1.Nos últimos séculos da Igreja Católica, várias têm sido as crises…
Primeiro, tivemos a crise protestante: “Cristo sim, Igreja não”; depois, surgiu uma espécie de Deísmo Universal: um deus impessoal, abstracto, distante… que se poderia resumir em: “Deus sim, Cristo não”. Cristo seria um excepcional mestre, um exemplo a seguir, uma inspiração…, mas não mais do que isso.
Actualmente, temos as espiritualidades “grande superfície”, energéticas, multiusos, de consumo… cujo lema é: “Espiritualidade sim, Religião não”. Esta versão mais recente tem vários sabores, várias cores, várias expressões; ela foi-se introduzindo lentamente na seio da Igreja, e, naturalmente, também dentro dos seus movimentos, buscando e cultivando uma certa paz, uma harmonia, um relaxamento interior, mas sem que tal exija grandes mudanças de vida. É uma espécie de religiosidade de consumo que busca um bem estar interior sem, contudo, a necessidade, a exigência, e o desafio da Conversão!
Também se infiltrou na Igreja e, também aí, na sua versão católica, tem o seu espaço de acção sob a forma de uma espécie de “Cristianismo sem Cristo”. Estas novas “espiritualidades” são, na Igreja Católica, uma realidade crescente.
2. Temos, cada vez mais, um Cristianismo que menciona Jesus, mas não menciona Cristo, não menciona a Cruz, ignora os pregos. A mensagem apresentada é, então, frouxa, sentimental, moralista, psicológica, de auto-ajuda e bem-estar pessoal… em suma, profundamente redutora, incompleta e, finalmente, egoísta.
Em vez de nos submetermos à autoridade, aos padrões e critérios de um Deus vivo, pessoal, amoroso que, para que não houvesse “dúvidas”, se revelou ao Homem, inventamos um deus à medida das nossas necessidades, medos e fantasias; projectamos um deus de acordo com as nossas opiniões, apetites e sensações. É uma espécie de deus-Ikea que está na base da pequena grande mentira que construímos para nós próprios, e que se poderia resumir a um deus : “faça você mesmo”;
Curiosamente, falamos agora mais de “paz de espírito” do que de “paz com Deus”. Esta cosmovisão de viés psicológico distorce gravemente a essência do Evangelho. Dizia um importante teólogo: “O homem cristão nasceu para ser salvo; o homem psicológico nasceu para ser feliz.”
3. Muito ligado e esta maneira de pensar e viver está a deturpação do conceito de Misericórdia. Há muitas confusões, contaminações, erros e manipulações quando se fala de amor, de carinho, de inclusão, de solidariedade, de ajuda; em suma, quando se fala de Misericórdia! Uma coisa é a sensibilidade, a emotividade, a empatia… ,outra, a Caridade Cristã! Somos sensíveis aos dramas e sofrimentos do próximo, somos empáticos, cuidadosos, generosos… mas tal nunca poderá equivaler a dizer Sim a tudo e, sobretudo, aceitar como Verdade aquilo que não é Verdade. A Caridade Cristã tem de ser percebida e discernida pela razão; é pois uma grande deformação da virtude pensarmos que a Caridade é um mero sentimento, uma simples emoção, um adorno ou consolo.
Misericórdia também não é Relativismo, ou seja: – “fica tranquilo, não se passa nada, está tudo bem, não existe o pecado, Deus é misericordioso, não te preocupes, aceita-te como és, sê o que tu quiseres”. Esta maneira de pensar e sentir, penetrou muito no meio católico e com ela está-se, perversamente, a relativizar e a desdramatizar o mal, o erro, o feio, o pecado…
Não somos Relativistas, achando que podemos invocar apenas a nossa opinião, a nossa subjectividade, e as nossas emoções e preferências. Muito mais importante do que ter uma opinião, alegadamente nossa, é ter uma opinião certa!
