Não me recordo em que ano parei de escrever a carta ao Pai Natal… provavelmente quando deixei de acreditar. Na verdade, não sei quando escrevi pela última vez uma carta a alguém, talvez porque atualmente elas estão feitas em pedaços num qualquer chat, com fundo verde e bonequinhos que brotam emoções. Frases soltas onde não abunda a coerência, pensamentos em catadupa com pouca lógica, cartas esquartejadas sem aviso de receção. E, mesmo estas, vistas assim ao longe, parecem-me sempre ridículas. Nunca duvidei de Pessoa.

No entanto, arrisco-me a imaginar como será um adulto a dirigir-se ao senhor nos mesmos termos e intenções de uma menina de 8 anos. “Querido Pai Natal” na saudação, a data e local de onde segue, a lista de pedidos e o inevitável “portei-me bem este ano”. Partindo do princípio de que os “grandes” não cometem asneiras, cumprem as tarefas e têm boas notas, não há muito que provar a uma figura que vive no Polo Norte, rodeada de gnomos e renas que voam. Mas, mesmo assim, atrevo-me a ponderar uma carta e os respetivos pedidos.

Saúde. Deve estar no topo dos apelos do adulto que saiu dos vinte e já levou um ou dois sustos, mesmo que de raspão. Se não é a sua primeira escolha é porque a vida ainda não lhe ensinou quase nada ou teve imensa sorte. Tenho a certeza de que mais cedo ou mais tarde ocupará o lugar cimeiro da lista, porque vai precisar, para si e para os seus. Não é fatalismo, é matemática. Aproveite e anexe à saúde o desejo menos lírico, mas muito útil, de um médico de família para cada português e um Sistema Nacional de Saúde eficaz e cuidador.

Depois vem a paz. Tem tudo de óbvio. Paz no mundo, nas guerras globais, nas suas e nas que acontecem dentro de nós. Paz que seja sinónimo de entendimento, de harmonia, de tolerância pela diferença. Não peça a vitória e não escolha vencedores em detrimento de vencidos porque numa guerra entra-se sempre para perder. Segue-se o mais lamecha, o amor. O romântico, o familiar, o fraternal, o próprio. Como continua a ser urgente o Amor. Lembre-se que para o receber deve rodear-se de pessoas com competências para amar. Talvez seja melhor ser mais específico neste ponto.

Não se envergonhe e não seja humilde no pedido que se segue. Dinheiro ajuda bastante a ser feliz. Mas não conte só com o euromilhões e por isso adicione um emprego prazeroso, onde o respeitam e para o qual segue motivado todas as manhãs. Já é um começo. Aproveite e no post scriptum ponha uma notinha sobre aquela viagem com que sonha há tanto tempo, o carro vermelho que viu no anúncio, aquele aspirador super potente ou manhãs de sábado numa cama de lençóis limpos. Sejam quais forem os seus desejos materiais, dos mais modestos ou mais ostentativos, deixe-os por escrito. Concentre-se também nos pedidos mais terrenos, como a descida do preço dos combustíveis, a redução no IMI e das taxas de juros, menos corrupção e justiça célere.

Mesmo que tenha aprendido que mais vale esforçar-se do que ficar à espera que lhe caia no sapatinho, não faz nenhum mal aquecer o coração com a magia do Natal, porque, acredite-se ou não, ela faz milagres.

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