Reli recentemente Dom Quixote de la Mancha, de Cervantes, um livro que é muito mais do que a sua história.
Resumidamente, o livro, narra as aventuras e peripécias de Dom Quixote, um burguês de meia idade que, depois de ler muitos livros, contos e romances de cavaleiros, assume-se como tal. Assumindo-se cavaleiro (é um taberneiro que o arma), decide lutar para provar o seu amor por Dulcineia, uma donzela imaginária (que é na realidade uma camponesa). Para isso recruta um escudeiro, Sancho Pança, de quem se tornará amigo e que o acompanhá-lo-á.
As suas venturas misturam mais sonhos que realidades, combatendo, moinhos de vento ou rebanhos de ovelhas, como se fossem exércitos inimigos ou alvos a abater.
Ao longo do livro, Dom Quixote é muitas vezes derrotado, “conquistando” assim o cognome de “Cavaleiro da Fraca Figura”. No entanto, após cada derrota e até mesmo humilhação, ergue-se e continua atrás daqueles que são os seus objetivos.
Só retorna a casa quando é vencido numa batalha por um outro cavaleiro, que é um seu amigo, Sansão Carrasco que assume o papel de um cavaleiro rival para o ajudar. Nos seus últimos dias, recupera a consciência e a razão, desculpando-se junto dos seus familiares e amigos.
Este livro ensina aos empresários a importância de existir uma missão, aos casais a importância do sonho, aos amigos a relevância da sua incondicionalidade, aos políticos a humildade do espirito de serviço.
Ler esta obra de Miguel de Cervantes é mergulhar na nossa humanidade. As venturas e desventuras de Dom Quixote fazem-nos pensar a vida e na vida e despertam em nós o desejo de lutarmos por um mundo melhor, mais justo, mais livre e mais humano.
Miguel de Cervantes, consegue-nos ainda, passar mais do que uma história, uma forma de ver o mundo. Todos somos diferentes, com histórias diferentes, caminhos diferentes, mas todos temos um Dom Quixote dentro de nós. Todos temos um círculo onde nos fechamos. Uns mais do que os outros. Uns círculos com uns muros mais difíceis de transpor do que outros. Dom Quixote sai desse círculo, assumindo viver a sonhar.
“Sonhar o sonho impossível, lutar contra o inimigo impossível, correr onde os bravos não ousaram, alcançar a estrela inalcançável. Esse é o meu caminho e minha harmonia. “
Dom Quixote vive no mundo dos sonhos. Apaixonado, com um fiel escudeiro, tem nas suas certezas algo que o move. Sonhar o impossível é o primeiro passo para o tornar exequível.
Neste livro constatamos, ao contrário do nosso herói, que vamos sendo isolados pelo conforto de não entrar em confronto. Por vezes, nas nossas histórias, somos isolados ou fechados no nosso círculo, por alguém que não tem segurança própria, e que entende ser esse o caminho para mitigar as suas inseguranças e nós acedemos pelo que gostamos, por ser mais fácil. Outras vezes somos isolados por circunstâncias que nos bloqueiam os movimentos, as decisões, por medo do julgamento externo, pelo medo do falhanço ou até mesmo do embate.
E quando damos por isso, sentimo-nos reféns dentro do círculo e muros que construímos, e apesar de não estarmos sozinhos, estamos isolados. Dom Quixote ensina-nos que os muros não são tão altos e que por vezes até nem existem.
Aprendemos, com Dom Quixote que quanto mais realizado estamos, mais conseguimos ser. Aprendemos que a confiança não nasce por estarmos só dentro do círculo. A confiança nasce do que conhecemos para além de nós.
Dom Quixote consegue-nos passar que a vida é perfeita como ela é, e que, com vontade, dignidade, persistência e com as pessoas certas, como seu fiel escudeiro Sancho Pança, ou o amigo Sansão Carrasco, todos podemos mudar o mundo, valorizando assim o conceito da amizade. Temos, com eles e em comparação com os dias que vivemos, a consciência de que abdicamos por vezes de amigos que não cumpriam com o “normativo” que criaram para nós, de amigos que nos podem ‘desencaminhar’, de actividades que nos realizavam, mas que agora somos convencidos de que são entrave à vida que queremos, que alguém quer para nós. E todas as escolhas são quase que opções entre o que temos ou o que vai acabar com o que temos. Abdicamos do que éramos, para ser o que queriam que fôssemos. E muitos de nós aceitámos esse caminho.
Isso acontece quer na vida pessoal, quer na vida profissional, quer na vida social, simplesmente acontece.
Com ou sem círculo o ideal seria termos ao nosso lado, em todas as vertentes da vida, sempre com momentos uns mais fáceis, outros difíceis, pessoas que potenciassem o melhor de nós. Nos fizessem acreditar que o céu é o limite. Pessoas que nos fizessem sonhar.
E quando temos pessoas assim, pessoas que nos fazem sonhar, acreditar, pessoas que nos potenciam, nunca teremos espaço para outros. Teremos sempre o melhor de nós.
Quando isso acontece no trabalho, vestimos a camisola, e damos o nosso melhor.
Quando acontece na vida pessoal temos um amor para a vida que nos faz bem, nos faz crescer, nos torna melhor pessoas.
Quando acontece com os amigos criamos laços para além do que seria pensável.
Quando acontece com os filhos damos-lhe a oportunidade de serem pessoas boas, com sonhos e com muros baixos ou fáceis de transpor.
Quando acontece com os políticos vimos países crescer, com sucesso e sem grandes clivagens na sociedade e assim nascem nações.
De facto é importante uma carreira, uma situação financeira confortável, uma boa casa, um bom carro, amigos para um copo, filhos em bons colégios, familiares para nos receberem nos fins de semana, mas mais importante que isso é termos uma boa carreira naquilo que nos realiza, ter uma situação financeira que nos dê aquilo que precisamos, uma casa que seja suficiente para nos sentirmos acolhidos, um carro que simplesmente nos transporte, amigos que nos digam o que precisamos de ouvir e não onde fica bem jantar ou estar, filhos que tenham orgulho no que lhes damos e humildade para sentirem como os amamos, familiares que estejam não só ao fim de semana, mas sobretudo sempre que seja importante estar.
Ter tudo muitas vezes é não ter nada. E agora não falo dos filhos. Falo da vida. Os filhos são e serão sempre a nossa maior e melhor realização. O que digo é que a vida é muito mais para alem do círculo, é muito mais para além do que digo ou escrevo. É aquilo que Dom Quixote, nos consegue mostrar.
Este livro ensina-nos muitas coisas. Uma delas é a ter receio da mudança, mas enfrentar esse receio com a certeza de que todos os dias são escolhas… é um sentimento estranho. Saber que a mudança faz parte da vida e que mudar às vezes é uma escolha que é feita sobre outras tantas. Vamos fracassar algumas vezes, sofrer outras tantas, mas no fim o caminho será sempre o que nos leva ao nosso melhor destino.
Com Dom Quixote, aprendemos que o importante não são as vezes que falhamos, são sim as vezes em que damos conta que somos muito mais que escolhas dos outros, somos as nossas próprias escolhas.