Ao longo do século XX, no Ocidente, a participação das mulheres no mercado laboral triplicou. Apesar deste progresso significativo, as mulheres continuam a ganhar menos, com uma diferença média de 13% em relação aos homens nos países membros da OCDE. Além disso, ocupam posições com baixa progressão de carreira e estão sub-representadas em cargos de chefia.1 Isto levanta duas interrogações fundamentais: 1) porque ocorreu esta mudança ao longo do século passado? E, talvez mais importante, 2) porque persistem as diferenças salariais atualmente?

Claudia Goldin dedicou toda a sua carreira a estudar estas questões, sendo premiada na semana passada com o Prémio Nobel da Economia por tal obra. Nas palavras da Real Academia Sueca, Claudia Goldin, professora na Universidade de Harvard, venceu este prémio por ter “…advanced our understanding of women’s labor market outcomes”. Especificamente, o trabalho de Goldin ilumina duas questões distintas, embora umbilicalmente relacionadas: a evolução da participação das mulheres no mercado laboral ao longo do tempo e a persistência atual do gender gap.

Para analisar a obra de Goldin e os seus esforços para entender a evolução das mulheres no mercado de trabalho, um ponto de partida adequado é o seu artigo seminal, “The Power of the Pill: Oral Contraceptives and Women’s Career and Marriage Decisions.”2. Neste artigo, ela demonstra como a introdução da pílula revolucionou a capacidade de escolha das mulheres. De facto, ao lhes conceder maior autonomia, a pílula permitiu que mais mulheres não só integrassem o mercado laboral, mas também prosseguissem estudos superiores. Além disso, permitiu-lhes adiar a decisão de ter o primeiro filho, dispondo assim de mais tempo para se concentrarem nas suas carreiras.

Uma outra descoberta significativa da sua investigação é que a participação feminina na força de trabalho não segue necessariamente a trajetória do crescimento económico, exibindo, em vez disso, um “padrão em forma de U” (“U shape pattern”). De facto, embora a Revolução Industrial tenha desencadeado uma expansão económica, paradoxalmente levou a uma diminuição no número de mulheres a trabalhar, com a passagem do trabalho agrícola para o trabalho industrial. No entanto, esta tendência inverteu-se à medida que as atividades terciárias passaram a ser dominantes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda que a evolução histórica tenha sido, inegavelmente, fantástica, contribuindo para uma sociedade mais igual, o gender gap ainda não é uma “coisa do passado”. Qual a razão para a sua persistência? O trabalho de Goldin também nos fornece dados fundamentais para compreender esta segunda questão.

Embora historicamente o gender gap possa ser explicado essencialmente pelos níveis de educação e ocupação profissional, Goldin mostra-nos que agora reside sobretudo dentro do mesmo trabalho (“within occupations”). No seu estudo de 20103, Goldin explora a evolução das disparidades de género ao longo da vida. Talvez surpreendentemente, esta análise revelou que no início da carreira existe pouca diferença entre homens e mulheres. No entanto, alguns anos após terminarem a universidade, a diferença começa a alargar à medida que se formam famílias, predominantemente após o nascimento do primeiro filho, devido não só à ausência prolongada do trabalho (durante a gestação e pós nascimento) mas também ao facto de, ao retornarem ao trabalho, a disponibilidade ser menor.

A questão da disponibilidade leva-nos a um aspeto menos abordado do trabalho de Goldin, mas com profundas implicações no debate sobre o gender gap: o conceito de “greedy jobs”. Estes trabalhos são caracterizados por serem bastante bem remunerados embora sujeitos a intensa pressão e responsabilidade. Mais importante, exigem uma disponibilidade quase permanente, e a remuneração aumenta desproporcionalmente com a disponibilidade do trabalhador. Como refere Goldin: “Is it weekend? Is it vacation? If I say jump, do you have to jump? If earnings go up disproportionately with that… couples are then enticed to give up their 50/50 desires4. Dado que no contexto de um casal, para que alguém esteja plenamente alocado a estes “greedy jobs”, outra pessoa tem de tomar responsabilidade pelas questões familiares, escolhas têm de ser feitas. Geralmente, Goldin argumenta, esta tarefa tem sido predominantemente realizada por mulheres, mais uma razão para a persistência do gender gap.

Mas não tem de ser necessariamente assim. O fato de as mulheres dedicarem mais tempo aos filhos e às tarefas domésticas é influenciado por normas culturais, que estão sujeitas à mudança e evolução. Atualmente, há, claramente, uma maior consciência sobre a necessidade de uma divisão mais justa das tarefas domésticas e familiares. Embora a sensibilização seja crucial para alterar normas sociais, é essencial que estas iniciativas sejam reforçadas por políticas públicas, como, por exemplo, a extensão da licença parental para os homens.

Para Goldin, independentemente do desenho da política pública implementada, o essencial é garantir maior flexibilidade laboral: quando e onde realizar o trabalho. Este ponto é bastante relevante, sobretudo com a explosão do trabalho remoto que a pandemia desencadeou, que levará, em teoria, a uma maior flexibilidade. Assim, será interessante observar como o gender gap evoluirá agora que o trabalho remoto parece ter vindo para ficar.

Com o aumento da flexibilidade laboral e com uma maior sensibilização para a disparidade de género, espera-se que o gender gap continue a diminuir. Mas não devemos ter isso por adquirido e é nossa responsabilidade garantir essa tendência, através de uma discussão cuidadosa e racional.

O reconhecimento que Goldin recebeu na semana passada ilustra a preocupação e os desafios contínuos neste tema. Além disso, reforça a importância de uma análise metódica e baseada em dados, longe da politização que este tema sempre invoca. Só identificando as causas fundamentais destas disparidades, poderemos encontrar soluções eficazes.

1 advanced-economicsciencesprize2023.pdf (nobelprize.org)
2 Goldin_PowerPill.pdf (harvard.edu)
3 Dynamics of the Gender Gap for Young Professionals in the Financial and Corporate Sectors – American Economic Association (aeaweb.org)
4 Claudia Goldin: ‘Greedy work has been made less y’ (ft.com)