Não obstante ser subscritor do abaixo-assinado “Em defesa das liberdades de educação“, não sou, como aliás outros signatários, contra a disciplina Cidadania e Desenvolvimento. Como é sabido, esta declaração provocou uma salutar polémica sobre a liberdade de ensino, a objecção de consciência, o direito-dever dos pais à educação dos filhos, os direitos humanos, o regime constitucional da liberdade educativa, etc.

Neste sentido, foi curiosa a coincidência, na mesma página do Público do passado dia 10, de duas opiniões, ambas femininas, sobre esta questão. De um lado, Rita Lobo Xavier, professora catedrática na Faculdade de Direito da Universidade Católica, oferecia aos leitores o parecer rigoroso de uma excelente jurista; do outro, Isabel Moreira, deputada socialista, resolvia a questão em termos ideológicos, “colorindo-a” – para usar a expressão da Prof. Lobo Xavier – “com tons extremistas”.

Que se admita “uma” – artigo indeterminado – disciplina que verse sobre questões de cidadania não quer dizer, como é óbvio, que se esteja de acordo com “esta” Cidadania e Desenvolvimento ou, para ser mais preciso, com alguns conteúdos previstos no actual programa desta disciplina obrigatória. Expurgada a mesma desses temas ideológicos, que nada têm de científico – não são, portanto, matéria de ensino, mas de mera opinião – não há razão para contestar esta disciplina.

A Cidadania e Desenvolvimento não é, aliás, nenhuma novidade, porque já o ensino oficial do antigamente – talvez por iniciativa de Veiga Simão, o ministro da Educação “fascista” que depois virou socialista – havia uma disciplina que se chamava Organização Política e Administrativa da Nação (OPAN), que supostamente esclarecia os alunos sobre os princípios constitucionais e a organização administrativa do Estado, introduzindo-os, portanto, no conhecimento dos seus direitos e deveres como cidadãos. Já não a estudei, mas creio que a exposição era objectiva: mais do que a filosofia do Estado Novo, ou a sua subjacente ideologia, expunham-se as instituições políticas do país, bem como o seu sistema administrativo. Como informação genérica, talvez fosse de utilidade, sobretudo para quem, por seguir estudos de ordem técnico-científica, não tivesse melhor forma de conhecer aquelas realidades institucionais.

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De facto, pode ser útil uma área curricular que introduza os alunos no conhecimento dos seus deveres e direitos como cidadãos, que o serão de pleno direito aos 18 anos, precisamente quando, em geral, concluem a escolaridade obrigatória.

Seria, portanto, aceitável que uma nova disciplina de Cidadania e Desenvolvimento expusesse e explicasse a doutrina dos direitos humanos. É necessário que os jovens sejam esclarecidos a este propósito, até porque uma certa extrema-esquerda pretende impor, como direitos humanos, meras opções ideológicas, para assim as subtrair ao debate político e ao escrutínio democrático. Para esse efeito, deveriam também conhecer a sua origem cristã: não foi por acaso que a Revolução Francesa ocorreu na nação que é, segundo a fórmula sacramental, a filha primogénita da Igreja.

No âmbito de uma nova Cidadania e Desenvolvimento, seria também pertinente uma breve análise do fenómeno religioso e da sua relação com a ciência. É importante que os alunos compreendam que a ciência e a religião não só não se contradizem como se complementam: poucos jovens sabem, por exemplo, que as universidades foram criadas pela Igreja, ou que a “hipótese do átomo primordial”, também chamada teoria do Big Bang, deve-se ao Padre Georges Lemaitre, cientista, astrónomo e teólogo belga, colega e amigo de Albert Einstein. Também deveriam saber que, no âmbito de um Estado democrático, são salutares a separação de poderes e a cooperação do poder político-temporal com as instituições de ordem religiosa-espiritual.

Também seria útil que, no contexto de uma disciplina sobre Cidadania e Desenvolvimento mais inclusiva e menos fracturante, em vez de questões comezinhas, como a segurança rodoviária ou a reciclagem do lixo, se estudassem, do ponto de vista histórico-filosófico, os regimes políticos mais relevantes, com especial incidência para a democracia e para os sistemas totalitários, como o fascismo italiano, o nacional socialismo germânico e o comunismo soviético, chinês, cubano, norte-coreano, etc.

É preocupante constatar que, até em países que passaram pela horrível experiência do nazismo, há jovens que, talvez por falta de esclarecimento, são adeptos do nacional socialismo, não só nos seus aspectos mais folclóricos – bandeiras, uniformes, etc. – mas também ideológicos: a supremacia racial dos ditos ‘arianos’, o extermínio dos judeus, o eugenismo, a eutanásia, etc.

Não é menos escandalosa a ignorância, ou iliteracia política, dos jovens que, em pleno século XXI, se afirmam comunistas, esquecendo os pelo menos cem milhões de vítimas que se ficaram a dever a esta ideologia totalitária, que ainda hoje é responsável por inúmeras perseguições e cruéis violações dos mais elementares direitos humanos, nomeadamente na China, na Coreia do Norte, em Cuba, etc. É verdade que, nos países ex-comunistas do Leste e na Europa democrática, praticamente já não há comunistas, mas em Portugal, devido ao nosso atávico atraso cultural, ainda persistem partidos comunistas com assento parlamentar. É confrangedora a inconsciência destes jovens que, talvez por terem nascido numa família formatada pelo marxismo-leninismo, ainda têm uma ideia ingénua de Lenin, Stalin, Mao-Tse-Tung e outros facínoras da mesma espécie ideológica.

Ainda não há muito tempo, alguém me chamou a atenção para a contradição de um jovem empunhar uma bandeira arco-íris e usar uma t-shirt com a imagem de Che Guevara, que foi responsável pelo assassínio de inúmeros gays. Aliás, fazendo jus a esta tradição de intolerância comunista, em 2015, na Festa do Avante!, dois homossexuais, surpreendidos em flagrante, foram insultados, espancados e expulsos da festa do PCP. Assim sendo, ainda bem que não há outra festa (tão intolerante) como esta…

É por isto também que faz falta, sobretudo para os alunos radicalizados pelas opções políticas da extrema-esquerda ou da extrema-direita, uma educação cívica para a tolerância. Em caso algum deve ser permitido o racismo, seja de quem for ou contra quem for; a xenofobia; a violência doméstica ou a dita de género; a exclusão dos imigrantes; ou o bullying contra quaisquer opções de vida. Claro que a tolerância, em relação às pessoas e ao seu modo de vida, não tem por que significar indiferença, nem muito menos concordância, com os seus pontos de vista ou comportamentos, pois deve ser sempre salvaguardada a liberdade de pensamento e de expressão.

Não deixa de ser curioso que, pelos vistos, os que defendem a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento pretendem uma cadeira obrigatória de … moral! Com efeito, ensinar a respeitar as ideias dos outros, responsabilizar os alunos para a necessidade da participação cívica, esclarecer os estudantes sobre o direito-dever de votar, incutir neles o respeito por todos os seus semelhantes, quaisquer que sejam as suas raças, religiões, opções políticas ou comportamentais, etc., que é, afinal, senão moral e moral cristã?!

É certamente animador chegar a esta conclusão: não obstante as divergências assinaladas nesta polémica, há um alargado consenso sobre a necessidade de que o ensino transmita valores éticos consensuais, que ajudem os estudantes a ser, num futuro próximo, cidadãos livres e solidários, que contribuam positivamente para a consolidação de um Estado democrático de direito.