Nos últimos anos, tem-se verificado um aumento do interesse da sociedade e investidores, para que as organizações divulguem informação não financeira (i.e., ambiental e social) [1]. Este pode ser um dos fatores que contribuiu para que o Conselho Europeu tenha adotado a Diretiva de Relato de Sustentabilidade Corporativo (CSRD) que obrigará, já em 2025, um conjunto de organizações a reportar dados sobre aspetos ambientais (p.ex., resíduos), sociais (p.ex., comunidades) e de governação (p.ex., conduta de negócio) – as designadas métricas ESG (do inglês, environmental, social and governance). É importante destacar que outros países têm também mecanismos semelhantes à CSRD; por exemplo, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos exigirá que as organizações apresentem na sua comunicação para os investidores, o potencial impacte financeiro dos riscos relacionados com o clima (p.ex., incêndios) na sua posição financeira.
A CSRD, sendo uma diretiva europeia, teria de ser transposta para legislação nacional até julho de 2024. Contudo, 17 Estados Membros, incluindo Portugal, ainda não realizaram a transposição, o que levou o Conselho Europeu a abrir um processo de infração sobre estes países. Embora as consequências da CSRD possam variar entre Estado Membro, as mesmas podem incluir ações de fiscalização, multas ou penas de prisão.
Para os céticos da CSRD, deixo a questão: Se não é ético uma organização omitir ou mentir sobre a informação financeira, será aceitável fazer o mesmo com a informação não financeira?
Pode o atraso da transposição impactar as organizações?
A introdução de normas de reporte de sustentabilidade pode permitir às organizações repensar a sua estratégia e modelo de negócio, adotando práticas que permitam reduzir os impactes negativos das suas operações (p.ex., produção de resíduos) e/ou maximizar os impactes positivos (p.ex., criação de postos de trabalho). Contudo, o atraso na transposição da CSRD para legislação nacional pode ser um fator de incerteza que dificulte a preparação e antecipação das organizações, assim como dos profissionais responsáveis por assegurar a conformidade da informação (p.ex., auditores).
Este atraso pode colocar em vantagem (p.ex., maior atratividade para executar investimentos de baixo carbono) organizações de países com um quadro regulatório estável, face às nacionais.
Como estão as organizações a gerir o processo da CSRD?
Um questionário aplicado a 32 organizações portuguesas concluiu que apenas 41% das mesmas está confiante sobre a sua capacidade de reportar a informação no âmbito da CSRD [2]. Alguns fatores que podem justificar a falta de confiança são o desconhecimento e complexidade das cadeias de valor das organizações, o cumprimento dos prazos e/ou a baixa qualidade dos dados.
Neste sentido, face aos desafios mencionados, alguns gestores podem encarar a CSRD como uma ameaça (p.ex., elevado esforço) e não como uma oportunidade. Contudo, é desejável e recomendável que as organizações também usufruam dos benefícios da prática de relato não financeiro, tais como a partilha de boas práticas setoriais, robustecimento da transparência, criação de uma cultura de gestão de risco, posicionamento no mercado, entre outros.
Para as organizações reduzirem o risco de uma parte significativa do orçamento ser alocado em atividades meramente de conformidade legal, pode ser relevante pensar em soluções que melhorem a eficiência da monitorização e consolidação da informação (p.ex. adoção de sistemas de informação).
Algumas considerações finais…
Em Portugal, à data, serão os Revisores Oficiais de Contas (ROC) e as Sociedades de Revisores Oficiais de Contas (SROC) os responsáveis pela prestação de serviços de garantia de fiabilidade do relatório de sustentabilidade. Neste sentido, a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) desempenha um papel relevante na capacitação destes profissionais, em competências que, atualmente, creio não estarem desenvolvidas (i.e., domínio dos temas ambientais e sociais).
Embora considere prematuro afirmar que a CSRD terá um contributo positivo na criação de uma economia sustentável, dado que ainda é difícil confirmar que existe uma relação de causalidade entre o relato e a implementação de ações de sustentabilidade, poderá ser útil a criação de um observatório (p.ex., através da OROC) para avaliar a efetividade da CSRD (p.ex., avaliar o impacte esperado vs. real na sustentabilidade, monitorização de esquemas de eco branqueamento, etc.).
A longevidade de uma organização não depende apenas de bons resultados financeiros, mas sim do equilíbrio de diferentes fatores (p.ex., eficiência dos processos internos). Neste contexto, a omissão de dados não financeiros pode, em determinadas circunstâncias, ocultar informações relevantes sobre a estratégia e modelo de negócio de uma organização, pondo em causa o “dever fiduciário” para com os investidores. A CSRD pode não ser a solução para o desenvolvimento sustentável, mas pode ser um passo certo na contabilidade e transparência do mercado de capitais, permitindo dar informação aos investidores sobre aquilo que estão a financiar e os impactes que isso terá no ambiente e sociedade.
O Observadorassocia-se ao Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa