Como apresentado neste espaço, necessitamos de um melhor funcionamento da União Europeia (UE). Tal servirá para corresponder às expetativas dos seus cidadãos, e lidar bem com as múltiplas crises que assolam não só o continente, mas o planeta.
Existem, como sempre existiram em política, diferentes visões de como resolver esses problemas. O Parlamento Europeu é um exemplo disso, com as famílias políticas estão colocadas num espetro fácil de identificar, desde a extrema-direita à esquerda (mais ou menos sensata). Neste artigo vamos focar-nos no facto de haver valores e ideias liberais que são parte das soluções. E antes que o leitor pense que este será um artigo para uma câmara de eco, não é o caso. Quando se pensa na UE, estes valores e ideias estão operacionais mais do que se pensa. Socialistas e Democratas, Populistas (sociais-democratas), Verdes, e claro, os Liberais, regulam-se pelos princípios-base das democracias liberais: direitos políticos, liberdades individuais e coletivas, Estado de Direito, defesa da dignidade pessoal e de direitos humanos, instituições robustas ao serviço do cidadão, economia de mercado, e estímulo à inovação e empreendedorismo.
Uma agenda com valores e ideias liberais para os próximos anos de construção da UE, aproveitando o ciclo 2024-2029, requer também um compromisso renovado para tratar de necessidades cruciais, como é o caso de serem implementadas formas de defesa e segurança atuantes e integradas, competitividade com grandes blocos económicos, inovação como motor financeiro, trabalhadores com competências para novos trabalhos na era digital, e garantia de sustentabilidade que responda às necessidades do cidadão e das indústrias. Porém isto terá de ser feito em conjunto. Os Estados Membros da União, sozinhos, não têm a capacidade de liderar esta mudança. Só uma coordenação pan-europeia pode manter o bloco como uma força na ordem mundial, uma união no pluralismo. A concórdia entre países da UE ajudará a manter liberdades iguais para todos os europeus, requerendo um quadro extenso de colaboração. O cosmopolitismo liberal não é uma ameaça para a coesão da União, ou para a independência e soberania dos Estados Membros. É sim uma forma de trabalharmos em conjunto, confiando na capacidade do individuo de interagir com os seus vizinhos e legisladores, para defender direitos e liberdades na esfera pública e política.
Quando se pensa na UE virada para o exterior é preciso aplicar o conceito de autonomia estratégica. Este princípio é suportado por valores liberais de autossuficiência e cooperação. Tal empodera os europeus, na vertente social, económica, e industrial, o que ajuda a realizar o potencial que a União tem, desde o mercado único, ao desenvolvimento de tecnologia, até às regulações para melhorar a vida dos cidadãos. Autonomia estratégica está nos antípodas de protecionismo ou isolacionismo, procurando sim desenvolver cooperações seguras com parceiros (e adversários) que são baseadas na defesa de valores fundamentais, proteção da dignidade e direitos humanos, promoção da democracia e igualdade, e salvaguarda do Estado de Direito. Como se pode ler no Tratado de Lisboa, Artigo 3.º, a UE procura contribuir para a paz e o desenvolvimento sustentável, erradicação da pobreza e aumento da solidariedade entre povos, observando a lei internacional.
Num mundo onde tudo se processa muito rapidamente, tanto nas mudanças sociais como digitais, outro valor liberal que é importante é o conforto com a inovação. A UE precisa de apostar no desenvolvimento de soluções inovadoras, num híbrido entre poder humano (criatividade, empreendedorismo, livre iniciativa) e poder tecnológico (robótica, inteligência artificial, soluções digitais). Este permite a abertura a experimentação, a criação de novas soluções, à evolução de ideias existentes. Este é um dos contributos que o liberalismo político, mas também filosófico, tem oferecido à humanidade. Isto estende-se à utilização de novas tecnologias para aumentar a produtividade e estimular crescimento, assegurar uma economia descarbonizada, explorar opções da energia nuclear em segurança, ou de agricultura sustentável e economia circular.
Os pontos apresentados acima são, quase todos, e quase sempre, apoiados na crença no indíviduo, na sua capacidade, na sua força, na sua vontade, e na forma como se movimenta na esfera privada, pública, política e governativa. Tal exige que esse indivíduo seja capaz de escolher o seu futuro, de procurar um amanhã onde a sua vida, e a dos outros, seja melhor. Isto requer que o Estado, as instituições, os atores privados sejam capazes de providenciar a todos, ou aqueles que o procuram, as condições para ter sucesso, com acesso a educação (contínua), a meios de financiamento, ao domínio da informação, ao trabalho em sociedade.
Um cidadão confiante e trabalhador estará equipado para ajudar a comunidade onde se insere, e por inerência a sociedade à sua volta, não estando assim dependente que tudo lhe seja oferecido ou subsidiado. Este é um valor liberal que tem ajudado à criação de uma UE mais moderna. Quando se pensa nos desafios que se apresentam, é preciso munir os cidadãos com treino (e re-treino) para lidarem com novas formas de emprego e trabalho, apostar nas micro, pequenas e médias empresas, na regulação do espaço informacional, na melhoria da burocracia, e investir em comunidades locais com uma expansão do regional para o continental harmoniosa, e segundo o princípio da subsidiariedade.
De dizer, e reconhecendo o mérito, que a UE, particularmente com o trabalho do Parlamento Europeu e Comissão Europeia, já muito se fez para aproximar a União, e por inerência os Estados Membros, a estarem prontos para lidar com os desafios de transformação, e lidar com as crises que existem e as que vêm a caminho. Porém, com o crescimento de movimentos populistas, autoritários, iliberais e isolacionistas, continua a necessidade de serem os valores das democracias liberais a iluminar o caminho, para uma União mais perfeita, e para europeus mais livres e felizes.