Carneiro ou Santos?

O mais provável é José Luís Carneiro vencer as eleições internas no Partido Socialista. Nada indica que assim seja, mas esta campanha partidária cheira-me àquelas campanhas em que o protagonista cinzento ganha à putativa estrela (cadente). O meu nariz pode enganar-me, mas digo isto por ver que Carneiro aparece crível, nunca é atacado nem de dentro nem de fora, e porque é pior para a direita, pois em vez de assustar sossega. Temo que o PS depressa compreenda isto. E se compreender teremos tido o PSD a gastar muito tempo de antena a ralhar com uma cadeira vazia (em vez de propor e explicar mudança), e o PS a vencer as eleições antecipadas, ficando «inteiro e limpo», esquecido de todos os abusos e trapalhadas, sem nenhuma lição, sem nenhum arrependimento, sem nenhuma introspecção, sem nenhum remorso, sem nenhuma emenda.

A soma das incógnitas

Engano-me seguramente sobre as diversas e intrigantes maiorias que podem resultar das eleições de março de 2024.

Maioria de esquerda e maioria relativa do PS com uma nova geringonça, à Santos, ou governo socialista minoritário com um acordo de cavalheiros com o PSD secundarizado, à Carneiro? Pode ser, digo eu – mal, de certeza.

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Maioria de direita e maioria relativa dos socialistas, e Montenegro a governar em aliança com IL e CDS e a tolerância do Chega? Talvez, digo eu, temendo enganar-me, sobretudo porque Montenegro, pitorescamente, recusa governar dessa maneira.

Maioria de direita e maioria relativa ou absoluta do PSD? Talvez esteja enganado, mas parece-me difícil.

Santos ou Carneiro?

Estarei enganado, é claro, mas com Carneiro ou Santos o PS pode voltar a governar com o seu radical conservadorismo. O conservadorismo radical do PS significa tudo na mesma, «tudo para os nossos e umas caridades para o povo», e nenhuma reforma, e nenhum crescimento, e nenhuma solução para saúde, educação ou habitação, e a ocupação de todos os órgãos e serviços do Estado, e a ocupação de todas as instituições a que caberia a vigilância dos órgãos e serviços do Estado, e a ocupação de todos os órgãos de comunicação social quando a mera reverência for considerada insatisfatória. E cem alqueires de propaganda. Em resumo, o Portugal dos brandos costumes, do brando progresso, das brandas esmolas, do brando empobrecimento, da branda apatia, e da voraz corrupção e tráfico de influências. Óptimo para o PS – para o país nem tanto.

Montenegro ou Ventura? (e a bolha)

Ou muito me engano ou a força combinada da pusilanimidade do PSD, por um lado, e, por outro, da cínica promoção do Chega por socialistas e media a fim de, mediante terrores e fantasmas, manterem afastada a direita cravando-lhe o ferrete do extremismo… essa força combinada virar-se-á contra os feiticeiros e fará do Chega o primeiro partido. Não o primeiro partido da direita; o primeiro partido, ponto. Devido à timidez do PSD e devido a outras coisas.

[Ignoro aqui, por erro grosseiro e por julgar que o PSD tem culpas, a espessa cobertura de silêncio e invisibilidade que as televisões impõem a toda a oposição aos socialistas.]

Outras coisas?! Mas que outras coisas?

Ora, as minhas ilusões!

Imagino que a bolha política, jornalística e comentadora de Lisboa saiba que os abstencionistas nunca deixarão de ser abstencionistas (por serem indiferentes, por acharem que são «todos iguais»), e não pense, como eu penso erradamente, que há muitos abstencionistas dispostos a ouvir e votar se forem ouvidos, e se o que ouvirem os interessar.

Eu sei muito bem que quem terá toda a razão será a bolha política, jornalística e comentadora de Lisboa que proclama o valor do multiculturalismo. Os deploráveis (e eu, por erro) é que são contra a imigração descontrolada, contra o facto de ser permitido a etnias específicas viver fora da lei, que sentem desconforto com a imposição de opiniões e modos de vida adversários dos seus e que os rejeitam e hostilizam.

A bolha é que estará certa ao abominar os deploráveis, não eu, que julgo ver que os deploráveis veem e são muitos.

Quem terá razão será a bolha, certamente, mais o sermão do acolhimento, mais a pregação da tolerância, e não os xenófobos e racistas que têm objecções às facilidades burocráticas, de habitação e fiscais que estrangeiros têm e a eles são negadas.

Quem tem razão será a bolha e o progresso, não eu nem os deploráveis que resistem a que lhes enfiem pela garganta proibições de expressão e engenharias sociais avulsas.

A bolha é que saberá como o povo está pobre e contente.

A bolha é que saberá e dirá bem ao dizer que os italianos são um povo extravagante porque elegeram Meloni; que os argentinos são malucos porque elegeram Milei; que os holandeses são degenerados porque elegeram Wilders; que Feijó é um banana e Abascal um perigo, e não Sanchez; que dinamarqueses, suecos, noruegueses sofrem de perigoso pendor racista e anti-multiculturalista. Deploráveis, todos! Não passarão, diz a bolha. Ora, eu acho que vão passar, e também aqui acho que passam melhor se o PSD for manso e não se vislumbrar alternativa a esta vida de mediocridade e esmolas. Mas decerto me engano, é claro.

Erros meus, boa ventura?

E, então, é isto que eu creio, em erro, muito provavelmente: uma derrota relativa ou total do PSD agora, é uma vitória do Chega a prazo. É verdade que o PSD poderia ter um programa ousado; é claro que poderia ter sido menos pronto a estancar nas «linhas vermelhas» estendidas pelo inimigo; é verdade que podia ter aprendido com o «hábil» lobo Costa a lição de que é possível aliciar pispirretas e idosos (ou, então, Tiradentes) e depois engoli-los. [Não, não vou pôr o MP a caçador, nem o comunicado da PGR a lâmina estripadora.] Mas Montenegro preferiu fazer como os socialistas e a bolha lisboeta mandaram: rasgar as vestes e avançar sozinho. Em maioria relativa, e ainda que a direita fosse maioritária, ao ficar dependente dos votos do Chega – e sempre dependeria, por muito que me engane – não resistiria dois anos.

Talvez, depois, o PSD pense que foi desavisado por fazer como os adversários sugeriam, por ter usado de um excesso de moderação que as circunstâncias não mereciam. Talvez o PSD passe a suspeitar – como não suspeita a comovente candura do seu secretário-geral, Hugo Soares, em entrevista ao Observador – que algo está mal. E a resposta é: está.

A esquerda e a bolha pensarão, e dirão do ponto de vista delas: «Eh, pá, queres ver que criámos um monstro?!» E a resposta é: pois…

A bolha e a esquerda sentirão um arrependimento e uma dúvida: «Será que estivemos bem?» E a resposta é: não, do seu ponto de vista.

Mas isso digo eu, que vejo mal e muito me engano. E estarei enganado sobre o que fica acima? Espero que sim, absolutamente. Aliás, espero enganar-me sobre praticamente tudo.

O autor escreve em português, e não segundo o acordo ortográfico