Quando alguém refere que o 25 de Novembro de 1975 nada diz aos Portugueses, das duas uma: ou é muito jovem ou não é democrata, defensor da democracia representativa e das liberdades individuais.
Os idosos como eu podem mesmo recuar a 1961, lembrando-se do início das guerras coloniais e recordando a atitude norte-americana de fornecer armas àqueles que viriam a matar os primeiros portugueses no norte de Angola. Posteriormente os abastecimentos de armamento passaram a ser da responsabilidade da União Soviética, que por sinal tinha diversas colónias desde o fim da II Grande Guerra, mas que então interessava-lhe ocupar uma posição no Atlântico por razões estratégicas (objetivo que me foi comunicado pessoalmente em Angola pelo respetivo Comandante Chefe da Região Militar, então General Costa Gomes, católico fervoroso, licenciado em Ciências Matemáticas com distinção e que, já em Abril de 1961, escreveu num jornal «que a questão colonial era um complexo de problemas do qual o militar é uma das partes»).
A propósito do que antecede, recorde-se que mais tarde, o Marechal Gomes da Costa veio a declarar que foi o único general que ganhou a guerra, o que de facto conseguiu porque prioritariamente não atuou contra os guerrilheiros, mas a favor das populações, que, conforme tive oportunidade de observar, sentiam-se protegidas pelas nossas tropas e representavam uma proporção importante do exército português; a este propósito recordo que a segurança da residência do Brigadeiro Comandante Militar de uma província do centro-norte de Angola (zona classificada como operacional), bem como a messe dos oficiais e o próprio quartel, estava a cargo de soldados africanos.
Entretanto, o Presidente do Conselho do Estado Novo, Dr. Salazar, estava do lado errado da História (o mesmo, aliás, aconteceu com Moscovo, como se viu após a queda do Muro de Berlim, em 1989), pois Salazar não aceitou que a solução para a guerra colonial era política e não militar.
O seu sucessor, Prof. Marcelo Caetano, continuou sem encontrar uma solução política e também não deu ouvidos às reivindicações corporativas, consideradas razoáveis, então apresentadas pelos capitães do quadro permanente, formados pela Academia Militar, o que levou estes a desferirem um golpe de estado, derrubando assim o Governo em 25 de Abril de 1974, que em breve se transformou na Revolução dos Cravos, assim denominada porque o povo começou a dar cravos aos soldados, que os colocavam na ponta das suas espingardas.
Cedo os Capitães de Abril anunciaram o seu propósito de derrubarem o Estado Novo e procederem à descolonização e à instituição de uma democracia.
Porém e antes que se realizassem quaisquer eleições, nomeadamente as Constituintes, em 25 de Abril de 1975, diversas forças políticas da extrema-esquerda – embora minoritárias na sociedade portuguesa, conforme futuras eleições vieram a demonstrar – a que se juntaram inúmeros oportunistas, conseguiram ocupar posições relevantes em diversos setores da sociedade (Forças Armadas, televisão, rádios e jornais, Administração Pública, grandes empresas, bancos, etc.).
Entretanto procederam a inúmeros saneamentos políticos, numerosas prisões arbitrárias e ocupação de um elevado número de propriedades agrícolas e diversas instalações, obrigando assim muitas famílias a emigrar, designadamente para o Brasil e para Espanha.
Perante não só este clima de efervescência política que se vivia em Portugal, mas também em consequência das pressões internacionais no sentido de ser concedida a independência às colónias, não foi possível efetuar negociações políticas adequadas, o que teve consequências humanas horríveis, devido ao facto de, tanto em Angola como em Moçambique, prontamente se ter dado início a longas guerras civis entre partidos com ideologias diferentes, servindo os interesses de países externos no âmbito da chamada guerra fria.
Já vi muitos filmes sobre as guerras coloniais, mas não conheço um estudo sério que ilustre as consequências da nossa saída de África nas difíceis circunstâncias supracitadas, nomeadamente no que respeita ao número de mortos, que todavia, segundo algumas estimativas, ultrapassam 1,5 milhões, no que concerne às populações deslocadas e à destruição de edifícios e equipamentos resultantes das guerras civis supramencionadas.
Ao que precede, importa acrescentar que, entretanto, empresários, quadros e técnicos portugueses regressaram a Portugal, o que, juntamente com o atrás descrito, deixou Angola e Moçambique numa situação humana de que só muito lentamente tem conhecido algum progresso, observando-se ainda hoje que a maioria da população vive com dificuldades de acesso às necessidades básicas.
