A carga fiscal em Portugal cresce incessantemente e bate recordes todos os anos. Os portugueses não pagam hoje menos impostos que nos anos em que Portugal esteve intervencionado pela troika. Bem pelo contrário, suportam hoje uma carga fiscal bem superior à que se seguiu ao “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar. O virar de página da austeridade é um logro que foi transmitido através de uma boa campanha de comunicação, mas que não encontra qualquer fundamentação na realidade.

Há uma narrativa constante por parte do governo e do Partido Socialista relativa aos impostos que atribui o aumento da carga fiscal à baixa do desemprego. Este argumento não é muito sólido porque quando alguém deixa o desemprego e passa a trabalhar, a carga fiscal não deve aumentar, uma vez que o PIB, na ótica do rendimento, inclui a soma das remunerações de todos os trabalhadores. Admitindo que os salários nos novos empregos estão na média dos salários dos trabalhadores que estavam no ativo, a carga fiscal sobre o trabalho deveria manter-se igual.

A carga fiscal tem crescido e, nestes últimos dois anos, aumenta também porque o governo aproveitou-se da inflação para dilatar significativamente o IRS dos portugueses, ao não atualizar os escalões marginais do imposto de forma que acompanhassem o crescimento dos preços. O mesmo aconteceu com a dedução específica que nunca foi atualizada desde que António Costa tomou posse, bem como os limites de deduções permitidas que nunca acompanharam o Índice de Preços. Em termos reais, a dedução especifica está hoje 16% abaixo do que era quando o Partido Socialista chegou ao governo.

Entre 2021 e 2023 houve uma inflação acumulada de 12,6%, segundo o INE. Para manter os impostos iguais, as taxas efetivas de IRS deveriam ser as mesmas para quem em 2023 recebesse um salário 12,6% superior a 2021. Acontece que a verdade é muito diferente.

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Usando os simuladores disponíveis, podemos calcular quanto é que portugueses pagaram a mais de IRS nestes últimos anos, admitindo salários constantes, isto é, salários que acompanhassem a subida geral dos preços.

A tabela que se apresenta mostra bem a subida dos impostos sofridas por quem em 2023 ganhava o mesmo salário real que em 2021. O exemplo apresentado é para solteiros sem dependentes e sem deduções, mas poderia ser feita para qualquer outro cenário com idênticas conclusões.

Alguém que ganhasse 1000 euros por mês brutos em 2021 e mantenha o mesmo salário real em 2023, ou seja, tenha tido um aumento nominal de 12,6%, pagou verdadeiramente mais 9,4% de IRS. Passou de uma taxa efetiva de 11,9% para 13,1%. Como se pode ver pela tabela, os aumentos foram mais significativos para salários próximos dos 1000 euros, o que se entende, por ser onde está a grande massa de pagadores do imposto. Aumentaram menos para quadros qualificados e diretores de empresas, onde as taxas de imposto já eram extremamente castigadoras do trabalho.

Fonte para os dados: PWC Tax Summaries

Percebe-se melhor a situação portuguesa quando comparamos Portugal com os países do “nosso campeonato”. O gráfico seguinte mostra as taxas marginais que afetam os vários níveis salariais em diferentes países – e são dados de 2022, antes do significativo aumento de IRS de 2023. Como se vê, em praticamente todos os níveis de rendimento ninguém suporta mais impostos que os portugueses.

A conclusão é simples: nos últimos dois anos o IRS aumentou significativamente através de truques com escalões e deduções. Estes truques e a tentativa de apresentar ano após ano descidas nominais em algumas zonas de rendimento levaram a que Portugal seja neste momento a país da EU com mais escalões de IRS, contando com as taxas de solidariedade, e em que mais se castigam os rendimentos de trabalho para todos os níveis de rendimento. À enorme pressão fiscal, junta-se uma complicação excessiva. As elevadas taxas de imposto obrigam a que para diferentes tipos de rendimento se criem tributações autónomas e exceções, uma vez que o simples englobamento resultaria no fim de muitas atividades económicas.

Em resumo, o Partido Socialista governa com cargas fiscais bem superiores aos do período da troika, aumentou significativamente o IRS nos últimos dois anos e confia na iliteracia financeira para tentar passar uma narrativa diferente.