Garanto que o que se segue só tem a ver com o beijo maldito entre dois espanhóis porque se trata dum beijo, assim, também bastante estranho, que me deixou apalermado. Foi em Moçambique, Beira, na casa de um conceituado advogado, o C.A.P. Em Portugal, o 25 de Abril de 1974 já tinha acontecido, mas o 25 de Junho de 1976, dia da independência de Moçambique, ainda estava para acontecer. Foi entre aquelas datas, em 1975. Tudo fervilhava à minha volta e, ao mesmo tempo que, pela primeira vez, ouvi falar – horrorizado – num regresso dos meus pais à Metrópole, terra que não conhecia, lá conseguia afastar aquele temor vivendo e participando, activamente, em tudo o um jovem podia fazer naquela altura. Eram tempos de, diariamente, se ver acontecer coisas novas. A política era uma delas; ver os amigos e colegas a deixarem a terra natal com destino à Europa, era outra. Numa tarde, ao chegar a casa do C.A.P. para me juntar ao meu grupo de amigos e amigas – era um grande grupo de jovens que participava, com grande alegria em diversas actividades – como cheguei mais cedo, ele levou-me a uma saleta, à parte, onde estavam diversas pessoas, homens e mulheres, uns mais velhos outros mais novos, uns a sorrir outros mais sisudos. Destacava-se uma mulher, via-se que já não era muito nova, mas era bonita. O seu traje era de um colorido exuberante, elegante, só possível com aquela pessoa e naquele espaço africano. C.A.P. disse qualquer coisa em inglês, a senhora levantou-se, aproximou-se de mim, agarrou suavemente, com as duas mãos, a minha cara e deu-me um beijo franco, suave, molhado e bem cheiroso nos meus lábios. Disse o seu nome e de seguida apresentou-me o restante grupo. Daquele momento só me lembro do choque que tive. Garanto que não me lembro de mais nada até estar novamente sozinho com o C.A.P. Ainda estava em choque. Nunca tinha recebido um beijo na boca. O meu amigo C.A.P. sorrindo, e percebendo muito bem o que se passava, disse-me que eles eram guerrilheiros da Rodésia, da ZANU, e que estavam em Moçambique para uma reunião de trabalho. Disse-me então que aquele beijo na boca eram um beijo de fraternidade em uso entre eles. Da estupefacção ao orgulho, foram segundos. Orgulho que ainda hoje mantenho.

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