No dia 15 de Março de 1975, antes ainda de ocorrerem quaisquer eleições democráticas, em Assembleia Geral do Movimento das Forças Armadas foi decidido “decapitar” a classe empresarial de maior relevo na economia do País, procedendo à nacionalização de importantes setores da atividade económica (banca, seguros, siderurgia, cimentos, construção naval, adubos, etc.); cabe notar que muitos foram os pequenos acionistas que tinham como reforma os proveitos provenientes das poupanças investidas na compra de ações das empresas nacionalizadas de forma revolucionária. Mais tarde, o Dr. Mário Soares (desde sempre oposicionista ao Estado Novo e notável estadista), após ter ganho as primeiras eleições legislativas, realizadas em 25 de Abril de 1976, veio a convidar alguns empresários para regressarem a Portugal, pois considerou inevitável a abertura de sectores económicos à iniciativa privada.
Depois do mencionado fatídico dia 15 de Março, o País viveu momentos de enorme tensão política, receando-se que os comunistas viessem a usurpar o poder. Perante esta ameaça, inúmeros democratas, com relevo para o Dr. Mário Soares, que com enorme coragem organizou manifestações grandiosas, com relevo para o comício da Fonte Luminosa, aglutinando os verdadeiros democratas, nomeadamente apoiantes do PS, e também do PSD e do CDS, fazendo assim frente à onda comunista.
É interessante recordar que, perante a possibilidade de os comunistas tomarem o poder, o poderoso chefe da diplomacia norte-americana, Henry Kissinger, defendeu a teoria da «vacina»: se Portugal caísse nas mãos dos comunistas, o sofrimento que os portugueses iriam ter, designadamente no que toca à liberdade e ao bem-estar, evitaria que o comunismo se instalasse na Grécia e talvez também na Itália (atualmente os Portugueses gozam de liberdade e, mesmo sem disporem de riquezas naturais, têm um PIB per capita mais elevado do que o de qualquer país comunista). Mas, por fim, os governantes da Alemanha, Reino Unido, França e EUA preferiram aliar-se aos moderados, concedendo especial apoio ao Dr. Mário Soares, líder do PS. Mais tarde Kissinger admitiu o erro e elogiou Mário Soares, que até nas ruas venceu os comunistas.
Entretanto, em 6 de Agosto de 1975 constituiu-se um grupo de oficiais moderados das Forças Armadas liderados pelo Major Melo Antunes, que viria a ter uma influência determinante no regresso à normalidade.
Todavia, a insurreição apoiada pelos não democratas foi aumentando de intensidade, admitindo-se que a guerra civil estivesse por um fio, pois chegou-se ao ponto de, em 12 para 13 de Novembro de 1975, 100 mil manifestantes, manipulados pelos comunistas, estabelecerem um cerco à Assembleia Constituinte (1975-76), bem como à residência oficial do Chefe do Governo. O Dr. Mário Soares conseguiu escapar da Assembleia e lançou um alerta nacional e internacional. Em Rio Maior, na mesma data, militantes do então PPD (hoje PSD) mobilizaram os agricultores para cortar a Estrada Nacional nº 1, que estabelece a ligação entre Lisboa e o Norte; Rio Maior tornou-se na fronteira simbólica de um País dividido em dois: o Norte democrático e o Sul revolucionário.
Posteriormente, em 25 de Novembro de 1975, perante uma tentativa de golpe por parte de uma fação mais radical das Forças Armadas, o Grupo dos Nove, com o apoio dos militares do Regimento de Comandos coordenados pelo General Ramalho Eanes, conseguiu restabelecer a ordem democrática, que se viria a manter em Portugal até hoje. Podemos dizer que o 25 de Novembro de 75 pôs fim à tentativa de conquista do poder por parte de forças de raiz marxista e trouxe a liberdade e a prosperidade prometidas aquando da Revolução dos Cravos em Abril de 74.
Ademais rompeu com o isolamento que caraterizou o Estado Novo e mais tarde, em 1986, possibilitou o ingresso de Portugal na Comissão Económica Europeia (CEE), correspondente à atual União Europeia (UE), o que garantiu o amadurecimento da democracia e contribuiu para o desenvolvimento da economia nacional. Como afirmou o Dr. Vítor Constâncio em 2017, o Dr. Mário Soares «Foi o maior político português do século XX. O mais influente nos destinos estruturantes da nossa modernidade. Democracia e participação no projeto europeu foram as ideias mestras pelas quais se bateu toda uma vida».