As principais religiões monoteístas à face do planeta nasceram, todas elas, há muitos séculos, quando os homens buscavam explicação para tudo o que ainda não conseguiam compreender. O mundo era uma coleção de mistérios: o clima, as boas ou más colheitas, os desastres naturais, os eclipses, o nascimento e a morte, as doenças e as pragas. A necessidade de justificar tantos fenómenos cujas origens estavam para lá do saber disponível levou, desde sempre, à invenção de muitas divindades.
As religiões copiaram-se umas às outras e são produto das épocas em que foram criadas. O judaísmo herdou do zoroastrismo o conceito de Deus e do Diabo, da ressurreição e da vida eterna, e o cristianismo reinventou-os e o Islão recriou as mesmas ideias uns séculos mais tarde Quase todos os ritos das diversas crenças que foram surgindo baseavam-se em cultos de divindades de anteriores civilizações. Tudo foi arquitetado pelo homem, pela sua criatividade ou falta dela, baseando-se em mitos e lendas que existiam pelo mundo e que construíam explicações possíveis para acontecimentos inexplicáveis à luz do conhecimento do passado.
Com o avanço da ciência e do conhecimento, foram-se sucedendo aclarações tortuosas e reinterpretações das tradições religiosas, para que os absurdos escritos em épocas pré-científicas pudessem continuar a fazer sentido. Em muitos casos, o que está escrito nos vários livros sagrados de diversas religiões passou a ser entendido como narrativa simbólica e não literal, porque já não era possível acreditar no que contavam as escrituras.
No século XXI, nenhuma explicação que passe por um ser superior, omnipresente e omnipotente, criador do céu e da terra, faz qualquer sentido. Darwin publicou a origem das espécies há 160 anos, Watson e Crick decifraram a estrutura em dupla hélice do ADN há 70 anos. Conhecemos o átomo, as moléculas, as células. Estimamos que o universo tenha nascido há 14 biliões de anos e temos a certeza que não foi criado em 6 dias. Sabemos prever o tempo para os próximos dias e compreendemos a causa de relâmpagos e trovões, terramotos e vulcões, marés e tempestades. Sabemos o que são vírus e bactérias e a origem de muitas doenças e avançámos profundamente na forma de tratar enfermidades. A medicina substituiu as rezas, com enorme vantagem para a humanidade.
As explicações que as várias religiões atribuíam aos fenómenos naturais, sejam elas castigos divinos ou graças concedidas, não deveriam ter lugar no século XXI. Nem tão pouco a cultura pré-medieval espelhada na Bíblia, na Torah ou no Corão. Os livros sagrados não condenam a escravatura – bem pelo contrário – porque na época em que foram escritos a escravatura era aceite com normalidade. Custa a acreditar que divindades tão perfeitas não tenham reparado na crueldade subjacente à servidão, mas os livros sagrados limitam-se a regulamentar o tratamento dos escravos. A homossexualidade é condenada de forma simples na Bíblia: “Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte”. Provavelmente por ter sido escrita por homens, não há castigo na Bíblia para uma mulher que deite com outra mulher.
Na maior parte das religiões, as mulheres são menosprezadas e todas ensinam uma moral sexual artificial e restritiva, aparentemente em defesa dos homens que se viam a si próprios como donos das suas esposas.
Ao longo dos séculos, houve alguma evolução na forma como se olha para as crenças religiosas. O laicismo entrou nas constituições de muitos países, já não sofremos às mãos da criminosa Santa Inquisição, mas ainda temos países em que se pratica a execrável Sharia. Perseguem-se heréticos e blasfemos, como antes se perseguiam pretensas bruxas. No mundo católico, durante muito tempo, dizia-se que as crianças sem batismo não tinham lugar no céu. Esta era uma história desumana para meter na cabeça de uma criança, que ficava a acreditar que ele ou outros meninos estariam condenados a passar a eternidade num limbo – isto se não tivessem cometido nenhum pecado, porque nesse caso iriam diretos para a tortura perpétua no Inferno. Há crianças mutiladas à nascença, por tradição religiosa. Pessoas em sofrimento não são convenientemente tratadas porque, segundo uma interpretação grosseira de alguns parágrafos da Bíblia, há quem acredite que as transfusões de sangue são proibidas por Deus. Há quem julgue pertencer a um povo escolhido e por isso ser superior ao resto da humanidade. Continuamos a viver num mundo onde milhões de jovens são instruídos em madraças a odiar quem não segue o mesmo culto. O terrorismo religioso é uma realidade bem atual, bem como as guerras santas. Em nome da religião, meninas são proibidas de ir à escola, mulheres são açoitadas em público e decapitam-se descrentes. Um enorme menu de horrores a que não escapa quase nenhuma religião.
As catástrofes são momentos em que se pode observar a total dissonância cognitiva que grassa entre os crentes mais fervorosos. Agradece-se a uma divindade omnipotente por ter sido salvo de um terramoto, nunca questionando por que razão essa mesma divindade provocou a devastação que matou tantos milhares de pessoas. Afinal, é um Deus bom ou Deus mau? É um Deus misericordioso ou vingativo? A resposta é que depende. Pode ser tudo o que quisermos porque é apenas uma questão de fé num ser imaginário. A lógica não é para aqui chamada.
Em 2021, a fé em divindades faz tanto sentido como o reiki, o tarot, a homeopatia ou a astrologia. São crenças sem fundamento científico, infalsificáveis no sentido de Popper, e representam um contrassenso e um desafio à ciência e ao conhecimento. Mas é, obviamente, uma opção livre de cada pessoa acreditar nas tradições recebidas das famílias e das comunidades onde nasceram. O direito ao culto deve ser protegido, tal como o direito à livre opinião, à liberdade de expressão ou de associação, devendo o poder político ficar de fora, não limitando, beneficiando ou prejudicando qualquer instituição religiosa.
Uma das maiores mistificações à volta das religiões é que, sem estas, não há moral. Um site católico explica que um ateu “não tem nenhuma razão final para agir eticamente porque não existe uma autoridade moral final sobre cada esfera de sua vida”. Como se o respeito pelos outros, pela liberdade individual, pela cidadania só pudesse ser transmitido por uma qualquer das crenças milenares e o bom-comportamento de cada pessoa vivendo em sociedade se devesse, exclusivamente, ao temor do castigo divino. Como se fosse impossível, para qualquer pessoa que não observe a mesma crença, distinguir bem do mal.
Entre os 10 países com maior percentagem de agnósticos e ateus no mundo, estão o Japão, a Suécia, a Noruega, a Austrália ou a Dinamarca. (Gallup 2017) Dificilmente se podem ver estas nações como antros de criminalidade ou de baixos padrões éticos e morais.
Dizia um humorista, possivelmente parafraseando Richard Dawkins, que há 3000 religiões no mundo e os crentes não acreditam em 2999. Um ateu é apenas alguém que não acredita apenas numa mais.