Em contextos de Alienação Parental, podem emergir conflitos de lealdade intergeracionais, em que um ou mais filhos se podem aliar a um pai/mãe alienador em prejuízo do outro mãe/pai, numa situação de dependência e submissão àquele. Neste texto, recolhemos e comentamos os testemunhos reais de dez pais e mães (nomes fictícios) sobre o conflito parental quando emerge uma dinâmica familiar em que a lealdade dos filhos(as) (nomes fictícios) para com o pai/mãe alienador implica a sua deslealdade para com o outro, sendo exigido à criança ou adolescente que escolha uma das partes desta “guerra”, criando um conflito de lealdade.

As  nossas testemunhas são o José, pai da Sara de 14 anos (pais separados há 8 anos), a Anamar, mãe da Carolina de 15 anos (pais separados há 7 anos), o Bruno, pai do Luís de 7 anos (pais separados há 6 anos), a Inês, mãe da Vera de 12 anos (pais separados há 5 anos), o Vítor, pai da Mónica de 14 anos e do Jorge de 11 anos (pais separados há 1 ano e meio), a Marta, mãe do Rui de 14 anos (pais separados há 5 anos), o Rodrigo, pai do Ricardo de 13 anos (pais separados há 13 anos), o Tomás, pai da Rute de 16 anos e da Vera 13 anos  (pais separados há 6 anos), o Francisco, pai da Ana de 13 anos e do João de 9 anos (pais separados há 4 anos) e o Filipe, pai do Pedro de 16 anos (pais separados há 2 anos e meio).

As crianças e os adolescentes alienados apresentam um discurso muito semelhante ao do pai/mãe alienador, numa relação de lealdade para com este, expressando aquilo que o pai/mãe alienador deseja e não aquilo que a criança ou adolescente sente, não existindo liberdade de expressão, nem de afetos, sobretudo quando os filhos se encontram na presença física do alienador. A este propósito, a Inês referiu que “Passava horas, literalmente, a falar via vídeo com a minha filha, longe uma da outra, em conversas de companhia, jogos online… Até teatros com os seus bonecos a minha filha me fazia, via vídeo. Inúmeras vezes desenhava e pedia me para vê la a desenhar. Tudo via vídeo no WhatsApp e sempre durante a ausência do pai. Se ele estivesse presente, a minha filha ficava fria, distante e poucas palavras tinha comigo. Sentia a muito tensa e com medo, com ele sempre a interromper a nossa conversa constantemente. Intrometia-se, falava pela minha filha e era uma confusão imensa. A minha filha era outra na sua presença. Apática”. Também o Tomás testemunhou que: “A Ana que vai para casa da Mãe dizer coisas que não são verdade sobre a casa do pai apenas para ter aprovação da mãe. Depois existe a Ana quando esta só comigo.  Quer ir comigo a todo lado, ao supermercado, ao café, sempre que saio ela vem comigo. Passa os dias na sala a falar comigo e com a minha atual mulher, diverte-se e é feliz. Isso é claramente no notório, dado que para mim, existem duas Anas. Uma que eu vejo quando estamos com a mãe, onde ela quer demonstrar e reforçar as posições da mãe, até mais que a mãe, parecendo que quer mostrar que é um “soldado” leal numa guerra.”

Marta testemunhou a semelhança do discurso e a agressividade com que o seu filho expressa a lealdade em relação ao pai: “Há 5 anos atrás quando me separei, deparei-me com imensos comportamentos do meu filho, na altura com 9 anos, que não compreendia. Quando estava com o pai e me ligava falava comigo com agressividade, dizia-me coisas horríveis como que não gostava de mim, que não queria estar comigo. Tinha e tem um discurso muito parecido com o do pai. Depois de começar consultas de parentalidade (…) percebi que isto tinha a ver com um conflito de lealdade do meu filho com o pai, mas não só, acho que muitas coisas que vou falar são consideradas alienação parental”. A Anamare expressou-se no mesmo sentido: “A filha repete o padrão do pai. Afirma gostar das mesmas coisas, apresenta convicções sociais iguais, critica e argumenta com a mesma narrativa. Talvez no seu entender facilitando o processo de entendimento do mundo. O pai utiliza a filha no seu padrão de conjugalidade. Ambos são abusivos e vítimas. O que sai daquele enquadramento é banido. O que questiona é alvo a abater, indesejável”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os filhos assumem uma submissão às indicações dos pais/mães alienadores, temendo desobedecer-lhes e desagradar-lhes, sabendo que sua aprovação aos pais/mães alienados lhe custarão as ameaças dos alienadores. A Inês referiu que: “A minha filha, numa demonstração nítida para o pai, mostrava se chateada comigo, que não se tinha divertido e tão pouco tinha estado feliz no nosso convívio. Dava-me um beijo a custo, à frente do pai. Ainda assim, eu em cumplicidade com a minha filha, sorria-lhe confiante, dava-lhe um abraço muito forte, e tentava demonstrar-lhe a todo o custo, que a compreendia e que jamais ficaria chateada pela sua frieza e o seu afastamento em relação a mim, à frente do pai”. Para atenuar o sentimento de culpabilidade e os conflitos de lealdade da sua filha, a Inês: “Chegava mesmo a dizer-lhe ao ouvido, disfarçadamente, Eu compreendo-te! A mãe está sempre contigo!  para a minha menina não se sentir culpabilizada, ainda mais infeliz”.

