1 Está na altura de discutirmos as prioridades políticas para o próximo Orçamento do Estado. Neste artigo, apresento uma metodologia para um debate sério das opções de política orçamental e ilustro com uma proposta concreta. Na área da energia defendo a redução do IVA da eletricidade para a taxa intermédia, com algumas medidas mitigatórias do impacto da redução do IVA. Mas antes de irmos à árvore (proposta) convém visualizar a floresta.

A primeira questão, para a qual existem diversas respostas políticas, é: que saldo devemos ter em 2020? A minha resposta é simples: aquele que permitirá, tendo em conta outras eventuais necessidades de financiamento, descer o peso da dívida pública no PIB em 2,96 pontos (=1/20*(119,3-60)) no final de 2020. A nossa reputação enquanto país, e o caminho de desendividamento, deve ser, nem mais nem menos do que o necessário. Mais, significaria manter sacrifícios adicionais nos portugueses (famílias e empresas), menos, pôr em causa o caminho para a soberania orçamental do país. Note-se que o debate hoje já não é sobre como reduzir o défice, mas que saldo devemos ter nos próximos anos em velocidade de cruzeiro da economia. A diferença entre ter um excedente ou um défice de 0,25% do PIB são mil milhões de euros. É por isso que a resposta a esta primeira questão é crucial.

A segunda questão é o que queremos fazer em relação à carga tributária sobre os portugueses (a relação entre impostos, sem contribuições sociais, no PIB*)? Queremos mantê-la, aumentá-la ou diminuí-la? Obviamente que respondendo às duas primeiras questões, e com uma estimativa das contribuições sociais, temos determinado o nível de despesa pública que podemos realizar no ano. Tendo já uma resposta para o saldo orçamental, e os valores globais da despesa e da receita pública a terceira e a quarta questão são as de saber como se quer alterar respetivamente a estrutura da receita pública e da despesa pública, clarificando os objetivos de política económica, financeiros, sociais ou ambientais que se pretende alcançar com essas medidas.

2 O debate sobre a taxa do IVA da eletricidade está instalado. A taxa de IVA afeta sobretudo os consumidores e menos as empresas, pois estas só têm de entregar ao Estado a diferença entre o IVA recebido nas vendas menos o pago nas compras (se menor), ou receber reembolsos de IVA caso o que pagaram tiver sido maior do que o que receberam. Este tópico é sensível pois já foi anunciado à direita (PSD) e à esquerda do PS (todos os partidos), e ao centro (PAN), a defesa da descida deste imposto. Caso isso aconteça, e caso o governo na proposta de lei ou na negociação, não o aceite, teríamos a primeira derrota política do governo e quiçá uma crise política.

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Relembremos que o IVA da eletricidade passou da taxa mínima para a máxima no período da troika. Um debate sério exige que se tenha informação fiável, e que se dê uma resposta às questões acima enunciadas. Primeiro, saber o impacto financeiro das duas possibilidades: redução para 13% e redução para 6%. Os números divergem (dependendo das fontes, de se considerar bruto ou liquido, só eletricidade ou também gaz), mas usarei os valores líquidos de, respetivamente 470 e milhões e 800 milhões.

Neste pressuposto, defendo uma solução de compromisso: há razões e condições para se reduzir para a taxa intermédia, mas não para a taxa mínima. As razões principais são sociais e económicas. Primeiro, Portugal tem uma taxa de privação material e pobreza energética significativa. Muitas famílias não conseguem aquecer as suas casas devidamente. Segundo, mesmo para um número significativo de empresas, que defrontam mercados competitivos com procura elástica, teriam benefícios da medida (uma descida de IVA repercutir-se-ia numa redução de preço e num aumento do volume de vendas). Terceiro, uma estratégia de transição energética, tem de assentar numa redução do preço da eletricidade, e de uma maior proporção de produção a partir de energias limpas. Ora, se a segunda dimensão está a ocorrer a primeira não. Quarto, Portugal tem dos valores mais elevados da eletricidade da União Europeia. O Resumo da entidade reguladora (ERSE) é muito simpático para o governo pois diz que Portugal compara bem com a média (ponderada) da União Europeia, em que grandes países como a Alemanha, Espanha e Itália estão acima da média. Prefiro ler os números do Eurostat doutra maneira: em termos absolutos Portugal está no grupo da eletricidade mais cara da UE28, ocupa a 8ª posição, mas se considerarmos as paridades de poder de compra de cada país está na 4ª posição (Eurostat) e se consideramos o preço em relação com o PIB per capita está na 3ª posição (cálculos próprios), apenas ultrapassado pela Roménia e a Bulgária.

É imperativo pelas razões expostas diminuir o preço para o consumidor. O governo tem várias opções. Uma é reduzir aquilo que eufemisticamente, e na fatura da eletricidade,  vem como “custos de interesse económico geral” (CIEG), e que prefiro chamar as rendas políticas da eletricidade. São rendas algumas delas injustificáveis. Porque temos, como consumidores, que financiar a convergência tarifária das regiões autónomas, com a nossa factura da eletricidade ao abrigo dos CIEG? Somo obrigados contratualmente a pagar os sobrecustos com a produção das centrais térmicas e hídricas bem como do regime especial renovável e não renovável?  Não sendo através da redução destas rendas, resta a descida do IVA. Justificada que está a descida do IVA  resta explicar a forma de a financiar parcialmente.

Parte do valor dos 470 milhões em falta obtém-se com um objetivo para o saldo orçamental diferente em uma décima. Logo aqui “obtemos” 200 milhões. Será que isto desvirtua o orçamento? (caso não seja cumulativo com muitas mais alterações). Será que seríamos sancionados por Bruxelas ou pelas agências de rating? Não. Poria em causa o objetivo para a dívida? Não. A outra parte (ou a totalidade caso o governo queira manter o objetivo para o saldo) poderá ser obtida sem agravamento das taxas de tributação, apenas pela dinâmica geral de crescimento do IVA que se antecipa maior do que era esperado no OE2019. Apenas caso as previsões para 2020 sejam insuficientes para os objetivos orçamentais, poder-se-á ponderar o agravamento da tributação do diesel, justificado pela racionalidade económica (altamente poluente e transição energética) e pelo benchmarking internacional. Portugal, ocupa, também aqui o grupo dos países com maior tributação sobre os combustíveis de transportes (enquanto estivermos no grupo dos países com maior peso da dívida teremos este mantra sobre nós). Na gasolina e no gasóleo ocupamos respetivamente a 9ª e a 11ª posição mais elevadas em 28 países em termos de tributação. Na sua relação com o PIB per capita subimos para a 5ª posição e a 9ª respetivamente. Somos dos países em que existe maior diferencial na tributação da gasolina e do gasóleo, favorável a este.

Se queremos efetivamente uma transição energética não deveremos recear um progressivo agravamento da fiscalidade sobre os combustíveis fósseis e um desagravamento sobre as fontes de energia cada vez mais limpas, como a eletricidade, mantendo uma neutralidade fiscal. Aquilo que desvirtua orçamentos são medidas irrealistas no campo das remunerações de pessoal ou das pensões. Não é acomodar uma baixa moderada do preço da eletricidade. O Orçamento do Estado é o tempo das decisões políticas estratégicas. Tenhamos coragem de as assumir.