Como um italiano que vive em Espanha, dois dos países mais afetados pelo Covid 19 e onde as taxas de mortalidade entre os mais velhos atingem os valores mais elevados, estou lentamente em transição para uma nova normalidade de confinamento domiciliário forçado, pontuado por aulas em casa e visitas às prateleiras vazias dos supermercados. Não posso deixar de notar, contudo, que à data de hoje, os alemães andam livremente nas suas cidades, enquanto que italianos e espanhóis não podem deixar as suas casas. As crianças britânicas ainda podem ir à escola, enquanto que os seus companheiros europeus não. As lojas estão abertas na Suécia, mas estão fechadas noutros países.

Como entender estas realidades conflituantes quando nós, cidadãos europeus, somos afetados pelo vírus de forma igual? Como assimilar que cada país europeu e pessoas contribuam de forma tão diferente para atingir o mesmo objetivo comum: a contenção da doença numa Europa sem fronteiras?

À medida que as autoridades da União Europeia (UE) lutam por algum tipo coordenação, e ainda precisam de aprovar medidas orçamentais e de auxílio estatal à economia europeia, a Alemanha fecha as suas fronteiras. Ao mesmo tempo que um número recorde de cidadãos, incluindo os mais eurocéticos, recorrem à UE em busca de soluções de emergência, Bruxelas parece desamparada. Mas quem devemos culpar pela atual situação? Afinal de contas, esta é a experiência mais próxima da guerra alguma vez vivida pela grande maioria de nós, cidadãos europeus.

Se a tentação é culpar o próprio projeto europeu, isso será um erro.

Apesar das expetativas crescentes, a verdade é que a própria UE não pode fazer muito numa situação de emergência sanitária. A UE não pode fechar escolas, suspender campeonatos de futebol ou ‘isolar’ cidades europeias. A União nem sequer pode encerrar as fronteiras para evitar a propagação do vírus. Apenas os estados-membros podem tomar essas decisões.

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No entanto, a UE pode mitigar o impacto socioeconómico da pandemia. Foi precisamente isso que fez ao oferecer flexibilidade na aplicação das regras europeias sobre o défice orçamental aos estados-membros e um pacote de investimento de 25 mil milhões de euros para financiar o combate contra o Covid 19 em todo o continente.

E, assim, se o leitor pensa que a UE não está a fazer o suficiente, então deve culpar as capitais europeias e os líderes políticos nacionais que fingem não saber que a nossa interconexão social, económica e política requer respostas coordenadas em toda a UE.

Apesar dos limites inerentes à União, os 27 ministros da Saúde da UE poderiam — voluntariamente — decidir agregar os seus poderes soberanos de emergência. Poderiam, por exemplo, começar a coordenar a sua resposta sanitária, adotando uma linha comum no que diz respeito aos testes, contenção, quarentena e distanciamento social.

Embora não sejam a isso obrigados pela União Europeia, espera-se cada vez mais que os líderes nacionais o façam pressionados por uma verdadeira Opinião Pública Europeia. Em vez disso, na ausência de uma abordagem pan-europeia ao combate ao COVID-19, cada país adota a sua própria resposta, não apenas em termos de timing na tomada de decisões, mas também de escolha dos instrumentos e, em última análise, da estratégia geral de contenção. Essas restrições já afetam mais de 200 milhões de cidadãos da UE. Com o passar do tempo, muitos mais em breve serão afetados por essa compressão sem precedentes das liberdades pessoais em plenas democracias liberais.

Embora em tempos normais possa ser positivo ter diferentes respostas testadas pelos governos da UE numa lógica de federalismo experimental, numa situação de emergência esta abordagem fragmentada pode rapidamente revelar-se autodestrutiva. De facto, a coexistência de abordagens totalmente divergentes e muitas vezes contraditórias dentro do mesmo continente contra o Covid-19 está já a produzir consequências indesejadas e dispendiosas.

A mais tangível dessas consequências é a reintrodução de medidas de controle fronteiriço entre os 26 países do Espaço Schengen. Isso é percecionado como necessário na medida em que diferentes medidas restritivas motivam os cidadãos a atravessar as fronteiras, potencialmente contrariando os efeitos sanitários pretendidos pelas medidas aplicadas. Milhões estão preocupados em fazê-lo à medida que mais restrições são anunciadas.

Embora as restrições de fronteira não tragam nenhum grande ganho sanitário — retardando sim a livre circulação de trabalhadores e bens necessários numa situação de emergência —, essas restrições são uma resposta à incapacidade dos estados-membros da União de elaborarem um plano de ação coordenado para impedir que esses movimentos transfronteiriços aconteçam.

Ao paralisarem uma área sem fronteiras como o Espaço Schengen, os políticos nacionais colocaram a vida de milhões de cidadãos europeus móveis sob restrições adicionais e severas. E um cidadão húngaro que viva na Alemanha e pretenda visitar sua família idosa em casa? Não apenas será automaticamente colocado em quarentena ao entrar no seu país de origem, como será igualmente impedido de regressar à Alemanha.

Uma das conquistas mais extraordinárias da União é subitamente questionada devido à relutância dos seus estados-membros em se coordenarem numa situação de emergência. Após duas décadas de praticamente incondicional circulação sem fronteiras, milhões de nós estamos a ter um estranho sentimento de perda.

Há razões para acreditar que, se uma resposta coordenada em toda a UE fosse implementada, não apenas as restrições de fronteira poderiam ter sido evitadas (como não seriam mais justificadas), como as opções de confinamento sairiam enriquecidas por uma maior variedade de conselhos técnicos, perspetivas científicas e um mais amplo debate público.

Como ponto de referência, vamos considerar os estados-membros da UE não como territórios unitários, mas sim como um conjunto de regiões. Se considerássemos essas regiões à medida que se estendem pelas fronteiras nacionais da Europa, as medidas projetadas em escala também seriam mais personalizadas, proporcionais aos objetivos declarados e potencialmente mais preservadoras da liberdade.  Assim, a eficácia da proteção da saúde e a legitimidade das atuais intervenções de risco nacionais, muitas vezes draconianas, seriam fortalecidas.

Por fim, a abordagem europeia ao Covid-19 revelou uma verdade desconfortável. Dado o nível sem precedentes de interconexão socioeconómica existente no nosso continente, as soluções de estado-nação podem fazer mais mal do que bem, oferecendo uma mera ilusão de segurança a cada um dos povos nacionais.

Como cada abordagem nacional contra o Covid-19 implica diferentes trade-offs, e estes têm distintas consequências para os diversos países, há um argumento moral — embora ainda não jurídico — para que nossos líderes nacionais coordenem, urgentemente, as suas intervenções em matéria de saúde pública. À medida que mais e mais cidadãos europeus se isolam em confinamento doméstico imposto ou autoimposto, o imperativo dos líderes nacionais pensarem, agirem e protegerem os cidadãos europeus, independentemente de estes se contarem ou não entre os seus potenciais eleitores, tornar-se-á ainda mais urgente com o passar do tempo.