Tendo nascido nos anos 80, a democracia é para mim algo de natural. Sempre pude defender aquilo em que acredito, com liberdade. Sim, evidentemente que, como todos aqueles que defendem qualquer coisa que valha a pena, já fui insultado, gozado e até ameaçado pelos meus ideais. Mas isso faz parte da democracia.
Mas nem sempre foi assim, nem mesmo em democracia. Houve um tempo em que ser do CDS incluía apedrejamentos em comícios, cercos a congressos, assalto a sedes, e risco de ser espancado a colar cartazes. No princípio da nossa democracia, para se ser do CDS era preciso coragem.
Mas a verdade é que, apesar de todas as ameaças e ataques, houve um grupo corajoso de mulheres e homens que não teve medo de defender aquilo em que acreditava. O CDS não cresceu com pragmatismo (palavra tão em voga no partido nos últimos tempos). Se fosse o pragmatismo, o CDS teria morrido no São Luís, quando a turba da extrema-esquerda tentou invadir o primeiro comício da Juventude Centrista e, não tendo conseguido, se dedicou depois a pilhar a sede do partido no Largo do Caldas.
Contra a lei da força daqueles que procuravam impor uma nova ditadura ao país, os fundadores do CDS responderam com a força do idealismo. Contra aqueles que procuravam estabelecer, pela força se preciso, o socialismo em Portugal, os primeiros militantes do CDS não tiveram medo de propor o primado absoluto da dignidade da pessoa humana e da sua liberdade (Freitas do Amaral, 25 de Janeiro de 1975).
E foi com este idealismo que se construiu um dos grandes partidos da democracia. A identidade do CDS residiu sempre na clareza com que defendeu os seus princípios. Nunca ninguém votou no CDS por ser “útil”, para isso havia outros partidos. Votar no CDS foi sempre escolher um partido sem medo de defender os seus princípios, mesmo quando estes não estavam na moda ou não agradavam à maioria bem-pensante.
E assim o CDS foi tendo altos e baixos. Mas a experiência governativa entre 2011-2015 mudou o partido. O CDS descobriu o poder e, sobretudo, viu na aparente fraqueza do PSD uma oportunidade. Durante uns tempos o CDS sonhou com o poder. E tentou transformar-se num partido para todos, com o tal pragmatismo que o haveria de levar ao sucesso.
E àqueles que procuravam alertar para a perda da identidade do partido era explicado que estavam ultrapassados, que os tempos tinham mudado, que era preciso “actualizar” o partido. O resultado está à vista. Entre 2011 e 2019 o CDS perdeu mais de 400 mil votos. E se 2019 foi mau, o que se seguiu foi pior. Dois anos de guerra civil que reduziram o CDS a uma quase inexistência.
O XXIXº Congresso do CDS, que se realiza este fim-de-semana em Guimarães, é uma prova de fogo. Existe uma clara tentação de simplesmente passar uma esponja pelos últimos dois anos, e voltar ao discurso do partido de quadros e dos “problemas concretos do país”, quase sempre reduzidos a umas fórmulas incompreensíveis. No fundo um regresso ao tal pragmatismo que nos fez perder 400 mil votos.
Mas não é o único caminho. O CDS tem a escolha de regressar àquele ímpeto inicial que o tornou grande. O CDS pode escolher e em vez de procurar as fórmulas que mais agradam aos focus group, defender os princípios sobre os quais foi fundado: a defesa da Dignidade Humana, pilar fundamental da Democracia; a defesa da Família como primeiro reduto da liberdade humana e último bastião contra a tirania do Estado; a defesa do Estado útil, guiado pelos princípios da subsidiariedade e da solidariedade; a defesa de uma economia livre e justa, ao serviço das pessoas e das famílias. O CDS pode escolher voltar à Democracia Cristã.
Dirão que nada disto dá votos, que as pessoas não se interessam por ideias, que só querem saber da sua vidinha. Dirão que é preciso pragmatismo. Já eu, olhando para os resultados do seu pragmatismo, direi que o mais realista é mesmo regressar ao idealismo que fez crescer o CDS.
E é isso que digo na moção Trazer a Democracia Cristã para o séc. XXI que irei apresentar no próximo fim-de-semana no XXIXº Congresso do CDS. Que não nos falte a coragem que animou o Iº Congresso do CDS no Palácio de Cristal.
Jurista