Cara British Airways, Iberia, Lufthansa et al. (aut nemo)

Tomando por boa, neste local de fantasia, a notícia de que estão interessados na compra de uma das companhias aéreas portuguesas deficitárias, vimos, a bem da lisura e bom sucesso da negociação, informar sobre quem vão ter do outro lado da mesa.

A TAP vai ser-vos vendida por um colectivo socialista encabeçado pelo primeiro-ministro António Costa. Terão do outro lado da mesa (ao menos por interposto escritório de advogados) a cabeça e os membros desse colectivo. Já não tereis que preocupar-vos com a directora-geral, Sr.ª Christine. A Sr.ª Christine que veio de uma pequena companhia aérea entretanto falida – e embora anunciada por governo e media amigos como o nec plus ultra da aviação civil – foi despedida pelo colectivo socialista por não o ter compreendido bem. A Sr.ª Christine assinou por baixo dos ministros das Finanças (o actual) e o das Infraestruturas (o defunto, embora só provisoriamente) uma indemnização de meio milhão de euros a uma socialista que saltitava entre cargos em empresas públicas e governo. Fazia-o, portanto, e segundo cria, em sintonia com a ética e cultura vigentes. Por ingenuidade, escapou-lhe que, caso se soubesse e fosse motivo de escândalo, a responsabilidade seria exclusivamente sua.

À mesa, portanto:

O Sr. Costa é o líder da associação que assinou com FMI e UE um memorando de entendimento em que se comprometia a privatizar a TAP. O compromisso foi cumprido por um governo sério que se ocupou do interregno socialista. Mas o Sr. Costa, depois de perder as eleições, trouxe o colectivo socialista de volta ao poder com a ajuda do Partido Comunista (sim, ainda existe aqui, é o esqueleto do que havia nos vossos países há umas décadas) e de outros radicais de esquerda, muito vocais e que são uma espécie de Barbie dos jornais e televisões de Lisboa. E logo o Sr. Costa criticou veementemente o anterior governo por cumprir as obrigações que o seu colectivo assumira, e decidiu «reverter» o acto. O Sr. Costa e o seu colectivo nacionalizaram a TAP, diziam que «para a salvar», e agora tem urgência em privatizá-la, para salvar-se.

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O Sr. Costa é, por isso, muito querido e celebrado pelos nossos media, com destaque para Sic, Tvi, Expresso, DN e Público, como uma pessoa muito hábil, o que corresponderá menos aos vossos «apt» ou «wise», e mais a uma mistura dos vossos «cunning» e «tricky». Consequentemente, se o negócio for um sucesso o Sr. Costa terá sido o autor e, ainda que o não tenham visto, terá estado presente nas reuniões todas. Se não for, o Sr. Costa não esteve, não foi informado, nem participou, e, aliás, não sabia de nada, como aconteceu com todos os governos em que participou.

Sentar-se-ão também perante vós (ao menos por interposto escritório de advogados), os ministros da tutela: o das Infraestruturas de agora, Sr. Galamba, e o ministro das Finanças, o Sr. Medina.

O Sr. Galamba sucede ao Sr. Santos, defunto (ministerial e provisoriamente, entenda-se), o qual antes alcançara a glória quando o Sr. Costa o fez ponta de lança para reduzir a TAP ao que eles chamam «estratégica», ou seja, com bons cargos para os seus e apoiada com dinheiro dos contribuintes. Visto ser, por enquanto, pretérito, poderia parecer fútil explicar-vos dolorosamente quem era o Sr. Santos, pessoa cuja incompetência só é ultrapassada pela presunção. Não vá dar-se, porém, que o Sr. Santos volte como chefe de Governo durante a vigência do vosso contrato, pois podemos sempre contar com o entusiasmo dos media amigos – com Sic, Tvi, Expresso, DN e Público à frente – e a sabedoria impenetrável do nosso povo (que já deu 39% ao Sr. Sócrates sendo já evidente quem era, e a maioria absoluta ao Sr. Costa, depois de ele destruir a saúde, a educação, a Justiça, a economia e os serviços públicos em geral)

