há perda desse mesmo posto de trabalho noutra localização. E a força motora deste movimento é a automatização.

Em Portugal, esta é uma questão a que temos de prestar atenção, sob pena de regredirmos no panorama global competitivo. O custo do trabalho é relativamente baixo e é frequente que o incentivo a contratar mão de obra barata seja superior a investir em melhores processos e automatização, o que poderia aumentar a competitividade e produtividade.

Estas preocupações vêm em linha com uma das principais conclusões do relatório publicado recentemente pela McKinsey sobre Automação e o Futuro do Emprego em Portugal que refere que a única forma de sustentar as taxas de crescimento dos últimos 20 anos em Portugal é aumentar a produtividade e o aumento necessário só poderá ser conseguido recorrendo a automatização.

Nesse sentido, as atividades repetitivas e mais automatizáveis no nosso país correspondem a 52% do total das horas de trabalho. Isto significa que mais de metade do tempo laboral em Portugal é despendido em tarefas repetitivas, de valor acrescentado limitado, e passíveis de serem automatizadas. Esta automatização vai tornar redundantes 1.1 milhões de trabalho em Portugal até 2030, mas o crescimento económico resultante vai ajudar a criar os mesmos postos de trabalho noutros sectores. A grande maioria destas pessoas (cerca de 70%) terá de ser treinada para desempenhar outra tarefa, de acordo com o mesmo estudo.

Tendo em conta o potencial desta tecnologia mas também os desafios envolvidos, não é de estranhar que já se conheça o primeiro “Ministro para a Inteligência Artificial”, nos Emirados Árabes Unidos. A ele, e a todos os intervenientes desta revolução, não faltará trabalho nos próximos anos. Em Portugal falta-nos definir uma estratégia para competirmos neste campeonato e esta passa sobretudo pela educação – dos gestores, empresários, população activa no mercado de trabalho, mas também das gerações mais novas que vão ter um papel activo nesta década de transição.

Cristina Fonseca, é investidora e empreendedora tecnológica. É actualmente Venture Partner da Indico Capital Partners (o primeiro fundo de Venture Capital early-stage em Portugal) e co-fundou a startup Talkdesk (uma plataforma que permite a empresas criarem o seu call center na cloud). Engenheira de formação, foi reconhecida pela Forbes como “30 under 30”. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub em 2013 e é presença assídua em eventos do Fórum Económico Mundial, tendo já participado nos eventos de Davos (Suíça) e de Dalian (China).

Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre o ecossistema empreendedor. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.