Sou militante do CDS e estou muito preocupado com o futuro do meu partido. O CDS está em queda continuada desde os célebres 21% de Assunção Cristas em Lisboa, em 2017. A recuperação que se esperava não veio e os momentos em que poderia ter acontecido, e que a seguir exponho brevemente, falharam. A única solução que resta para o partido não cair rapidamente na irrelevância política é uma mudança imediata.

1 A eleição de uma nova direcção era o mais natural depois dos maus resultados que o CDS teve nas eleições legislativas de 2019. Para quem apoiou a actual direcção (eu apoiei João Almeida, o candidato derrotado), seria com certeza um momento de esperança na recuperação do CDS.

Ganhou um presidente jovem, Francisco Rodrigues dos Santos (FRS), e de quem é jovem espera-se um novo dinamismo, um espírito rejuvenescido e ideias inovadoras, que tragam novidade e preparem o futuro. É esta a forma de afirmação dos jovens e era o que o partido precisava: de uma mudança agregadora para inverter a tendência de queda da sua representatividade na sociedade portuguesa, especialmente face à ameaça crescente de novos partidos.

É verdade que foi a vitória de uma coligação negativa. Dos 5 candidatos iniciais, 4 aliaram-se contra o suposto candidato do “portismo”, apoiando FRS. Quem esteve no congresso sabe que o resultado foi, em primeiro lugar, uma vitória dos que queriam um corte com o “portismo” (declaração de interesses: não sou, nem nunca foi “portista”). Mas este facto, por si só, obrigava a precauções adicionais para um líder que se desejasse impor e unir o partido.

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E os primeiros sinais do novo presidente deixaram alguma preocupação. O que se esperaria é que aproveitasse o discurso de vitória no congresso para unir o partido e iniciar a mudança. E qual a melhor forma para o fazer? Não seria com certeza tentando comprar os adversários derrotados com oferta de lugares (os que aceitaram vender-se-iam a qualquer um), mas sim fazendo um discurso para o exterior a atacar o principal adversário, o governo socialista, o que seria consensual entre todos os delegados. Infelizmente, FRS optou por discursar para dentro continuando a atacar os derrotados, demonstrando logo nessa altura incapacidade de liderança. Não percebeu que liderar significa dar o exemplo.

A seguir veio a pandemia (o congresso foi em Janeiro de 2020) e a direcção parou com o país. A altura seria apropriada para fazer um trabalho de fundo para construir uma alternativa, como o PSD fez, por exemplo. Seria tempo para detalhar o que é que o CDS faria de diferente na justiça, na saúde, na educação ou na economia, aproveitando o contacto diário do grupo parlamentar com estas questões. Espantosamente para um partido político, o contacto entre a direcção e o grupo parlamentar foi quase inexistente. Hoje, ouvimos acusações dos dois lados sobre a falta de entendimento, mas a verdade é que o primeiro responsável por unir o partido é o seu presidente. É isso que significa liderar.

2 As eleições nos Açores vieram em Outubro de 2020 e apenas parcialmente foram um bom resultado. Porquê? Porque o CDS, apesar de ser a terceira força política do arquipélago, perdeu 14% dos votos e desceu de 7,6% para 5,3% da votação, tendo elegido menos um deputado. Foi o partido que mais caiu apesar de toda a direita ter subido nas eleições. Em S. Miguel, a ilha principal do arquipélago, teve um resultado muito negativo, tendo perdido quase metade dos votos das eleições de 2016.

A aliança pós-eleitoral com o PSD resultou numa uma meia vitória, uma vez que o partido integra o governo da região. Mas o CDS continuou a decair e as sondagens nacionais acompanharam essa tendência de descida, mantendo o mesmo nível extraordinariamente baixo.

Este resultado não foi suficiente para alterar o rumo negativo do partido. As eleições presidenciais, em Janeiro, foram outra oportunidade perdida para que o CDS conseguisse romper com a decadência em que estava a cair. O partido apoiou Marcelo Rebelo de Sousa porque não tinha mais ninguém para indicar e a direcção não se esforçou minimamente para arranjar uma alternativa. A prova está em que vários membros da direcção concordaram com a decisão de apoiar Marcelo, mas disseram explicitamente que nunca votariam nele.

Este cenário de apatia e a ausência de um sinal de inversão da tendência negativa fizeram avolumar as críticas dos que não pertenciam à direcção. Em política as críticas a qualquer presidente são legitimas, como Assunção Cristas bem sabe do que ouviu de alguns dos que agora estão na direcção, mas mais legítimas se tornam quando o CDS não tem uma liderança efectiva e as sondagens colocam o partido em 7º lugar.

3 Quando chegaram as eleições autárquicas já havia pouca esperança de inversão da tendência de decadência. Foi claro que o número de alianças com o PSD (em mais de 60% das candidaturas apresentadas, que não incluíram todos os municípios) era uma forma de esconder a fragilidade de dois presidentes, FRS e Rui Rio.

Por isso houve um sentimento de ridículo quando FRS apresentou os resultados como uma grande vitória do CDS, tendo já depois disso repetido várias vezes na televisão que o partido aumentou o número de autarcas e destacado as vitórias em Lisboa e em outras capitais de distrito como se fossem obra sua.

Mas não só cada eleição autárquica tem um contexto específico, que dificulta muito uma leitura nacional, como os resultados não foram a vitória que a direcção apregoou. Os números não mentem. Para uma análise honesta dos resultados só se pode comparar o que é comparável. A tabela compara os votos nos municípios em que o CDS concorreu sozinho nas duas eleições, 2017 e 2021, e compara os resultados nos municípios em que concorreu em coligação com o PSD também nas duas eleições, ou seja, considera os municípios em que não houve alterações na composição das candidaturas que o CDS integrou.

