Por regra em todo o Mundo mas em particular em todos os países europeus, a banca é, por larga maioria, pertença de capitais nacionais. É uma situação que existe desde que surgiram os primeiros bancos comerciais na Europa no final do século 18, e em Portugal no início do século 20. Esta circunstância que surgiu e se desenvolveu naturalmente, permitiu que cada país fosse independente financeiramente, ou seja, que as suas empresas e os sectores económicos se tenham desenvolvido apoiados e financiados com os seus próprios capitais. O sector bancário é portanto um sector estratégico, não só porque decide quais são as empresas que merecem ou não ser financiadas, como também porque, estando em mãos de nacionais, impede que o apoio financeiro às empresas esteja dependente de interesses empresariais estrangeiros. Este último aspecto é particularmente importante, pois reduz o risco de transmissão para empresas estrangeiras de informações relevantes sobre empresas portuguesas de sucesso, o que pode não só dificultar o seu desenvolvimento, como levar à sua aquisição por entidades estrangeiras. Por estas razões todos os países da União Europeia, nomeadamente a França, a Alemanha, o Reino Unido, ou a Espanha, têm acompanhado de perto a sua actividade bancária, assegurando que permanecem maioritariamente em mãos nacionais.
Em Portugal a evolução do sistema bancário tem contudo sido diferente. O BCE, com uma aparente passividade das autoridades portuguesas, defende actualmente que a actividade bancária em Portugal deve apenas ser repartida por quatro bancos: Banco Santander, BBVA, Caixa da Catalunha e Caixa Geral de Depósitos. Significaria isso que aproximadamente 80% do financiamento empresarial em Portugal ficaria não só em mãos estrangeiras, como ficaria dependente de apenas um único país estrangeiro. Não existe situação semelhante em nenhum outro país europeu. O mesmo é dizer que o financiamento e a propriedade das empresas portuguesas, ficariam em boa medida dependentes da vontade e da estratégia de um país estrangeiro, cujos interesses não são necessariamente coincidentes com os interesses de Portugal. Não creio que seja esse o desejo dos portugueses.
Contudo, a evolução recente da situação do sistema bancário em Portugal aumentou, infelizmente, a possibilidade dessa orientação do BCE se concretizar, devido nomeadamente à conjugação de várias circunstâncias:
a) O BCE, não estando preocupado com a independência financeira de Portugal, encontra actualmente nestas possíveis aquisições uma forma fácil e rápida de resolver o problema dos bancos portugueses com insuficiências de capital;
b) Nos últimos anos vários têm sido os casos de incompetente gestão bancária, que levou bancos portugueses como o BPN, BPP, BES ou o Banif a uma insuficiência grave de capitais próprios;
c) Os bancos espanhóis desde há muitos anos ambicionam controlar o sistema bancário português;
d) O Banco de Portugal não tem, sobretudo nos últimos dois anos, manifestado uma oposição às orientações do BCE de entregar uma parte significativa da banca portuguesa a bancos espanhóis;
e) Os partidos políticos portugueses não se têm manifestado sobre esta ameaça;
f) As confederações patronais portuguesas, como a CCP ou a CIP, não têm manifestado preocupação sobre este tema;
g) Os dois últimos Governos portugueses não se pronunciaram sobre este tema.
Esta conjugação de circunstâncias explica a recente venda do Banif ao Banco Santander. Com efeito e desde o início de 2013, o anterior Governo não procurou activamente encontrar dentro das entidades bancárias mundiais um comprador adequado para o Banco Banif, apesar de serem conhecidas as suas debilidades financeiras. A questão do Banif podia e devia ter ficado resolvida em 2013, em 2014 ou mesmo em 2015. Depois e já com o actual Governo, o Banco de Portugal defendeu e propôs ao Ministério das Finanças que o Banif fosse recapitalizado com capitais públicos, de forma a dotar o banco com mais tempo para se recuperar e valorizar. Esta alternativa teria, no curto prazo, aumentado a dívida pública em mil milhões de euros, mas existindo uma gestão bancária eficiente teria proporcionado ao Estado não apenas um lucro no futuro, como sobretudo teria permitido a possibilidade ao Estado escolher mais tarde um comprador a partir de um muito maior número de candidatos.
