O Dia Europeu das Fundações e Doadores, que se comemorou a 1 de outubro, foi instituído em 2013 pelo DAFNE – Donors and Foundations Network in Europe – com o fim de promover as fundações e dar a conhecer o trabalho que desenvolvem junto das suas comunidades. Esta é uma data para olhar de modo mais atento para o sector fundacional, mas também de olhar por ele.
É um dia que devemos consagrar ao reconhecimento dos homens e mulheres que instituíram fundações, fazendo perdurar no tempo a sua generosidade. David Elton Trueblood, filósofo e teólogo do século XX, disse que “uma sociedade cresce quando os homens plantam árvores sob cuja sombra sabem que jamais se sentarão.”
São estes os verdadeiros Fundadores a quem devemos o nosso reconhecimento. Os visionários, empreendedores, inovadores, mecenas, filantropos, que nos deixaram numa fundação o seu legado para servir o bem comum.
Impulsionadores de ação, lançam a semente e garantem-lhe a terra que acolhe, a água que alimenta, para que a árvore cresça, forte e saudável, para que a sua sombra seja palco de uma multiplicidade de experiências que fazem prosperar as sociedades e, com elas ou por elas, as pessoas.
Criar uma Fundação é assumir a responsabilidade. É ter coragem para ousar desbravar caminhos. É persistir em objetivos claros, resistir, prosseguir uma missão. Lutar pelo bem comum. Fazer história.
Mas, como nos lembra Alberto Manguel, “a História não pode dispensar ninguém do seu desenrolar; na verdade, trata-se do inverso: o reconhecimento de toda a gente é necessário para a própria existência da História”. Por isso, não dispensamos ninguém na História da Filantropia. Os visionários que criaram as Fundações, mas também aqueles que acreditam na sua missão e quotidianamente a constroem e preservam, projetando a sua ação.
Se os fundadores nos proporcionaram a “sombra” de que usufruímos, muitos são os que a alargam e protegem. E fazem-no através de inúmeros, indispensáveis e insubstituíveis contributos em diferentes campos: da gestão à prestação de cuidados, da investigação de ponta à advocacia de causas, em tarefas altamente especializadas ou técnicas, administrativas ou operacionais, com profissionalismo, garantindo ética, boas práticas e serviço à comunidade.
Na esteira dos seus instituidores, as fundações fazem coisas radicalmente novas no campo da educação, da ciência, da arte e da cultura, da construção da polis como espaço vital, de crescimento individual e coletivo, articulando a complexidade do mundo em gestos poderosos de transformação e expansão da nossa Casa Comum, ecológica, social, política e humana.
As fundações usam a sua independência e agilidade em intervenções estratégicas para o bem comum e levam muito para além das estatísticas os que beneficiam do impacto gerado no combate às desigualdades, na promoção do conhecimento e da inovação, vencendo barreiras entre as pessoas, ligando-as entre si e com as suas capacidades, dando-lhes voz e oportunidades. Muitas vezes as fundações enfrentam desafios contra a corrente da maioria, da moda ou da facilidade.
No dia 1 de outubro em que, por toda a Europa, as Fundações abrem as suas portas, celebramos também a nossa pertença europeia.
Esta pertença permite-nos pensar em conjunto os problemas comuns que germinam, sem fronteiras, entre a incerteza, olhar mais além e olhar também para nós próprios.
Olhando para fora, para a sociedade e para as instituições políticas e o que delas esperamos, esta pertença compromete-nos a repensar a Europa que queremos, o seu lugar no mundo, os valores que representa, numa renovada inscrição da Paz, da Democracia e do Pluralismo que levaram à fundação da União Europeia.
2019 foi ano de eleições europeias e é ano de eleições legislativas. Esta circunstância constitui, por si só, uma excelente ocasião para convocar ao diálogo as forças políticas e os políticos que nos representam – que representam o Povo – no Parlamento Europeu e na Assembleia da República – e os que assumirão a responsabilidade de governar a bem de todos.
É por isso que o Manifesto Europeu da Filantropia afirma que “o reconhecimento pelos políticos e pelos Governos é crucial. Especialmente agora, quando a cidadania, a participação e o cuidar dos outros são mais importantes do que nunca à luz dos sérios desafios aos ideais democráticos em algumas partes da Europa. A filantropia, ao lado da restante sociedade civil, desempenha um papel fundamental na defesa dos valores consagrados no artigo 2.º do tratado da União Europeia, que inclui o respeito pela dignidade humana, pelos direitos humanos e pelo Estado de Direito”.
