Caro, futuro ministro da Saúde.

Em primeiro lugar as minhas felicitações por aceitar o cargo político e de gestão mais difícil que existe em Portugal.

Mas tome nota que o nosso SNS subsiste à custa de triturar um ministro a cada dois anos e que com cada novo ministro tudo recomeça. A drª Marta Temido resistiu quatro anos porque os dois da pandemia não contaram. Antes, em quase 50 anos, apenas dois ministros aguentaram 4 anos: Maria de Belém e Paulo Macedo. A primeira, nos tempos venturosos de Guterres com milhões dos fundos europeus a entrarem e sentada em todo um SNS estruturado que o cavaquismo lhe deixou, o que permitiu conviver com o seu bonito discurso retórico.

 O segundo em tempos agrestes da Troika a qual lhe aquecia as costas e induziu importantes medidas de gestão que salvaram o SNS : A receita eletrónica que sem obrigar de facto impôs que os médicos passassem, todos, a receitar por princípio ativo (genérico) e com isso poupando muitos milhões; as “Normas” elaboradas pela Ordem dos Médicos em parceria com a Direção Geral de Saúde que passaram a ser a orientação terapêutica tendo como base a evidência clínica, verdeiros manuais de boas práticas, que substituíram a informação comercial e enviesada da Indústria farmacêutica, e pelas quais se guiam hoje os Médicos e estudam os internos das várias especialidades pois são a fonte de perguntas nos exames. Beneficiou ainda da poupança gerada pelo aumento de toda a Função Pública das 35 para as 40 horas e em bom tempo soube negociar com os sindicatos médicos o aumento das listas de utentes dos Médicos de Família de 1550 para 1900. Acresce ainda o aumento das taxas moderadoras que de facto foram efetivas na moderação do consumo de cuidados de saúde, para além de gerarem mais receita. Finalmente ao pôr os hospitais privados a cobrarem taxas moderadores aos doentes da ADSE mais baixas que as praticadas no SNS desviou muitos utentes do SNS para os Hospitais privados aliviando a pressão da procura dos hospitais públicos (e consequentes gastos que ficaram por conta da ADSE e dos seus beneficiários e também financiadores)

Mas as medidas de Paulo Macedo/troika, fundamentais para aguentar o SNS nos tempos difíceis, não sendo repetíveis, não resolvem o problema do aumento dos custos decorrentes do crescente e muito acentuado envelhecimento da população, até como resultado da bondade do SNS, sendo que é após os 60 anos de idade que as doenças degenerativas e oncológicas mais se manifestam e são estas que mais recursos consomem; nem o dos custos com as tas novas tecnologias e com as terapêuticas inovadoras, muitas delas irrecusáveis como a do tratamento da Hepatite C .

Mas voltemos ao tema. Porque é que quase todos os ministros da Saúde saíram trucidados, e agora Marta Temido? Porque não enfrentaram as duas questões estruturais do SNS com mais impacto:

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  1. O estar assente num modelo estatista de Administração Pública e gestão política, tendo no topo o ministro da Saúde;
  2. Ter o financiamento totalmente assente no Orçamento de Estado.

Nenhum deles enfrentou a questão do financiamento, basicamente decorrente do Orçamento do Estado, o que torna o ministro da Saúde o responsável e alvo político pela perpétua insuficiência do Orçamento da Saúde.

A Suborçamentação da saúde é neste contexto a única forma de gestão possível para evitar o crescimento descontrolado das despesas do SNS, sobretudo quando aumenta a população idosa e muito idosa e todos os dia há novos medicamentos e novas tecnologias. A suborçamentação é a única forma de pressão efetiva sobre os agentes decisores e gestores do SNS (cada vez mais ameaçados pessoalmente em caso de incumprimento do Orçamento) num contexto muito sensível em que todos pedem sempre mais. É também a suborçamentação/falta de orçamento que serve de arma negocial perante as corporações internas (sindicatos) e externas (indústria farmacêutica, material hospitalar, associações dos convencionados, associações de doentes, bombeiros, etc.) – “Têm toda a razão, mas não há orçamento” é tudo o que um ministro da Saúde tem que dizer. Mas é também a razão pela qual em cima da cabeça do ministro caiem todos os descontentamentos…

Porque é que Marta Temido não falou com os sindicatos médicos quando as tabelas, negociadas nos tempos difíceis da troika, estão desajustadas e estão há muitos anos para serem atualizadas? Porque o ministro das Finanças não lhe permite ter qualquer coisa para oferecer. E até, com as cativações, lhe retira parte do dinheiro prometido no Orçamento de Estado.