O Sr. Galamba que sucedeu a Santos em meia pasta, distinguiu-se pelo apoio inabalável ao Sr. Sócrates, autor de uma bancarrota nacional, e acusado de corrupto e ladrão de dezenas de milhões de euros, mas decerto injustamente, pois que a nossa boa e célere justiça nunca o poderá demonstrar em bom tempo. O Sr. Galamba também vale pelo propósito inabalável de investir uns biliões da esmola europeia no fabrico de hidrogénio verde que não fabricamos e na sua venda à Europa que o não quer através de um gasoduto que o não transporta; e talvez possa valer ainda mais quando um dia prometa, como o seu antecessor fez e o colectivo socialista aprecia, o 17.º programa de renováveis e a 23.ª revolução da ferrovia; e também porque é malcriado e dinâmico.

O Sr. Medina, sentar-se-á também à mesa. É o ministro das Finanças, que os lisboetas não quiseram para presidente da Câmara, mas que o Sr. Costa sentou à mesa do orçamento dos amigos e compadres. Para o Sr. Medina, filho espiritual do Sr. Costa, vale o que se disse para este: tudo o que correr bem, foi ele; tudo o que correr mal, não foi ele, não tomou parte, não foi informado, e, aliás, não sabe nada.

Os advogados. Por fim, talvez todos os protagonistas acima estejam presentes in absentia, e em frente de vós vejam dois ou três bons advogados de um grande escritório. É melhor para o cumprimento dos contratos. Merece o esforço, porém, verificar de que escritório exatamente se trata, ainda que ele pertença a algum parente de uma grande figura do Estado socialista. É que também os contratos por eles negociados e redigidos podem ser revertidos, porque afinal não estavam mandatados, ou por não terem informado ninguém, ou devido ao desconhecimento de absolutamente todos os membros do coletivo socialista.

Para que haja sucesso basta, evidentemente, que a empresa seja vendida exatamente como o colectivo socialista agora pretende e anseia, ou seja, depressa, porque o caos criado é eleitoralmente ingrato. Assim, não deve preocupar-vos, caros putativos compradores, que acabem por pagar muito pouco. Os nossos media são muito patriotas, embora de preferência quando o governo é de esquerda, como é o caso. Celebraram e ainda celebram repetidamente, por exemplo, um crescimento do PIB de 6% como «histórico» e «recorde em democracia», depois de uma queda de 8,3% no ano anterior. Sobre a venda da TAP, portanto, os media, com Sic, Tvi, Expresso, DN e Público à frente, decerto explicarão que a venda da TAP nos poupou 2.999.999 euros, que é a diferença entre o euro que vós tereis dado por ela, e os 3 mil milhões que ainda tínhamos que pagar outra vez. Abster-se-ão de festejar como «histórico» o lucro, diz-se, de 30 milhões (sem levar a contas os 3 mil milhões lá vertidos, evidentemente), não só porque é responsabilidade da Sr.ª Christine – que desagradou ao governo que lhes agrada –, como por ser mentira, já que em 2017, no tempo do acionista privado depois expulso (com 55 milhões que levou a rir até ao banco) pelo Sr. Costa e seu colectivo socialista, dera um lucro de mais de 100 milhões. E que não vos preocupe, ainda, acabar, como provavelmente desejam, com o hub de Lisboa, tão promissor no tempo do outro privado, mas tão irrelevante para o colectivo socialista. Acresce que ninguém se rala com isso: o país é pobre, e os aviões são para os ricos.

Evidentemente, se o negócio se gorar, o Sr. Costa e os seus amigos nunca terão estado presentes, nunca terão sido informados nem sabido de alguma coisa, e decretarão um rigoroso inquérito para apurar todas as responsabilidades. Devem advertir sobre este ponto os motoristas que vos transportem e alguém que durante as reuniões vos sirva café ou pastéis de nata.

Nota: o autor escreve em português, e não segundo o «acordo».