A triangulação (entre pai, mãe e filho (s)) constitui um processo em que a criança ou adolescente se encontra envolvido na dinâmica dos conflitos interparentais, sendo orientada pelo pai/mãe alienador a tomar o seu partido e a não poder, na sua presença, demonstrar amor pelo pai/mãe alienado, no sentido de minimizar ou evitar os conflitos como, muitas vezes, são capazes de o fazer quando o alienador não está presente. Marta ilustrou esta situação: “Os comportamentos dele para comigo, quando está com o pai, são diferentes do que quando está só comigo. A começar por não me ligar nem responder a mensagens quando está na semana do pai. Mas na sexta feira que vem para mim, já me manda mensagens na escola como se nada fosse, como emojis carinhosos e tudo. O Chip muda e o meu filho já se comporta “normalmente” comigo”.

O pai/mãe alienador exerce a sua parentalidade de forma perversa, subjugando os filhos a uma sucessão de exigência de demonstrações de lealdade, obrigando-os a maltratar o outro pai/mãe alienado, através da inculcação de um argumentário para o denegrir que deve ser replicado pelos filhos. A Anamare narrou um exemplo: “Em diferentes sessões de terapia familiar, as frases que usam são exatamente as mesmas, mesmo não estando ambos na sessão, por exemplo “a mãe não devia ter informado o Tribunal”; “devias aceitar, não é pedir desculpa”.

Os filhos triangulados entre pai/mãe de forma não saudável, em divórcios destrutivos, assumem obrigações com ambos os pais através de uma forma perversa de vinculação, na base do convencimento de que quando se agrada a um pai ou mãe, está a ofender-se o outro e vice-versa. Sobre isso, Marta acrescenta: “Basicamente o meu filho não pode gostar de estar comigo e faz tudo o que for preciso para demonstrar isso ao pai”.

No processo de alienação parental, como a lealdade ao pai/mãe alienador implica a deslealdade ao pai/mãe alienado, a criança ou adolescente sofre uma situação de dependência e obediência sistemática às demonstrações de lealdade, especialmente pelo medo de ser abandonado, pois a maior ameaça afetiva com a que se confronta é a da perda do amor dos pais. Como tal, os pais/mães alienadores suscitam a rejeição e manifestam desagrado perante a alegria filhos em estarem com os outros pais/mães alienados, sugerindo aos filhos que devem escolher entre os pais, e/ou induzindo sentimentos de culpa pelo facto do filho ter uma boa relação com o pai/mãe alienado.

José ilustrou bem esta condição: “E este trabalho de convencimento dura anos, sempre a moer, ao deitar e durante as histórias lidas até adormecer, durante todos os minutos a dois, cada dia mais um ponto, cada pormenor um exemplo de “estás a ver, não te dizia, essa gente não presta, mas se queres vai, vai e desaparece, mas depois não te venhas lamentar porque eu não vou estar cá para te ajudar, eu que te dou tudo”. Ou, como referiu a Inês: “Após os convívios entre mim e a minha filha, o pai dizia-lhe: estás muito feliz?!  Divertiste-te?! Podes ir viver com ela e desaparecer. Não te preocupes que eu fico aqui sozinho, se me acontecer alguma coisa morro para aqui, não te preocupes. És uma egoísta como a tua mãe. Não queres saber de mim. Desaparece. A minha filha tinha 8 para 9 anos”. O José ainda acrescentou que: “O tema é muitíssimo interessante e muito difícil de abordar, já que é o culminar de um trajeto de convencimentos cheio de mentiras, com muita chantagem, com alguma coação e até com ameaças psicológicas. As crianças são enredadas numa teia em que “eu fiz e faço tudo por ti e só comigo podes contar”, enquanto que ele(a) é o que vês, um falso, agressivo, não faz nada, sempre a pensar só em si, sem uma pinga de sangue”.

O Filipe identificou este processo como uma manipulação: “Por outro lado ela é a coitadinha que está a viver sozinha, se ele deixar de viver com ela ainda mais sozinha fica. Sempre sempre sempre responsabilizando o interlocutor, manipulação pura e dura, muito grave condicionando todo o comportamento, forma de pensar e sentir do menor”.

A necessidade de demonstrar lealdade o pai/mãe alienador traduz-se também pela eliminação de sinais de contacto com o pai/mãe alienado, sobretudo nas redes sociais. A Marta referiu que o filho “Evita ao máximo tirar fotos e quando conseguimos, faz cara de chateado. Saiu de todos os grupos do WhatsApp com a minha família. Chegou a bloquear-nos a todos quando estava no pai. Bloqueou-me no Instagram”.