O que a tabela mostra não deixa dúvidas. Houve uma perda muito preocupante de 19% dos votos nas câmaras em que o CDS concorreu sozinho em 2017 e em 2021, e estes valores incluem câmaras que o partido manteve e que a direcção apresentou como sendo parte da tal “grande vitória”. Resta pensar se essas câmaras não se manteriam no CDS com outra direcção.

FRS continua a afirmar publicamente que o CDS teve um aumento de autarcas eleitos, mas não apresenta números que o sustentem porque não os tem, se não já os teria apresentado. A estimativa de anteriores coordenadores autárquicos aponta para perdas que ultrapassam largamente a centena de autarcas (juntando executivos e assembleias municipais e de freguesia).

Nem a aliança com o PSD, que também tinha uma liderança fraca, serviu para estancar a perda de votos, uma vez que coligados os dois partidos tiveram uma redução de 18.400 votos. Estes resultados confirmam que a queda do CDS continuou nas autárquicas, apesar da ilusão do discurso da direcção.

Não devemos menosprezar as vitórias importantes que ocorreram nesse dia, como em Lisboa, por exemplo (Lisboa não é considerado na tabela porque o CDS concorreu sozinho em 2017 e em coligação com o PSD em 2021). Contudo, também não devemos ignorar que Lisboa foi, em primeiro lugar, uma vitória de Carlos Moedas. O CDS colaborou activamente nessa vitória, até pelo bom trabalho que realizou nos últimos 4 anos como principal partido da oposição à gestão da capital feita pela esquerda. Mas é difícil perceber como é que o resultado não seria o mesmo se FRS nem tivesse aparecido na campanha.

4 E chegamos ao momento actual e às eleições legislativas, que tudo aponta irem continuar a tendência de queda do partido se nada mudar. Nem vou detalhar aqui os tristes acontecimentos dos últimos dias, a antecipação da data do congresso, o funcionamento de um Conselho Nacional ilegal, o desrespeito pelo primado da lei interna quando a decisão do Conselho Nacional de Jurisdição foi ignorada, a anulação do congresso em que os militantes se podem pronunciar ou a saída de algumas figuras de maior destaque do CDS que, em alguns casos, não souberam ter o decoro que deviam e ainda ajudaram mais a afundá-lo.

O que se passa neste momento é muito grave porque o CDS não tem um líder capaz e tem uma direcção que não sabe o que vai fazer. Em dois anos, esta direcção não conseguiu apresentar qualquer ideia nem fez o trabalho de casa que se impunha para preparar o futuro do partido.

Como escrevi aqui em Fevereiro deste ano, o CDS precisava de se afirmar voltando-se para a sua base eleitoral que o abandonou, afirmando, sem vergonha, os valores fundacionais da democracia-cristã e do conservadorismo-liberal, e aplicando-os em propostas que respondessem às preocupações da sua base histórica de eleitores. O que aconteceu foi o contrário, como mostra a subida de outros partidos como o Chega e a IL. A direcção optou por “secar” tudo à sua volta como se fosse um eucaliptal, afastando quase todos os aliados que lhe permitiram ganhar o congresso, congratulando-se com a saída de militantes e mantendo apenas um núcleo de devotos a FRS.

Pior ainda, a actual direcção não definiu nenhuma estratégia autónoma que preparasse o CDS para qualquer eventualidade. FRS cometeu dois erros crassos: antecipou o congresso de Janeiro para tentar prejudicar o outro candidato e não contou com as eleições antecipadas; e apostou tudo na colagem a Rui Rio e ao PSD. O primeiro erro apenas o prejudica a ele e à sua direcção, mas o segundo é muito preocupante porque pode levar o partido à completa irrelevância política.

As declarações da porta-voz do partido são ilustrativas a este respeito quando refere que a direcção do CDS “aguarda a definição estratégica” dos sociais-democratas. Nem se deve ter percebido da gravidade desta declaração quando a fez. Se Rangel ganhar as eleições internas já disse claramente que não haveria aliança pré-eleitoral com o CDS, e mesmo no caso de Rio já vários dos seus apoiantes vieram dizer que não deveria haver aliança. O PSD só tem a ganhar com a irrelevância do CDS.

Por isso, a situação actual, como eu a vejo enquanto militante, é trágica. O CDS não vai acabar por agora, pois está nos governos da Madeira e dos Açores, e em várias câmaras. Mas, se nada for feito, está em risco de não eleger nenhum deputado nas eleições de 30 de Janeiro próximo. Desiludam-se os que acham que este cenário é demasiado pessimista. A tentativa de impedir a realização do congresso está a levar a que o ritmo de saída de militantes não abrande e se estenda a todo o país. E muitos dos militantes que continuam dizem abertamente que, sem congresso, não votarão no CDS nas próximas eleições.

Uma vez que a direcção já demonstrou que não tem qualquer solução que evite a sua decadência, a única saída para o CDS é um congresso onde se discuta o futuro do partido e onde se possa apresentar e discutir propostas para o país, sem deixar órfã uma parte significativa da população portuguesa que se revê no partido. É uma ocasião única para preparar o partido para as eleições legislativas. Neste momento, um grupo de militantes está a recolher assinaturas para que o congresso seja realizado. O responsável para que a sua realização se concretize é FRS: vamos ver se desta vez ele está à altura do desafio e coloca o país e o CDS à frente do seu interesse pessoal.