1JMJ: um acontecimento

A Jornada Mundial da Juventude é, de algum modo, uma experiência símbolo da vida cristã. Consiste num convite, proposta ou chamamento, que vem de Deus através do Papa, que congrega pessoas e no qual o próprio Deus quer fazer acontecer algo na vida dos que aderem.

Os primeiros que se empenham nela, provavelmente, já são amigos de Jesus, mas querem fortificar a própria fé e percebem que Jesus quer que outros O descubram. Os primeiros são chamados a preparar o caminho para muitos mais aproveitarem a ocasião de encontro oferecida. Através do testemunho e da alegria dos que vão aderindo à proposta, outros vão sendo chamados, até que todos, mesmo os que estavam mais longe, se sintam de algum modo desafiados a participar.

Os motivos que levam a responder ao convite podem ser diversos. Há experiências de fé vibrantes que empenham muitos, mas também há quem sinta a necessidade de avivar a fé ou a vida cristã e deseja que a JMJ se torne ocasião para isso. Cada um dos que ajudam a preparar ou que vêm à Jornada participa com a sua vida concreta, num grupo mais ou menos organizado, com a fé mais ou menos aprofundada, com as intenções mais ou menos claras e identificadas com a proposta do Papa. Assim se chega à Jornada e ela, como tudo o que faz parte da vida cristã, será um acontecimento. Mais do que um grande evento que dá nas vistas, a JMJ pretende ser um acontecimento na vida de cada jovem, de cada voluntário, das famílias, da Igreja, da Cidade que provoque mudanças!

Aliás, toda a vida humana é marcada por acontecimentos, sejam eles encontros com pessoas antes desconhecidas, ou problemas que exigem uma solução, ou ideias novas que mudam o modo de viver, invenções científicas ou tecnológicas que passam a fazer parte da história. Há um antes e um depois disso ter acontecido. Depois de acontecidos, a memória humana permite recordar isso não só como eventos passados, mas como acontecimentos que transformaram, de algum modo, a vida.

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Na Igreja, por sua natureza, tudo é acontecimento. Jesus Cristo é um acontecimento! A Sua morte e ressurreição é o Acontecimento, por excelência, mas tudo o mais que daí decorre segue o mesmo método. Os sacramentos são acontecimentos! Certos diálogos ou momentos de oração são acontecimentos. As obras que nascem da fé são acontecimentos. Os acontecimentos são o método de Deus Se auto-comunicar: uma experiência vivida no tempo e num certo lugar, com pessoas concretas, através da qual Deus Se torna mais evidente e, a quem abre o coração, dá-Se e gera uma vida nova. Quando há uma conversão é porque houve algum acontecimento marcante que tornou Deus mais evidente. Algo de novo e muitas vezes inimaginável surge e pode transformar vidas e comunidades. A História da Igreja está cheia de testemunhos disto mesmo.

Deus, na Sua providência usa esse método em toda a história da humanidade. Mas quando se trata de acontecimentos em que Deus intervém de modo explícito, como acontece em grandes celebrações, ou na celebração dos sacramentos, damo-nos conta que Deus entra em diálogo com a liberdade humana e faz-lhe uma proposta de vida. “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Apo 3, 20).

Os acontecimentos humanos podem ser anunciados e preparados com mais ou menos empenho. Sabemos que algo acontecerá e somos chamados a preparar-nos e a preparar muita coisa para que tudo corra bem. Mas, quando se parte de um chamamento de Deus, por melhor que nos preparemos, nunca poderemos reduzir o que acontece ao que se tinha pensado que iria acontecer. Se isso já é verdade nos acontecimentos naturais, quanto mais nos acontecimentos onde Deus é o promotor e o protagonista desejado e esperado!

2Peregrinação

O Papa Francisco, falando aos voluntários no Rio de Janeiro, disse-lhes: “cada um, a seu modo, foi um instrumento para que milhares de jovens tivessem o “caminho preparado” para encontrar Jesus. E esse é o serviço mais bonito que podemos realizar como discípulos missionários: preparar o caminho para que todos possam conhecer, encontrar e amar o Senhor.”

A vida humana é uma peregrinação. Não é apenas um caminho, mas um caminho que tem um destino. A meta da peregrinação move os peregrinos e motiva-os para ultrapassar dificuldades, obstáculos, até eventuais crises ou desvios que possam precisar de ser corrigidos. É um caminho em que já se sente a força de Deus que nos chama para a meta e que Se mete no nosso caminho para nos ajudar, mas também deixa no ar o quão maior será o que nos espera. A meta é o fim, mas também é a fonte, a voz que chama, o motivo que nos faz meter-nos a caminho e que se mete connosco a caminho. Vive-se algo na preparação que, em si, é já importante, mas é ainda como que um anúncio ou promessa que não consegue esgotar o que será o acontecimento. Mal seria uma esperança que dispensasse o acontecimento para o qual ela olha!

