Hoje não vou falar-vos do próximo evento de empreendedorismo, da Web Summit, de outra empresa internacional a abrir escritório em Lisboa ou do mais recente espaço de incubação.

Quero falar-vos das ideias ambiciosas que nascem nas mesas dos cafés portugueses, talvez acompanhadas de galões e pastéis de nata. E quero falar das ideias que poderiam nascer nestes ambientes frisando a nossa capacidade de pôr em prática e executar essas ideias.

O empreendedorismo tecnológico deu origem a um conjunto de empresas que fazem (quase) tudo a partir da internet e que, desta forma, criam negócios globais. Exemplos não faltam: a Uber ou a AirBnb, a nível internacional mas as portuguesas Farfetch, Talkdesk, Uniplaces, Feedzai ou Unbabel não deixam o nosso país nada mal representado neste aspecto. De repente, países pequenos como Portugal podem voltar a afirmar-se a nível global, gerando riqueza através de soluções tecnológicas com clientes maioritariamente internacionais.

Gostamos de comparar esta nova era do país ao período dos Descobrimentos, quando a nossa bravura e capacidade de arriscar nos ajudaram a construir impérios. Ora, no caso actual estamos muito longe.

Quando os portugueses descobriram o Brasil, deram aos nativos da região espelhos, pentes e outros objectos em troca do seu trabalho na exploração dos valiosos recursos do novo mundo, como o pau-Brasil e o ouro. Seduziram as populações locais com objectos deslumbrantes. Hoje usamos essas descobertas como metáfora do espírito empreendedor e aventureiro e, ao mesmo tempo, acenamos a colonizadores que se estão cada vez mais a fixar em Portugal sob as mesmas condições: fazendo-se valer do nosso próprio deslumbramento em relação ao empreendedorismo e aproveitando-se do nosso trabalho.

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A mensagem que tanto nos temos esforçado por passar lá fora, de que Portugal é o sítio para se estabelecer uma empresa, tem passado. Semana após semana multiplicam-se os e-mails, contactos de recrutadores e pedidos de ajuda da próxima empresa internacional que se quer estabelecer em Lisboa e recrutar “mão-de-obra qualificada”. Esta é sem dúvida uma forma fácil de fazer parte deste movimento global, abrindo as portas à “colonização”.

De certa forma, achamos que é assim que se constrói a próxima “Silicon Valley”. O que distingue os grandes ecossistemas empreendedores não é o facto de empresas globais terem lá escritório, mas sim o facto de terem começado lá. E este é dos pontos mais importantes da vida de uma startup – quando um grupo de amigos, de conhecidos, ou de colegas de trabalho se juntam à volta de uma mesa e nasce uma ideia com potencial.

Construir espaços de escritório para empresas tecnológicas não replica Silicon Valley, porque há várias aspetos cruciais na vida de uma startup antes deste tipo de infraestrutura ser necessária. São precisos mais exemplos locais, é preciso atrair talento internacional a todos os níveis e é preciso promover estes encontros informais nos corredores das universidades. E temos ainda muito trabalho a fazer nestas áreas.

Com os olhos postos no nosso próprio umbigo e este deslumbramento excessivo, corremos o risco de perder a noção da realidade. Passámos a acreditar que jogamos na primeira liga do campeonato do empreendedorismo e acreditamos que fazemos as notícias que lemos no TechCrunch. Felizmente fazemos algumas, mas ainda poucas. Precisamos de muito mais.

Somos desenrascados e criativos de tal forma que criamos unicórnios em Portugal que apenas o são no papel (refiro-me, naturalmente, à história da Yupido que tantos artigos gerou na semana passada). Para criar uma empresa de sucesso não basta ter a visão de que a tecnologia que inventámos pode mudar o mundo. É preciso executar essa mesma visão. E não podemos menosprezar a dificuldade de escalarmos negócios globalmente tornando-os grandes empresas.

Todos queremos ter um negócio de sucesso, muito poucos estão dispostos a realmente construi-lo.

Continuamos a não ser competitivos o suficiente. E a competitividade constrói-se com mais e melhores empresas, ideias e empreendedores. E não há outra forma senão sermos nós os colonizadores de talento, de ideias, e da execução brilhante que caracteriza o talento português.

Cristina Fonseca tem 29 anos, é empreendedora tecnológica e co-fundadora da startup Talkdesk, uma plataforma que permite a empresas criarem o seu call center na cloud. Engenheira de formação, foi no ano passado reconhecida pela Forbes como “30 under 30”. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub em 2013 e é presença assídua em eventos do Fórum Económico Mundial, tendo já participado nos eventos de Davos (Suíça) e de Dalian (China).

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre o ecossistema empreendedor. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.