A memória é curta mas creio que nenhum governo teve uma vida tão árdua como o actual. Tem mantido um braço de ferro constante não só com a oposição mas, sobretudo, com as corporações profissionais entrincheiradas nos seus privilégios estatistas desde o 25 de Abril e, muitas vezes, já antes. Acrescem a isso as arbitrariedades permanentes de um Tribunal Constitucional que usurpou poderes sem os quais nenhum governo terá a possibilidade de reduzir o despesismo público acumulado ao longo de décadas nem de cumprir os termos do memorando assinado há mais de três anos e meio com os credores. Imagine-se que o Tribunal Constitucional tinha tido o mesmo comportamento quando o governo do país – sempre com o PS – teve de gerir duas bancarrotas financeiras que chegaram a levar a inflação a 30%!  

É um milagre que o governo tenha durado até hoje, sobretudo tratando-se de uma coligação cuja instabilidade tem sido permanente, mesmo depois do lamentável episódio da «irrevogável» demissão do ano passado. Com efeito, Paulo Portas nunca cessou, ao longo destes três anos e meio, de piscar um olho populista, seja aos grupos sociais que supostamente apoiam o CDS, como os reformados, seja à própria oposição, dando mais de uma vez a impressão de estar pronto a aliar-se com o PS, já que a comunicação social decidiu de antemão que o PSD perderia a maioria quando houvesse eleições…

É certo que a oposição e as corporações não agradecem ao governo as múltiplas cedências que este tem sido obrigado a fazer para não desagradar aos partidos e às corporações que beneficiam, em turnos alternados, com o anquilosamento de uma sociedade e de uma economia insustentáveis a longo-prazo. Sair do «euro», como é tentação dos soberanismos de direita e de esquerda, não resolveria nada; apenas faria recuar Portugal décadas.

Todavia, se a oposição e as corporações não agradecem as cedências voluntárias e involuntárias do governo, não é por não beneficiarem com elas. Claro que beneficiam. Inversamente, o único trunfo político que o primeiro-ministro e o seu núcleo resistente podem reivindicar é esse mínimo de coerência que têm demonstrado e que lhes permitiu aguentar o país até aqui. Quando António Costa tomou o poder no PS, o braço de ferro do governo com os seus adversários ficou ao rubro. Redobrou a gritaria contra toda e qualquer medida governamental, mesmo que figure no memorando assinado por Sócrates em pessoa, e a expectativa eleitoral desencoraja à primeira vista quaisquer novas medidas de fundo.

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Pode no entanto tratar-se de um erro de cálculo. Se é forte a tentação do governo para fazer mais cedências com vista a eventuais ganhos eleitorais, a verdade é que as forças sociais e políticas que, sem apoiarem o PSD nas sondagens, também não estão rendidas ao populismo de esquerda nem de direita, pois não acreditam na viabilidade de nenhuma dessas soluções, tais forças – dizia eu – mantêm-se fiéis, contrariadamente que seja, à coesão europeia. Elas esperam do governo mais – e não menos – firmeza na reforma possível do Estado e na manutenção dos magros ganhos de que o PSD se pode gabar. Em suma, a maioria da população que suportou os «cortes» gostaria de continuar a acreditar que isso serviu para alguma coisa, concretamente para diminuir o desemprego, estimular um mínimo de crescimento económico e manter-nos na Europa.

Vem isto a propósito dos dois braços de ferro que as corporações do chamado «serviço público» estão a fazer com o governo na TAP e na RTP, com o apoio unânime das oposições e a benevolência habitual da comunicação social. A arrogância desmedida dos sindicatos da TAP só é comparável à da direcção da RTP demitida pelo governo. Sendo assim, qualquer cedência governamental seria funesta não só para as expectativas eleitorais do PSD mas também para o país, já de si ameaçado por uma conjuntura internacional altamente instável, desde a Grécia à Rússia.

Apesar do patrioteirismo demagógico dos improvisados defensores da TAP, acobertados atrás da esperança de uma vitória do PS nas próximas eleições, não há qualquer dúvida que opinião pública, portuguesa e estrangeira, está literalmente farta da prepotência de alegados grevistas que apenas defendem os seus privilégios. O governo está, pois, à vontade para declarar a requisição civil e, mais, dar a conhecer a toda a gente os rendimentos dos funcionários queixosos a fim de a opinião pública saber do que se está a falar.

Quanto à RTP, nunca aqui se deveria ter chegado. Bastava ter sido coerente com a vontade inicial do governo em fechar essa imensa empresa do «antigamente» com excepção daquilo que fosse considerado rigorosamente «serviço público». Mas infelizmente isso desagradava aos políticos do governo que esperavam continuar a ter na RTP o habitual megafone e, possivelmente, também não convinha, em plena crise do despesismo, aos agentes privados que actuam no mercado publicitário televisivo, os quais, como de costume, temiam a concorrência de quem adquirisse o grosso da RTP. É este braço de ferro altamente oneroso, tanto do ponto de vista económico como político, que o governo não pode voltar a repetir.