Podemos dizer que também a JMJ é uma peregrinação e que a sua preparação é já, em certo sentido, um acontecimento, porque está a ser para tantos que já estão envolvidos ocasião de muitos encontros e de uma mais profunda percepção do Mistério da Igreja. A preparação é importante, é já caridade em acto, mas não define tudo! Quem na Igreja prepara um evento é convidado a usar as suas capacidades, o seu tempo e as suas forças e oferecer tudo isso a Deus e aos que vierem, ou seja, é convidado a amar a querer o bem dos outros e a empenhar-se na sua realização.  No caso de um mega evento como a JMJ, que terá objectivos claros, embora isso possa ser mais ou menos bem conhecido por quem nele participar, pretende-se um bem para a Igreja toda – ainda que especialmente para os jovens – que os Papas foram definindo, desde que São João Paulo II a pensou, e que, de algum modo, já foram vividos noutras jornadas: o encontro com Cristo. Mas o que isso significará na vida de cada um, a meta a que cada um chegar, será melhor do que o caminho e melhor do que o previsto! Nenhuma preparação consegue antever toda a potencialidade do acontecimento. Se a preparação de um acontecimento de Graça ficasse encaixada nas paredes do que se pensava quando se começa o caminho, perder-se-ia o mais importante que é o que Deus quer oferecer e pedir para lá dos nossos projectos.

Que dias vão ser aqueles! Que encontros terei!? Vão surgir novas amizades. Deus vai, certamente, fazer-Se ouvir e deixar-Se tocar. Vão ser feitas propostas que poderão ser acolhidas depois de discernidas. Será que alguns vão ser chamados a abraçar uma vocação que antes não previam, ou irão descobrir a pessoa com quem mais tarde se vão casar? Depois da Jornada vai ser importante digerir muito do que surgir e cada um terá um contributo a dar.

3Disponibilidade

Assim, a par do que organizamos, temos de preparar o coração para se empenhar com entusiasmo, para que esteja atento ao que já está a acontecer, mas sobretudo disponível para o que irá acontecer e para ser surpreendido A preparação deve, sobretudo, suscitar o desejo de um encontro forte com Deus e de muitos encontros com irmãos na fé e com pessoas variadas. O desejo conduz à disponibilidade e faz com que haja uma abertura de coração para tudo o que acontecer!

Por tudo isto, a preparação da JMJ conta muito com a oração. Dos organizadores e dos participantes. Esta não é um pró-forma, nem um ritual externo. Não é tampouco um escape para o que não conseguimos fazer, ou uma panaceia para acalmar espíritos mais exaltados. A oração, é certo, dá serenidade, ajuda a hierarquizar o que há a fazer e aumenta a criatividade, mas também tem presente a natureza do acontecimento e, porque ajuda a desejar e a suplicar o encontro com Deus e a reconhecer a Sua presença. A oração autêntica recorda que pode haver muitas novas descobertas e, assim, deixa a pessoa mais atenta a tudo. No ponto de partida está a consciência de que precisamos de Deus: da Sua luz para ver e da Sua força para decidir, e isso faz com que seja razoável pedir ajuda a Deus para fazer o que é preciso ser feito. Mas a oração na preparação de um acontecimento de Graça é mais do que pedir ajudas específicas, é também pedir que Ele abra o coração para a surpresa de Deus! É treinar para que as graças que forem oferecidas não nos escapem!

4O pós-Jornada

Se a preparação tiver esta marca, creio que ao pensarmos no pós-Jornada – que é natural que seja pensado, porque vivemos no tempo e sabemos que a certa altura a Jornada acontecerá e haverá um depois – não devemos, porém, esquematizar nada à partida e devemos também recordar a importância do diálogo com Deus que será indispensável para perceber tudo o que aconteceu.

Não sabemos tudo o que vai acontecer, mas sabemos que vamos querer viver bem e tirar o máximo de frutos possíveis, sabemos também que não vamos querer perder nada e que, por isso, vai ser necessário a partilha, mas também a oração, que tornarão mais claras as graças recebidas. Há coisas que precisam de ser “mastigadas” na oração e conversadas com amigos para se tornarem claras à inteligência e propostas concretas que, depois, se tornarão obras ou linhas de ação.

