No dia 4 de Junho de 1920, às quatro e um quarto de uma linda tarde soalheira, um pequeno grupo de oficiais húngaros chegou de carro ao Grand Trianon Palace, nas traseiras do palácio de Versailles, a escassos vinte quilómetros de Paris, liderados pelo ministro húngaro do trabalho, Ágoston Benard e por um diplomata, Alfred Drasche-Lázár.

Quinze minutos depois, esta delegação saiu do Palace, após ter sido assinado um tratado, o qual punha fim ao conflito armado entre a Hungria e os Aliados, nomeadamente a França, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos da América e a Itália, o qual começara em Agosto de 1914 e ceifara mais de um milhão de vidas na Hungria.

A Rússia, principal responsável pela maior parte das vítimas daqueles países, tinha sido palco primeiro de uma revolução, depois de uma guerra civil três anos antes e não participou, por esse motivo, nas negociações dos tratados de paz.

Porém, o Tratado de Trianon, como viria a ser chamado, não se limitou a estabelecer a paz entre a Hungria e os Aliados vitoriosos: condenou a Hungria à perda de dois terços do seu território, de metade da sua população, de dois terços das suas ferrovias, estradas e canais de irrigação, bem como de 80% das suas minas e florestas. Aproximadamente três milhões de húngaros, tornaram-se nesse dia súbditos de países ainda hostis, como a Checoslováquia, a Roménia e a Jugoslávia. Esta foi, sem qualquer dúvida, a maior catástrofe que a Hungria sofreu, desde a batalha de Mohács em 1526.

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Esta tragédia atingiu, não só os húngaros que viviam nesses territórios, mas também os que aí possuíam propriedades, como foi o caso da nossa família. Nós tínhamos duas herdades no que hoje se chama Eslováquia, Szalatna em Losonc (hoje Lucenec) e Mosoc no distrito de Turócszentmárton (hoje Turciansky Svaty Martin).

Após o colapso da monarquia Austro-Húngara, todos desejavam que a verdadeira paz chegasse com as eleições. Na realidade, apenas um desejo, não só porque nós não podíamos ser responsabilizados pela guerra – em 1914, quando a guerra rebentou, o Ministro de Estado húngaro, o conde de Tisza, foi o único participante que se opôs à declaração de guerra, no encontro fatal onde o assunto foi discutido. Por outro lado, os húngaros acreditavam piamente nas promessas feitas por Wilson nos seus Pontos de Paz. Crença que veio a revelar-se vã – a promessa do voto popular desgraçadamente nunca se desenvolveu.

Os americanos ainda tentaram suster o crescimento do ódio e sentimento de injustiça resultante do tratado de paz que prescrevia o desmantelamento da Hungria.

De uma Hungria desmembrada resultou uma Checoslováquia (CSR), a Jugoslávia (antiga Servia) e a Roménia que foi aumentada pela Transilvânia. Até mesmo a Áustria, responsável pela declaração de guerra, ficou com um pedaço da Hungria.

A Hungria foi o bode expiatório e teve, inclusivamente que pagar 300 milhões de dólares como compensação de guerra (200 M à União Soviética e 100 M à Checoslováquia e à Jugoslávia). Se tivesse dependido da vontade dos novos Estados, teria sido totalmente apagada do mapa.

Os grandes poderes estavam demasiadamente preocupados com os seus próprios problemas, assim proporcionado campo livre à loucura do Nacionalismo e Chauvinismo e permitindo rasgar em pedaços uma cultura de mil anos.

O ponto até onde a tragédia húngara atingiu as vidas das pessoas está bem expresso nas linhas que transcrevo do diário do meu pai.

«Foi na véspera do Natal de 1919 que recebi a notícia que as tropas checas revoltosas tinham ocupado Szalatna na fronteira norte da Hungria. Nós eramos agora cidadãos de um novo estado, com idioma e leis novas. A primeira contribuição dos revoltosos foi saquear toda a propriedade. Szalatna fora «libertada», que é como quem diz fora devastada, pilhada, desde à cave até ao sótão. A nós, parecia-nos que um poder diabólico cegara os leaders mundiais, deixando-os capazes de, ou não serem capazes de ver a realidade, ou vendo-a de forma totalmente distorcida. Se, porventura, tivessem sido capazes de dar a mão aos vencidos em lugar de humilhá-los ainda mais, a Europa seria hoje muito diferente.

Ainda recordo como tive que esgueirar-me pela minha velha casa, no escuro da noite porque os novos «donos» da minha propriedade me negavam um passe. Ainda me lembro como, durante essa primeira visita, apertei os punhos, cerrei os meus dentes com um ódio imenso no meu coração de 19 anos, pedindo a Deus nos céus que castigasse todos os que tinham desfeito o meu lar e tantos outros, em tantas casas húngaras.

O meu irmão e eu tínhamos ido de carro até à nova fronteira e continuado a pé na parte final da viagem, à noite.

Atravessámos o riacho que agora definia a nova fronteira ao qual o Benes tinha concedido o título de rio, apesar de que, durante o Verão, tinha tão pouca água que nem conseguíamos em miúdos navegar os nossos barquinhos.

Passado o riacho, encontrámo-nos no novo estado e na nova hegemonia. Se tivéssemos sido descobertos, dois «estrangeiros» que muito discretamente tentávamos visitar a nossa casa de família, seríamos, muito simplesmente, abatidos a tiro.

Mas ninguém nos viu e passámos sem problema através dos campos que nos eram tão familiares e chegámos ao jardim. Trepámos a vedação.

Os buracos negros das janelas e das portas penduradas nos gonzos olhavam para nós. Os quartos tinham um aspecto assustador. Tudo o que os nossos «libertadores» não conseguiram levar, foi atirado pelas janelas. Na biblioteca as prateleiras tinham sido arrancadas e os livros que restavam estavam todos espalhados pelo chão, debaixo de lixo e de excremento. Era horrendo ver assim a nossa casa- «Porquê, porquê, porquê?» Os restos de um velho missal que pertencera à minha avó estava no chão; uma antiquíssima edição de Goethe debitava toda a sua informação aos peixes do riacho. Os restos de uma partitura da nona sinfonia de Beethoven estavam reduzidos a pedacinhos, ‘Seid umschlungen, Millionen’..

«Como pode isto ter acontecido?» perguntávamo-nos sabe Deus quantas vezes. PORQUÊ? Se é porque somos húngaros – ou porque a guerra soltou o diabo na terra?”

O tratado de Trianon que impôs enormes, inimagináveis e injustos sacrifícios à Hungria foi assinado em 4 de Junho de 1920 e depois ratificado pelo parlamento húngaro. A severidade de que estava imbuído e a indiscutível injustiça era extremamente adversa para a Hungria e marcou o destino de milhões de húngaros assim como despedaçou uma nação e uma cultura de 1000 anos.