O sistema bancário pode ser descrito como o coração da economia, responsável por uma parte significativa dos fluxos financeiros que irrigam a atividade empresarial e pela salvaguarda das poupanças das famílias, sem as quais o seu futuro poderá ficar hipotecado.
Por essa razão, e por ser uma enorme fonte de poder, é extremamente importante garantir o seu bom funcionamento e evitar a repetição do caos experienciado na CGD, BES/Novo Banco, BPN, Banif e BPP.
As contas não são fáceis de fazer, mas o total de apoios públicos, entre empréstimos e transferências de capital, para cobrir os prejuízos destes 5 bancos desde 2008 já ultrapassou largamente os 20 mil milhões de euros, ou seja, superou a soma do orçamento anual da saúde e educação em Portugal, cerca de 17 mil milhões de euros, correspondente a 8% do PIB em 2019.
Para termos outras duas ordens de grandeza, o apoio público aos bancos ultrapassou o total de subvenções que Portugal irá receber no âmbito do Plano de Recuperação Europeu, cifrado em 15,3 mil milhões de euros, e o valor total de exportações de viagens e turismo, que atingiu os 18,4 mil milhões de euros em 2019.
Ultimamente, os partidos políticos têm falado abundantemente da auditoria e das transferências para o Novo Banco, alimentando um circo político sem serem capazes de aprovar medidas realmente úteis para melhorar o sistema.
Até posso compreender uma ou outra crítica relacionada com a auditoria realizada recentemente ao Novo Banco, mas julgo que seria mais útil se os partidos políticos com representação parlamentar se focassem na resolução dos problemas estruturais do sistema bancário em vez de usarem este tema para ganhos políticos de curto prazo.
Contrariando essa postura, sugiro aqui algumas medidas que poderão contribuir para uma maior estabilidade, credibilidade e independência do sistema bancário, umas já praticadas noutros países, outras contempladas em propostas de lei ou em relatórios de comissões parlamentares de inquérito, e outras eventualmente novas, todas aqui apresentadas para estudo e consideração da sociedade civil:
- Continuar com a boa política de reforço da regulação / supervisão levada a cabo desde a crise do Lehman Brothers, com a exigência de níveis mais resilientes de capital e liquidez, bem como fortalecimento das melhores práticas de gestão de risco.
- Evitar que um banco possa conceder empréstimos ou efetuar transações com partes relacionadas com os seus acionistas ou com os seus membros do conselho de administração, para evitar esse conflito de interesses.
- Separar a banca de investimento da banca comercial, para evitar que um banco comercial se exponha aos riscos inerentes à atividade de investimento.
- Evitar que a mesma empresa ou grupo preste serviços de auditoria e consultoria ao mesmo banco.
- Criar mecanismos para que as auditorias aos bancos sejam selecionadas e pagas pelo supervisor/regulador, que cobrará uma taxa ao sistema bancário para as financiar, de forma a garantir a sua verdadeira independência.
- Restringir ainda mais a concessão de empréstimos avultados a um grupo detido pelo mesmo beneficiário efetivo, estabelecendo um valor limite proporcional à dimensão de cada banco. Essa análise deverá ter em consideração o potencial impacto desses empréstimos na estabilidade da instituição e do setor financeiro. Outra opção será criar uma comissão independente com direito de veto sobre a concessão de empréstimos ou transações superiores a um determinado valor.
- Dar ao supervisor o direito de nomear um “observador” dos conselhos de administração, dos conselhos de crédito e das comissões executivas dos maiores Bancos, para avaliar de perto a gestão e aumentar a sua capacidade de supervisão e prevenção.
- Proibir que os bancos tenham operações relevantes, nomeadamente sucursais ou subsidiárias, em geografias onde a transmissão de dados entre supervisores não funciona, por exemplo Angola, Panamá e Dubai, ou em alternativa reforçar a comunicação e a transparência com esses países. Neste capítulo, a nível internacional, é crucial acabar com as offshores.
- Publicar as conclusões das principais inspeções dos supervisores para reforçar a transparência e diminuir a assimetria de informação.
- Evitar portas giratórias entre políticos, gestores de bancos, supervisores / reguladores, auditores e principais clientes dos bancos, implementando um robusto período de nojo.
- Na linha do que foi proposto no relatório da comissão parlamentar do caso BES, 1) “reforçar as penalizações, nomeadamente a nível criminal, para quem viole determinações legais, com especial incidência para os administradores, comissões de auditoria e fiscalização e auditores externos de instituições bancárias”, 2) “garantir que é efetuada uma identificação e divulgação de todos os beneficiários últimos de entidades detentoras de participações em entidades bancárias”, 3) “reforçar a eficácia da coordenação entre supervisores financeiros”, 4) criar “restrições quanto à venda de produtos financeiros com elevado risco nos balcões dos bancos destinados a clientes de retalho”.
Nem todas estas medidas serão consensuais e cada uma delas carecerá de um estudo prévio para ser implementada com sucesso.
Dito isto, não tenho dúvidas, que estas medidas teriam evitado muita coisa. Pegando no exemplo do BES, teriam evitado que o banco fosse gerido de forma autocrática por uma parte especifica dos seus acionistas e concedesse empréstimos a empresas detidas por essa família. Teriam evitado que os balcões comerciais do BES vendessem instrumentos de investimento aos seus clientes como se não tivessem qualquer risco. Teriam evitado o descrédito das auditorias. Teriam possivelmente evitado que um determinado grupo conseguisse obter empréstimos suficientes para construir um aeroporto ou uns quantos estádios de futebol. Teriam evitado o impacto do rombo do BES Angola no BES. Enfim, teriam evitado que todos os Portugueses, uns mais que outros, fossem enormemente prejudicados pelas ações de muito poucos.
4 de outubro 2020