Será bom marcar já alguns encontros a vários níveis, especialmente informais, para que logo a seguir à Jornada e antes que as coisas fiquem esquecidas, se possam partilhar experiências e apelos de Deus. Certamente que deverá haver oportunidades para se fazer avaliação do que correu bem e do que correu mal, e de ver o que poderia ter sido feito melhor. Será mesmo necessário fazer um relatório final para ajudar as próximas jornadas a prepararem-se ainda melhor.

Considero, porém, que o “depois” deva ser reflectido, à maneira do que se passa nas catequeses mistagógicas: só depois da experiência feita e a Graça de Deus ter sido derramada se consegue perceber o que aconteceu. A luz de Deus que virá iluminar tantos e mostrar novos caminhos precisa de ser acesa. O pós-experiência só pode ser entendido a partir da experiência vivida e do impacto dela na vida de cada um e da Igreja como um todo.

O pós-JMJ será sobretudo fruto do que acontecer, do que está a acontecer na preparação e do que acontecerá naqueles dias! Perderemos o que Deus nos quer dar se não vivermos bem o acontecimento, se nos embrenharmos logo a seguir na vida como se nada tivesse acontecido, ou se pretendermos pensar ao detalhe o depois antes de vivermos esses dias.

5A sinodalidade

A experiência da sinodalidade, que tem sido proposta à Igreja, também ajuda a perceber que não é o que um ou outro pensa sobre o que fazer na Jornada ou antever o que vai acontecer ou o que se deve fazer a seguir. Vemos que há muitos carismas e muitas formas de viver a fé, e a forma católica de valorizar tudo não é uniformizar mas valorizar cada um numa comunhão de amor. A pluralidade de carismas e de modos de ser cristãos são uma riqueza quando mantidos na unidade da fé. Todos podem ser envolvidas numa grande sinfonia onde o todo é mais do que a soma das partes e cada um é mais ele mesmo precisamente porque está unido aos outros na caridade e na fé “para a edificação da Igreja” (I Cor 14,5.13).

O desafio que a preparação da JMJ já está a pôr em marcha é de fazer pessoas diferentes, com experiências diversas à partida, caminharem juntas e escutarem o Espírito Santo que fala através dos acontecimentos da vida. A experiência sinodal é essencial para partilhar tudo isso, aferir juntos, corrigir enganos e arregaçar as mangas para levar por diante os desafios de Deus. Depois da Jornada, teremos uma nova etapa, cheia de possibilidades e que vai também exigir muita atenção e empenho, onde todos deverão ser chamados a contribuir e partilhar a sua experiência.

6As tarefas de cada um

Temos todos o grande desejo de não deixar cair em saco roto as graças da JMJ, mas alertamos o perigo de que algo se passe sem nos darmos conta. Para evitar isso, o mais importante é mesmo apontar todas as energias para esses dias e tentar, cada um, com os seus grupos e comunidades, viver o mais intensamente possível para que não se perca nenhuma semente. Como disse Abraão junto do Carvalho de Mambré, também nós devemos dizer: “Não passes Te rogo sem Te deteres” (Gen 18,3). A Jornada, porque é um acontecimento na história, também passará, mas os efeitos dela, se vêm de Deus, possuem o carácter de realidade eterna, detêm-se, prometem e geram frutos!

Toda a Igreja se vê envolvida, mas, aos pastores da Igreja – bispos, padres, responsáveis de grupos, educadores – será pedido muito. Antes de mais que se deixem tocar pelo mesmo entusiasmo que querem que os jovens experimentem, mas também que sejam educadores e provoquem esse entusiasmo onde ele faltar e, depois da Jornada, será pedido que acolham o que surgir, que ajudem a perceber os desafios feitos por Deus e a avaliar tudo para reter todo o bem que surgir.

7Desejo da surpresa

O Papa, na mensagem para o Dia Mundial da Juventude de 2021, tendo já em vista a Jornada de Lisboa, explica o impacto inesperado que teve o encontro de Jesus com Saulo no caminho para Damasco e termina convidando todos: “Espero que todos nós possamos viver estas etapas como verdadeiros peregrinos e não como «turistas da fé»! Abramo-nos às surpresas de Deus, que quer fazer resplandecer a sua luz sobre o nosso caminho. Abramo-nos à escuta da sua voz, inclusive através dos nossos irmãos e irmãs. Assim ajudar-nos-emos uns aos outros a levantar-nos juntos e, neste difícil momento histórico, tornar-nos-emos profetas de tempos novos, cheios de esperança! A Bem-Aventurada Virgem Maria interceda por nós.”

17/6/2023