4. Frequentemente, a nossa igreja está tão preocupada em ficar bem na fotografia, em ser prática, útil, bem-sucedida e moderna… que, em vez de ser caminho de Salvação, não passa de um espelho do mundo. Parece inevitável a queda no abismo do mundanismo.
A “busca pelo Sagrado” é, em grande medida, orientada para o que acontece dentro de nós, de acordo com a nossa experiência pessoal, e não no que Deus fez por nós, na História. Estamos demasiado centrados no nosso frenesim paroquial, no nosso voluntariado e activismo exacerbados. Como dizia Bento XVI, há uma espécie de “terapia eclesiástica do fazer”. Deus e Jesus ainda são, então, importantes, porém mais como subsídios do show que vamos montando, do que propriamente como o verdadeiro Centro da nossa vida cristã.
Jesus Cristo não é apenas um bom exemplo, um poema, uma inspiração!
Jesus Cristo é cada vez mais visto como um Coach, um Personal Trainer, um Guru político-revolucionário, um exemplo moral… em vez de ser visto como o Cristo-Redentor.
Hoje em dia, pretende-se traduzir a imagem de Cristo de acordo com as categorias da cultura dominante; eliminar tudo o que “ofende, choca ou incomoda” o politicamente correcto. E porquê? Porque a religião, dizem-nos repetidamente, tem de ser razoável, plausível, tem de se adaptar ao mundo, tem de se modernizar. No fundo, pretende-se, como dizia um importante pastor, renunciar a cristianizar o mundo, para domesticar e mundanizar o Cristianismo.
Há quem queira reduzir a Igreja a uma mera construção humana, de boas vontades. Confiar-se-ia o seu governo à maioria, ao jeito das democracias moderna, mas tal seria fazer da igreja mais um projecto humano, mais uma sociedade humana… e não o Povo de Deus, a família humana, por Ele fundada ! A Secularização do mundo tem metástases que se introduziram na Igreja e estão a transformá-la numa instituição global, “poderosa”, artística, cultural; caritativa, filantrópica mas…, por outro lado, mundana, vulgar, horizontal, secularizada. Ela está, assim, a perder a sua dimensão sobrenatural, transcendente e divina; ela está a perder a sua dimensão da Graça… que só Deus pode dar!
5. Cristianismo sem Cristo é, então, transformar a igreja numa ONG, num clube, num centro de saúde…. E isso seria dramático, seria mais do mesmo. Claro que a Igreja Católica está no mundo, está na realidade e tem de responder ao “homem imanente”, isto é, ao homem deste mundo, ao homem que tem fome de pão, de casa, de bens materiais. Mas tem, sobretudo, de responder ao “homem transcendente”, ou seja, ao homem profundo, ao homem que tem fome de vida eterna, de felicidade infinita, de sentido, de imortalidade, da espiritualidade, do sagrado, da esperança, da plenitude, da felicidade.. E só Cristo é a resposta para tudo isto!
Palavra chave, maior desafio jamais colocado ao Homem, palavra das palavras: CONVERSÃO. “- Homens do mundo, convertei-vos”, disse Jesus Cristo.
Todos nos sentimos ansiosos, divididos, com dúvidas e incertezas; todos nos sentimos culpados, por vezes! Todos temos dramas e crises interiores. E e qual é o drama? Não será tudo isto normal? Devemos, por isso, usar esse quadro “negativo”, doloroso, ambíguo, de falsidade perante nós próprios, por vezes… para incentivar e promover o nosso crescimento interior e a sua permanente “desintegração positiva” e, a partir desta, reestruturar-nos e renascermos como pessoas novas, mais fortes, mais consistentes. Em suma, para que possa nascer o tal “Homem Novo” de que tanto fala o Evangelho!
Só assim, então, podemos ser pessoas melhores, mais maduras, mais livres e responsáveis e, finalmente, para melhor podermos responder ao convite à Santidade a que todos somos chamados.
Nota: este artigo resulta de uma iniciativa individual e o seu conteúdo não vincula qualquer posição institucional do CNE