Caro leitor, o tema que me traz hoje pode não ser dos mais “sexy”, mas é um assunto que deveria preocupar todos os cidadãos, pois envolve o uso de dinheiros públicos, para a cultura.

Faço já a minha declaração de interesses: sou a favor que as autarquias invistam na cultura, contratem artistas de renome para dar espetáculos para os seus munícipes, mas ao mesmo tempo que invistam localmente, nas suas coletividades, artísticas e musicais, sejam elas bandas filarmónicas, grupos teatro, coros, grupos de cavaquinhos e outras formas de manter o património local e desenvolver as comunidades.

É público que há artistas populares que trabalham com “valor-tabela”, como por exemplo a Rosinha e o Quim Barreiros. São valores públicos, disponíveis a serem confirmados no portal BASE e são iguais, quer numa localidade algarvia, quer num arraial académico, quer numa festa de Lisboa ou do Porto (6000 e 10000 euros, respetivamente, em 2024).

Entretanto, temos outros artistas que, em nome individual, cobram 1 valor, mas, quando contratados por um promotor externo, os valores acabam por disparar.

Na revista Sábado, do passado dia 28 de Maio, saiu um destes exemplos. Paulo de Carvalho cobra cerca de 8.000€ por um concerto a solo. AGIR cobra 12500€ por concerto a solo. A Câmara de Grândola (CDU) contratou os 2 artistas para o concerto de 25 de Abril, através da produtora Sons em Trânsito, por 109704,60€ + IVA, por ajuste direto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Aqui começam os problemas de se acentuarem as desigualdades e as dúvidas com o dinheiro público ter de ser empregue de forma mais criteriosa e justa. Há uma pergunta que fica: qual o valor acrescentado que a promotora trouxe, para lá de mediar os artistas, para justificar esta diferença de 80 mil euros?

São precisas explicações, pois em Grândola existem outras coletividades, a quem algumas centenas ou até milhares de euros desta diferença abissal de pagamento dariam muito jeito para pagar despesas com funcionários e manutenção dos edifícios. Algumas vivem muito da boa-vontade e dedicação dos locais, como a Fraternidade Grandolense.

As autarquias podiam e deviam apoiar mais os artistas locais, mas algumas vezes são os primeiros a discriminar os mesmos.

Em 2022, em Sintra, as coletividades filarmónicas (bandas filarmónicas) receberam zero euros da Câmara Municipal, pois: “como em 2021 as coletividades não cumpriram os serviços do protocolo PAMACS, terão que os executar, sendo o seu financiamento em 2022, por conta do dinheiro avançado em 2021”.

Tenho a informar o leitor que em 2021 as coletividades foram impedidas de trabalhar, por ação das restrições da Covid-19, que bloqueou várias vezes as possibilidades de atuações, até em jardins públicos. Mas, os custos com aulas com os alunos da escola de música, com os professores, colaboradores, maestros e com o funcionamento dos edifícios, continuaram.

Resultado, 2022 foi um ano duro para as coletividades musicais em Sintra, que tiveram de viver do dinheiro que tinham em caixa, fora poupanças para outros investimentos (instrumentos, remodelações), para combater esta atitude camarária. Pelo caminho, tiveram de intensificar a atividade musical, para que em 2023 não sofressem atitude igual, por parte da Câmara.

Ao invés, no concelho vizinho de Cascais, as coletividades culturais foram sempre apoiadas, mesmo limitadas no seu funcionamento. Os autarcas locais não retiraram dinheiro, como puseram as mesmas a serem polos de ligação com a comunidade, durante o combate à pandemia Covid-19 (ex: venda máscaras).

Apesar destes exemplos que acentuam desigualdades, devemos ter orgulho dos nossos compatriotas, temos dos melhores músicos, que passaram pelas melhores orquestras mundiais (Orquestra Filarmónica Berlim; Orquestra da Ópera de Zurique). Temos também dos melhores atores, com casos de renomeado sucesso, como a Daniela Melchior, Joaquim de Almeida ou Daniela Ruah.

No final do dia, temos bons executantes culturais portugueses, sendo este tópico aquele em que melhor se aplica o ditado popular: “Fazer omeletes sem ovos”!

Ou, relembrando o jargão popular do comediante e apresentador Fernando Mendes (Preço Certo): “Espetáaaaculo!”.

Num país onde a cultura é um “parente pobre”, com menos de 1% do Orçamento de Estado, devemos exigir que os dirigentes autárquicos sejam os primeiros a diminuir as desigualdades, usando o dinheiro público com critério e justiça.

Expliquem detalhadamente aos cidadãos que não há “concertos grátis”, mas que quando investem nesses espetáculos para a comunidade, haja uma real e justa distribuição de recursos por todos os agentes envolvidos, de forma transparente.

Que, no final do dia, se comece a incentivar a cultura, de forma justa e linear: “atuar local, pensar global.”