Este é um sector que é tão diverso como a própria sociedade europeia, sector em que existem cerca de 147 000 fundações e que disponibiliza hoje, no seu conjunto, cerca de 60 mil milhões de euros por ano para diversas atividades e projetos que complementam o trabalho feito em benefício do Estado Social.
Temos de renunciar a uma sociedade que seja apenas um esboço do que desejamos, ainda que o ideal pareça utopia. Essa renúncia exige mudança, com os inerentes riscos e ruturas. E também exige um trabalho continuado e perseverante, reformador, construtor de equilíbrios. É urgente estabelecer redes de confiança e de cooperação, espaços de conhecimento partilhado e de construção. Cada Fundação tem uma identidade própria, um projeto e uma vocação; o estado atual da sociedade convoca todas como organismos vivos e vibrantes.
Tal não impede, contudo, que pensemos em conjunto, que tentemos dirimir os obstáculos e buscar soluções que se constituam como desígnio comum, em áreas como a sustentabilidade, a educação, a democracia. Temos de repensar a democracia. Vivemos num tempo e a uma velocidade que não nos permitem vacilar quando projetamos o futuro. O nosso futuro, o futuro europeu, o futuro do mundo. A globalização não pode significar apenas oportunidade, tem de incutir responsabilidade.
Voltando a olhar para dentro, para o sector das fundações, a mesma pertença europeia ajuda-nos a compreender melhor o ambiente regulatório em que nos movimentamos, os obstáculos e dificuldades que temos de enfrentar, a advocacia e os diálogos que temos que desenvolver com os poderes públicos para alcançar o reconhecimento e a criação de melhores condições para realizar plenamente o potencial da filantropia para o bem comum.
O Centro Português de Fundações representa o sector junto dos órgãos de governo e de outras instituições, mas alarga o seu campo de ação enquanto membro do DAFNE, estabelecendo relações estreitas com as suas congéneres e atuando no espaço europeu. Nesta relação, a plataforma europeia de associações de fundações atua como agregador de vontades e facilitador de criação de redes de partilha, porque o sector fundacional é mais forte se unido, mais poderoso na ação concertada e, assim, mais consequente na capacidade transformadora que encerra.
Neste quadro, também o DAFNE, que reúne associações de fundações de 30 países, o Centro Europeu de Fundações – plataforma de fundações privadas europeias que visa o reforço da filantropia institucional – e o próprio Centro Português de Fundações, que representa cerca de 150 fundações portuguesas, têm um papel a desempenhar e uma oportunidade para fazer ouvir a sua voz em defesa do sector fundacional. Um sector que é tão diverso como a própria sociedade europeia, em que existem cerca de 147 000 fundações e que disponibiliza hoje, no seu conjunto, cerca de 60 mil milhões de euros por ano para diversas atividades e projetos que complementam o trabalho feito em benefício do Estado Social e que, por essa razão, beneficiam de um reconhecimento fiscal em muitos dos Estados europeus.
Mas é forçoso reconhecer – e aqui fazemos eco das posições partilhadas por muitos países no seio do DAFNE – que o panorama atual regista alguns sinais de preocupação, em Portugal e na Europa, com mudanças na paisagem política que encorajam sentimentos antifilantrópicos e contra as Fundações por razões de base meramente ideológica. Existem também constrangimentos objetivos no quadro regulatório legal e fiscal por falta de clareza conceptual e de linguagem, ausência de discernimento quanto à verdadeira natureza, legitimidade e sentido social das fundações.
Há também uma injusta e injustificada discriminação relativamente a outros sectores da chamada Economia Social e, por fim, um certo excesso de zelo fiscalizador por parte das autoridades públicas. Tudo isto torna mais difícil o dia-a-dia das fundações. Mas em nada esmorece a sua vontade e sentido de missão.
Pelo nosso lado, enquanto associação representativa das fundações portuguesas e membro desta comunidade europeia da filantropia, declaramo-nos o primeiro e principal interessado na salvaguarda da credibilidade e na proteção da reputação de todo o sector, ator empenhado e sem hesitações na construção de um clima de confiança e transparência na relação com os poderes públicos e com a sociedade, aceitando o seu escrutínio saudável como um estímulo e uma garantia de legitimidade reforçada.
Assumimos a liberdade e a independência do sector com o mesmo vigor com que entendemos que a prestação de contas é o caminho mais assertivo para evidenciar que a gestão ética e as boas práticas marcam a identidade do sector. Recusamos que se tome a floresta pela árvore.