O resultado é que os médicos estão a deixar o SNS tornando cada vez mais difíceis as condições dos que ficam e maior atraso no atendimento dos utentes. E tudo isto acaba por recair em cima do ministro.

Da natureza estatal e piramidal do SNS acrescido do seu gigantismo. decorrem as seguintes consequências:

  1. É em cima do ministro que recaem todas as reclamações ocorridas em todas unidades do SNS, desde o mais recôndito centro de saúde ao maior hospital central. Se num restaurante ocorrer uma intoxicação alimentar o assunto cairá apenas sobre os donos do restaurante sem qualquer impacto ou repercussão política. Se ocorrer numa pequena instituição do SNS são tema político, abertura de telejornais e capa de jornais. O “culpado” será o ministro.
  2. Laxismo da Administração nos seus vários níveis. Aquilo que a Administração mais detesta é fazer ondas- O importante é que haja paz e nada dê origem a ser notícia. Tipicamente a Administração Pública não gere, ou seja, não toma medidas ou decisões com vista a corrigir e a promover maior eficiência. A Administração Pública simplesmente administra. Ou seja mantém o statuos quo, Na Administração pública não há responsáveis. Administra-se de acordo com as leis e regulamentos e segundo orientações superiores. Ou seja, tudo vai parar ao ministro. ministro que tem assim às suas costas toda uma organização gigantesca…
  3. Falta de capacidade de adaptabilidade e de resposta, tais são os processos burocráticos a que tudo está sujeito. Os quais quando não se cumprem são pretexto para “cair o Carmo e a Trindade”. Mas se não existissem esses processos burocráticos seria um compadrio e fartar vilanagem
  4. Aprisionamento pelas corporações. Uma coisa é resolver um problema localmente outra é que qualquer medida que se tome é sempre tomada a nível nacional com impacto sobre todos os profissionais que reagem em bloco (sindicatos) e promovendo uma aliança com os utentes para que tudo seja “culpa do ministro”. E é disto que os média gostam.

Percebe-se assim que um ministro da Saúde que não enfrente a questão do “Financiamento da Saúde” nem a natureza estatista deste, não aguente mais do que meia legislatura. São seis meses de expectativa em que recebe calorosamente toda a gente. Seis meses a refletir sobre o que lhe propuseram, seis meses a dizer que as ideias são boas, mas que não há dinheiro, seis meses em que desaparece paralisado no seu gabinete até ser substituído por outro e o ciclo recomeçar. E o SNS mantém-se inalterado e “por reformar” incorporando aqui e ali uma medida avulsa de cada Ministro. Mas, por maiores dívidas que gere, e por mais ineficiente que seja, mantém-se e vai dando um sofrível (mas cada vez mais acentuadamente pior) resposta (cada vez menos) Universal. E podia e devia ser muito, muito melhor.

A persistência no social estatismo na Saúde, repudiando a gestão privada apesar de todos os indicadores positivos (como aconteceu com as PPPs) e ignorando e recusando uma articulação em complementaridade com a oferta privada e social, levando a um País dois sistemas estanques com duplicação de custos e sem recursos humanos suficientes para isso, irá continuar a trucidar Ministros.

PS. António Costa está irremediavelmente comprometido com a via estatista seguida ao recusar a proposta de lei de bases Adalberto/Maria de Belém e optar pela de Marta Temido/Bloco de Esquerda; em consequência acabou com as parcerias público-privadas na Saúde e quer, quando possível, acabar com o sector convencionado na Saúde. E até agravou, muito, a situação do SNS ao acabar com as taxas moderadoras, a reversão das 40 hs para as 35 horas e o congelamento das carreiras médicas. Por isso, caro “próximo Ministro da Saúde”, tendo como Primeiro Ministro António Costa, que recusa mudar de política e é o principal opositor às medidas necessárias, e a situação explosiva do SNS, aonde se irá atingir no fim do ano os 2 milhões de utentes sem médico e se caminha para o maior déficit de sempre e o menor investimento de sempre, a que acresce um contexto internacional de guerra e de crise económica e inflacionistas, com a subida das taxas de juro, nada lhe posso augurar de bom. Apenas lhe desejar boa sorte.