There is no decent place to stand in a massacre (Leonard Cohen)
A frase de Cohen instiga-nos a refletir: chegados a uma situação-limite, em que nos restam somente opções negativas, o que fazer? Antes de decidir, devemos colocar-nos a questão fundamental: como é que chegámos aqui?
O Governo de António Costa, que tomou posse a 30 de março, conseguiu, em 9 meses (o período de gestação de uma criança), provar-se incompetente, irresponsável, moralmente corrupto e, em simultâneo, demonstrar uma incapacidade para, com a faca e o queijo na mão, operar as reformas necessárias à desestagnação de Portugal. Julgo que encontrar um português que, atentando ao último ano, reconheça competência e capacidade reformista ao executivo não será mais fácil do que encontrar uma agulha num palheiro.
Não fosse isto bastante, encontra-se o país na cauda da Europa em PIB per capita, divergindo da média da EU, e mergulhado numa crise dos serviços públicos, desde os transportes à saúde e educação. Pensar-se-ia que o primeiro-ministro, sem necessidade de agradar ao eleitorado (descarta ser PR e é improvável que queira governar mais de 10 anos), com uma maioria confortável de 120 deputados e os (milhares de) milhões da Europa, teria todas as condições para empreender verdadeiras reformas aos vários níveis e lançar as bases do Portugal das gerações futuras. Todavia, Costa, com a sua maioria absoluta, parece assemelhar-se a Fernando Santos: ambos jogam apenas para o empate, para manter as coisas tal qual estão, embora tenham todas as condições para fazer melhor.
Por outro lado, a alternativa à manutenção do Governo não é, de nenhum modo, brilhante. A dissolução da Assembleia da República pelo PR, que espoletaria novas eleições legislativas, conduziria o país a um novo período de acusações, insultos e discussões, no qual se pensaria em tudo, menos em como tirar o país da estagnação.
Para além disso, não é certo que o resultado de novo processo legislativo nos tirasse do buraco fundo cavado por António Costa e companhia. Ciente da capacidade política e retórica do primeiro-ministro, Marcelo Rebelo de Sousa compreende que, havendo novas eleições, dificilmente o PS perderia: isto é, que uma vitória do PSD de Montenegro não passaria de uma miragem. É, enfim, uma avaliação acertada e que descreve o status quo em Portugal: Governo desastroso, oposição incapaz.
Posto isto, a questão central emerge: como é que chegámos a este ponto?
Uma resposta satisfatória a tal interrogação requer uma investigação cuja dimensão e complexidade não se encontram ao meu alcance. Não obstante, formulo um raciocínio que pode, de certa forma, ajudar a explicar as causas da situação atual.
A grande vantagem da democracia reside no facto de ser o único regime no qual é possível responsabilizar, ainda que indiretamente, os povos pela situação política dos países. Dir-me-ão que a afirmação é irrefletida ou simplista, mas replico: se o povo não é responsável por aqueles que elege, são os eleitos responsáveis diante do povo?
A responsabilidade política exerce-se, ainda que em moldes diferentes, nos dois sentidos. Não quer isto dizer que a responsabilidade do povo implique uma sanção: significa tão somente que, ao queixarmo-nos do estado de coisas, nos devemos lembrar de que, em democracia, somos parte ativa da realidade política e que, ainda que em ínfima parte, cada cidadão é responsável pela governação do seu país.
O mundo e, sobretudo, o mundo político, é demasiado complexo para que esta responsabilidade possa ser vista como direta. É óbvio que nenhum votante no Partido Socialista é diretamente responsável pela bizarra e incessante sequência de demissões neste Governo. Todavia, não responsabilizar quem, após todos estes escândalos, atropelos à verdade, encobrimentos e taticismos, voltaria a votar nos mesmos é desacreditar a democracia enquanto sistema de representação da vontade popular.
Quando votamos, votamos livre e conscientemente em quem cremos que (melhor) nos representa, o qual fica, de certo modo, restringido a atuar representando-nos: nisso consiste o seu mandato. Se é compreensível que, numa primeira vez, o eleitor seja iludido e vote num conjunto de políticos corruptos ou incompetentes, à segunda (ou pior, à terceira!) é difícil encontrar justificação para a mesma decisão.
Significa isto que o regime democrático é indesejável? De todo. A democracia é o pior regime de todos, tirando todos os outros, como sagazmente caracterizou Churchill. Apesar de tudo, temos esperança de que, no futuro, o voto da maioria possa recair sobre outros, mais competentes, mais idóneos e mais corajosos. Até lá, resta-nos o navio destroçado e à deriva do doutor António Costa, o qual, se nos deixar no mesmo sítio, já podemos considerar ter feito uma boa viagem.
Aprendamos a não dar o nosso voto àqueles que, comprovadamente, não o merecem. Em suma, reconheçamos o porquê de termos chegado aqui.