A 10 de Dezembro de 2012, um discurso a duas vozes, proferido por Herman Van Rompuy, enquanto Presidente do Conselho Europeu, e José Manuel Durão Barroso, na qualidade de Presidente da Comissão Europeia, assinalava um momento de júbilo especial para a União Europeia: a concessão à UE do Prémio Nobel da Paz por «durante mais de seis décadas ter contribuído para o avanço da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa».

A alocução foi intitulada “Da guerra à paz: Uma história europeia”. Esta não apenas assinalou marcos importantes do processo de reconciliação europeia como sublinhou a inexistência de “fins da História” e alertou para o facto de a guerra parecer «inconcebível» naquele momento, mas não ser «impossível».

Para Van Rompuy, o que tornou a paz europeia «especial» e «duradoura» foi a reconciliação efectiva que se verificou entre os povos e nações europeus, em particular entre França e Alemanha, tendo destacado que que, «Na política como na vida, a reconciliação é a coisa mais difícil. Vai para além de perdoar e esquecer, ou simplesmente virar a página.». A esse propósito, revelou a «“arma secreta” da União Europeia»: «uma forma inigualável de vincular os nossos interesses de forma tão estreita que a guerra se torna materialmente impossível. Através de negociações constantes, sobre um número cada vez maior de temas, entre um número cada vez maior de países. É a regra de ouro de Jean Monnet: “Mieux vaut se disputer autour d’une table que sur un champ de bataille.” (“Mais vale lutar à volta de uma mesa do que num campo de batalha.”)»

Na altura, a Europa confrontava-se com «a pior crise económica em duas gerações» e, por isso, como o próprio Van Rompuy reconhecia, a paz não era a primeira coisa que vinha à cabeça dos mais afectados quando pensavam na Europa. Apesar de exultar com a que tinha sido conseguida e fora duradoura, chamou a atenção para o facto de a história não ser um romance, «um livro que podemos fechar com um final feliz: continuamos a ser totalmente responsáveis pelo que está para vir.»

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A sua fracção do discurso foi mais dedicada à avaliação das realizações e conquistas, reais e simbólicas, da União Europeia do que às potenciais ameaças vindas do exterior, cabendo a Durão Barroso enfatizar que «o desejo de evitar que os mesmos erros sejam cometidos novamente» constituía «o fundamento da nossa abordagem multilateral para uma globalização baseada nos princípios gémeos da solidariedade global e da responsabilidade global» e que «Como uma comunidade de nações que superou a guerra e lutou contra o totalitarismo, estaremos sempre ao lado daqueles que procuram a paz e a dignidade humana.»

Vale a pena revisitar este discurso de há quase doze anos e conhecer a perspectiva dos seus autores quanto a esta nova página, inquietante, assustadora e turbulenta, da História da Europa e à responsabilidade europeia por aquilo que «está para vir».

Recorde-se que, nove anos antes, Robert Kagan, em Of Paradise and Power – America and Europe in the New World Order, já contrapunha o realismo hobbesiano norte-americano ao idealismo kantiano europeu, e chamava a atenção para o facto de que «A garantia nuclear americana privou os europeus do incentivo para gastar o tipo de dinheiro que teria sido necessário para lhes restituir o estatuto de grande potência militar».

De uma forma particularmente ácida, denunciou:

«Para a Europa, a queda da União Soviética não se limitou a eliminar um adversário estratégico; de certa forma, eliminou a necessidade de geopolítica. Muitos europeus consideraram o fim da Guerra Fria como umas férias da estratégia. Assim, apesar de se falar em estabelecer a Europa como uma superpotência global, os orçamentos médios de defesa europeus caíram gradualmente para menos de 2% do PIB e, ao longo da década de 1990, as capacidades militares europeias ficaram constantemente atrás das dos Estados Unidos.»

Seguramente que, hoje, a paz é mesmo das primeiras coisas que vem à cabeça dos europeus, dentro e fora da União Europeia. Poderá Kant sobreviver sem Hobbes?

(Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990)