O controlo sistemático dos filhos, quando estão com os pais/mães alienados é uma iniciativa dos pais alienadores para manterem vivas nos seus filhos as perversas perceções sobre os pais alienados. É comum a criança ou adolescente receber um contato telefónico do pai/mãe alienador e afastar-se do pai/mãe alienado para poder ter um discurso falso, porque não pode demonstrar os sentimentos positivos sobre os bons momentos que passou. A Marta mencionou que o filho: “Começou a querer falar com o pai ao telefone, fechado no quarto para eu não nem ninguém ouvir nada. Fala com o pai mais de 6 vezes ao dia”, e o Vítor testemunhou: “Telefonemas com a mãe enquanto estão comigo durante o fim de semana / férias: Tentei ser promotor da transparência na comunicação entre nós, mas quando eles estão comigo durante o fim-de-semana ou durante as férias, os telefonemas com a mãe acontecem sempre com porta (quase) fechada “. Esta pressão exerce-se também de modo muito eficaz através de mensagens escritas, como relatou o Filipe: “Basta ser por contacto por mensagem altera logo. Logo o primeiro é deixar de sorrir. Depois agressividade”.

Este controlo serve para evitar que a criança ou adolescente se sinta bem com o pai/mãe alienado. Assim, mesmo à distância, quando o filho está fisicamente com o pai/mãe alienado, o alienador expressa a sua raiva e sentimento de traição pela situação. Como referiu o Rodrigo, quando a criança relata um acontecimento agradável, o pai/mãe alienador mostra-se zangado, e desvaloriza: “O último telefona, ele disse-lhe: olha mãe nas férias vi uma raposa mesmo ao pé. E a mãe disse “e então?, o que isso tem?” como a desvalorizar”. Sobre esta situação, Anamar ilustrou: “Exemplos simples, como irmos passear (mãe e filha), ida à praia não são realizadas se o pai não deixar. O controle do pai sobre a satisfação da filha com a sua ex-mulher (mãe da filha) é tal que coloca a filha como veículo dessa ação. Leva a que a filha realize o que ele gosta de fazer, dizendo que tudo o resto não tem interesse, desvalorizando”. No mesmo sentido, o Rodrigo referiu: “O Ricardo começou a fechar-se no quarto pera falar com a mãe para nós não podermos ouvir a conversa, afim de o Ricardo lhe dar o relato do nosso tempo passado juntos e nossas atividades e tentando ocupar o Ricardo com conversas triviais, falava algumas vezes de atividades que o Ricardo teria deixado do fazer por estar com o pai, jogos de futebol que não ia por estar de fim de semana com o pai.”

Os conflitos de lealdade são dificilmente geridos pelos jovens. A escolha de uma das figuras parentais (pai ou mãe) sugere estar contra a outra, pelo que os filhos que vivenciam esta estrutura disfuncional parecem sentir-se constrangidos e sofrerem de uma grande ambiguidade. O Filipe ilustrou bem esta situação: “Perca de interesse ou menosprezo por coisas que minutos antes interessavam e queria fazer e que todo e qualquer adolescente gostaria de fazer. Ainda ontem vínhamos de barco e estava todo entusiasmado com a possibilidade de ser ele a o fazer ou vir a fazer, conduzir o barco, ou barcos. Quando recebe mensagens da mãe, em seguida se tocamos no tema, diz que não lhe interessa, que não quer”. Os filhos são manipulados pelo pai/mãe alienador, a odiar e a rejeitar o outro pai ou mãe alienado, que a ama, a contradição de sentimentos, fazendo surgir dificuldades com a convivência, o comportamento da criança passa a ser inadequado ou hostil, aparecendo sentimentos ambivalentes e conflitos de lealdade. Marta referiu que o filho: “Diz ao pai que não fala com ninguém cá em casa a não ser comigo. Que está sempre fechado no quarto. E nada disso é verdade”.

As crianças e adolescentes são as principais vítimas do conflito de lealdade sendo, por isso, urgente que se assinale a circunstância junto dos vários interlocutores do conflito parental. Como refere Francisco: “Da próxima vez que for a Tribunal, se não me esquecer, vou perguntar ao Juiz, se considera ou não que estas crianças não são uns verdadeiros heróis? Durante quatro anos, apesar de um conjunto de estratégias que pretendiam apagar das suas vidas a figura do pai, dos avós, tias/tios e primos, os meus filhos demonstraram uma força incrível perante tais intentos”, ou como refere José: “Acho que cada um dos alvos de alienação parental terá a sua história para contar, porventura nem todos a saber muito bem como é que tudo começou”.

Com efeito, os filhos são as principais vítimas dos processos de alienação, seja qual for a idade, porque se sentem culpados por fazerem sofrer os seus pais alienados, e eles próprios sofrem por não poderem partilhar o seu amor com as pessoas mais importantes da sua vida – os seus pais.