Infelizmente o Ministério das Finanças recusou esta alternativa em Novembro, o que deu origem á venda acelerada do Banif através de um processo de resolução em Dezembro. E neste processo de resolução foi clara a actuação do BCE no sentido de se entregar o Banif a um banco espanhol. Em primeiro lugar o BCE definiu uma condição restritiva ao referir que o comprador deveria ter uma actividade bancária na Península Ibérica. Não se compreende esta restrição pois existem obviamente entidades bancárias competentes fora da Península Ibérica, a não ser que se considere que um banco espanhol é mais eficiente que um banco do Reino Unido, de França ou dos EUA. Esta restrição justificou, segundo o Banco de Portugal, o afastamento de três candidatos à compra do Banif. Contudo e relativamente aos restantes três candidatos, esta exclusão não é clara, pois nomeadamente o Fundo Apollo tem actividade bancária em Espanha, Alemanha e Eslovénia. Por outro lado, e pelas informações entretanto tornadas públicas pela administração do Banif, a proposta deste Fundo Apollo era três vezes mais favorável que as condições oferecidas pelo Banco Santander.
Em segundo lugar o BCE rejeitou a transformação do Banif num banco de transição, como sucedeu com o Novo Banco, o que teria, como referiu o Banco de Portugal, proporcionado mais tempo ao Governo Português para valorizar o banco e negociar a sua venda em condições mais favoráveis. Em terceiro lugar o BCE enviou, em 19 de Dezembro, instruções ao Ministério das Finanças indicando que o Banif deveria ser vendido ao Banco Santander, ou seja, mesmo antes das negociações finais realizadas pelo Banco de Portugal. Em resultado de todos estes factos, o Banif foi vendido ao Banco Santander por 150 milhões de euros, um valor incomparavelmente inferior ao que poderia ter sucedido em condições normais. Mas a principal consequência foi que se deu mais um passo na concretização da estratégia do BCE em entregar 80% da banca portuguesa aos três referidos bancos espanhóis.
O próximo acontecimento relevante no processo de restruturação do sistema bancário português será o destino do Novo Banco. Será indispensável que tanto o Governo como o Banco de Portugal saibam contrariar a referida orientação do BCE quanto á repartição da banca portuguesa. Para esse efeito podem adoptar várias alternativas:
a) Proporcionar à actual administração do Novo Banco, que tem estado a realizar um trabalho eficiente, mais tempo para desenvolver e valorizar o Banco. Tal como sucedeu com o Banco Lloyd´s e com o Royal Bank of Scotland no Reino Unido, ou com vários bancos americanos nos EUA, só ao fim de 4 ou 5 anos de trabalho contínuo é que uma instituição bancária está devidamente recuperada e valorizada e em boas condições de ser vendida. Dentro desta estratégia a administração do Novo Banco pode continuar a vender os activos não essenciais à sua actividade e a recuperar os créditos mal parados, o que reforçará os seus capitais próprios. Quem quer vender depressa vende normalmente mal, pelo que o Governo português deve negociar com a Comissão Europeia um prazo de venda mais alargado. Este alargamento do prazo por 4 ou 5 anos daria também mais tempo à banca portuguesa para se reestruturar, nomeadamente à CGD, ao Montepio ou ao BCP, para que pudessem ser também candidatos á compra do Novo Banco, permitindo assim que este Banco ficasse em mãos nacionais. Actualmente o BCP tem também o impedimento de concorrer á compra do Novo Banco por ter ainda obrigações CoCos do Estado;
b) Quando o momento de venda chegar, procurar promover uma fusão do Novo Banco com o Montepio, com a CGD ou com o Millennium BCP, o que daria á nova instituição uma dimensão importante e a possibilidade de obter significativas sinergias;
c) Em nenhuma circunstância aceitar novamente as orientações do BCE no sentido de restringir, na prática, os possíveis compradores aos três referidos bancos espanhóis.
Se esta orientação não for seguida pelo BdP e pelo Governo, nenhuma outra instituição defenderá o sistema bancário português. É um facto que Portugal está hoje integrado na Zona Euro e portanto dentro da União Bancária, mas tal não significa que, à semelhança do que fazem os governos e os bancos centrais dos restantes estados-membros, não procuremos também manter uma presença importante de capital português no conjunto dos bancos nacionais. Pertencer à Zona Euro não significa que tenhamos de aceitar todas as opiniões e indicações das autoridades europeias. Se estivessem numa situação semelhante, não tenhamos dúvidas que qualquer outro país da Zona Euro lutaria de forma determinada para impedir que 80% do seu sector bancário pertencesse a um único país estrangeiro.
Pertencer a uma zona económica de maior dimensão nunca deverá significar a descaracterização de um sector estratégico, nem reduzir a possibilidade dos sectores empresariais nacionais se poderem afirmar e desenvolver.