Que me desculpem os deputados, mas o parlamento, cada vez que aborda uma questão mais sensível do ponto de vista ético, parece contagiado por um frenesim quase histérico, que contradiz a ponderação e o sentido de responsabilidade que seria de esperar de uma tão ilustre assembleia. Com efeito, as denominadas causas fracturantes sucedem-se ao ritmo alucinante das actuações circenses e, em vez de se legislar para o bem comum e a favor das pessoas e das famílias mais carenciadas, parece que só se procura agradar às claques partidárias, cumprir agendas internacionais que nada têm a ver com o interesse nacional e satisfazer ululantes grupos de interesses e de pressão.
Este parlamento já aprovou – depois de ter muito democraticamente ignorado uma petição popular subscrita por mais de cinquenta mil eleitores – a generalização e a banalização do aborto gratuito, bem como a aprovação da co-adopção por casais do mesmo sexo. E já estão na calha a aprovação da ‘morte assistida’ e as malfadadas ‘barrigas de aluguer’… A este ritmo, em breve acaba-se com Portugal!
Se, em relação ao aborto e à eutanásia, houve o cuidado de maquilhar a realidade com a cosmética do eufemismo, patente nas denominações ‘interrupção voluntária da gravidez’ e ‘morte assistida’ respectivamente, o mesmo ainda não aconteceu com as ‘barrigas de aluguer’: a brutalidade desta expressão traduz muito bem a monstruosidade da correspondente realidade. É certo que, em ambientes políticos mais sofisticados, prefere-se falar de ‘maternidade de substituição’. Mas a realidade é sempre a mesma, ou seja, a possibilidade de uma mulher gestante ceder o seu ventre para que outra, incapaz de engravidar, possa nela gerar uma criança. A coisa parece relativamente simples, mas já não é tão claro saber quem é a mãe do referido filho, a não ser que o dito, ao contrário dos restantes mortais, seja condenado a não ser, com perdão, filho da mãe.
É verdade que os defensores das ‘barrigas de aluguer’ excluem, com muita determinação, qualquer possível comercialização do ventre feminino, pelo que o inquilino não teria que pagar nenhuma renda pelo alojamento intrauterino, nem a senhoria estaria sujeita ao IMI. Contudo, quem há que se disponibilize para transportar, gratuitamente, o filho de outrem, no seu próprio ventre, meses a fio?! E se a gravidez não correr bem, por negligência da gestante que, por hipótese, não observou o descanso conveniente, quem será responsável: a mãe contratante ou a mãe contratada?! Se o filho nascer com alguma deficiência, quem ficará com ele?! E que mulher vai correr esse risco, sem nenhuma garantia ou razão económica que o justifique?!
Mesmo que, inicialmente, a denominada maternidade de substituição venha a ser exercida gratuitamente, a verdade é que, com o tempo, as barrigas serão mesmo de aluguer. Também quando primeiro se falou da despenalização do aborto, só se previam os casos muito excepcionais de violação, ou de má formações do feto, mas hoje é à vontade da freguesa, mesmo quando a concepção foi livre e voluntária e o feto é perfeitamente saudável. Também quando se aprovou o casamento de pessoas do mesmo sexo, os defensores desta causa fracturante juravam a pés juntos que não estava em causa a adopção, que a lei actual já lhes faculta.
Talvez as ‘barrigas de aluguer’ sejam uma modernice, mas mulheres de aluguer sempre as houve … Não é verdade que seja a mais antiga profissão do mundo, porque há ofícios mais remotos e essa ocupação não tem, decididamente, a nobreza de uma profissão. Mas que é uma prática infelizmente muito antiga, decerto que o é. Como também ninguém pode ignorar – sem que por isto se ponha em causa a dignidade das mulheres que, segundo o Evangelho, precederão os fariseus no reino dos céus … – a ignomínia a que está ligada uma tal actividade: ainda hoje, um dos piores insultos é dizer de alguém que é filho de quem se permitiu um tal aluguer… Tanto dá, para o efeito, que seja só da barriga ou do corpo inteiro, pois o arrendamento não ganha dignidade pelo número de assoalhadas em causa.
Por isso, em boa hora o Parlamento Europeu, no seu Relatório anual sobre os direitos humanos e a democracia no mundo e a política da União nesta matéria, aprovou, no passado 17 de Dezembro de 2015, a seguinte resolução: “Condena a prática de gestação para outrem, que compromete a dignidade humana da mulher, pois o seu corpo e as suas funções reprodutoras são utilizadas como mercadoria; considera que a prática de gestação para outrem, que envolve a exploração reprodutiva e a utilização do corpo humano para ganhos financeiros ou outros, nomeadamente de mulheres vulneráveis em países em desenvolvimento, deve ser proibida e tratada com urgência em instrumento de direitos humanos” (nº 115).
Por cá, segundo o Público de 29 de Março último, também o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida deu parecer negativo ao projecto do Bloco de Esquerda sobre a ‘gestação de substituição’ porque, no seu douto entender, não salvaguarda os direitos da criança, nem da mulher gestante. Mas, o parlamento dará ouvidos ao Conselho Nacional de Ética?!
É hora de as mulheres livres de Portugal se levantarem para exigir o respeito que é devido ao seu corpo e à sua dignidade! A maternidade há-de ser sempre um exercício de liberdade e de amor responsável e nenhuma mulher se deverá sujeitar à indignidade de um aluguer que, mesmo que seja só do seu corpo, é na realidade uma inaceitável exploração da sua condição feminina. Mulheres livres, sim; mães responsáveis, também. Barrigas Remax, não! Nunca!