No chamado «novo normal», as empresas procuram definir um curso de ação para o «regresso» aos escritórios. A maioria está a optar por um modelo híbrido, com variantes quanto aos dias de presença, à frequência de rotatividade das equipas ou ao grau de obrigatoriedade do modelo. E esta é a primeira questão que é importante ponderar.

O que os diferentes estudos têm vindo a demonstrar é que, do ponto de vista dos colaboradores, as preferências são tripartidas:

  • 1/3 prefere estar a 100% em teletrabalho, escolhendo onde, quando e como trabalhar – com mais espaço para «encaixar» a sua vida pessoal;
  •  1/3 privilegia regressar ao escritório a 100%, preservando a necessidade de socializar, de se relacionar com os colegas e a necessidade de «separação física» entre o local de trabalho e a vida privada;
  • 1/3 escolhe um misto dos dois primeiros – defendendo a necessidade de uma mudança de ritmo (quebrar a rotina do «só em casa» ou «só no escritório»), e procurando garantir o melhor de dois mundos – os momentos de socialização e os momentos reservados à vida privada.

Qual é o primeiro desafio que se coloca? Qualquer que fosse o modelo escolhido, haveria seguramente 2/3 dos colaboradores insatisfeitos! Por isso mesmo, a maioria das empresas está a optar por um modelo 50/50, muitas delas não impondo a obrigatoriedade de regresso ou de teletrabalho – a não ser que a banda larga disponível em casa seja claramente insuficiente…

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Este modelo híbrido pode revelar-se uma enorme oportunidade: pode garantir-nos maior diversidade no recrutamento, práticas mais inclusivas, uma tomada de decisão mais ajustada à realidade, maior inovação, um aumento da qualidade de vida, rituais de aprendizagem mais rápidos, até uma maior produtividade… desde que consigamos responder, enquanto gestores, aos desafios que ele coloca.

E de que precisam os gestores neste «novo normal»?

Eu começaria por um aprofundar da empatia, por um maior foco no outro. Qualquer que seja a natureza do contacto, virtual ou presencial, o interesse genuíno pelo outro (como está realmente? Como vive este «novo normal»? o que seria, para ele/a, um normal «melhor»?), a atenção real à pessoa e ao que sente são o pilar essencial da confiança que queremos (re)construir.

Senão, vejamos: tudo o que vivemos desde que começou a pandemia obrigou também cada indivíduo a fazer o seu percurso de «luto» (depois do choque, a negação, a raiva, a depressão, a negociação, a aceitação…): cada um de nós vivenciou estas fases a ritmos diferentes, com percursos diferentes. Nas equipas, podemos ter quem tenha vivido o trauma da perda, quem tenha genuinamente medo, quem sinta falta de segurança psicológica… as emoções e a sensibilidade podem estar exacerbadas, para alguns pode ser difícil encontrar foco. Só uma postura de verdadeiro interesse no outro, de compreensão, de vulnerabilidade, nos permitirá desenvolver ligações de confiança, mais profundas e mais humanas, com as nossas equipas.

Este reforçar da confiança é essencial para tranquilizar as equipas; para o complementar, é fundamental ativar um verdadeiro «growth mindset» – em nós, nas nossas equipas e nos nossos processos de trabalho. Aceitar os desafios, considerar os obstáculos como oportunidades de fazer melhor, considerar que o esforço (mais do que o «talento inato») é essencial para aprender, são atitudes que devem fazer parte integrante do nosso quotidiano e das nossas práticas de gestão. E, acima de tudo, dar o direito ao erro. Estamos num mundo em mutação, queremos agilidade, inovação, capacidade de adaptação: só os conseguimos se encararmos o erro como uma etapa natural do processo – e se dermos às equipas a segurança psicológica de saber que lhes é permitido errar. Afinal, o mais importante não é o erro, é o que aprendemos com ele…

Temos um terceiro desafio pela frente: o de dar mais autonomia às equipas. O teletrabalho acordou, nalgumas instâncias, o receio da perda de controlo, da menor produtividade, do esvaziar do poder ou papel do gestor: a verdade é que nos dá uma fabulosa oportunidade de o transformar e de nos transformarmos no processo. Solve for autonomy, manage for fairness: que decisões podemos deixar aos colaboradores (inclusive, sobre o regresso ao local de trabalho)? Para eles, qual a regularidade e forma das nossas reuniões regulares? Como gestores, como garantimos que a solução encontrada é justa para todos? Como asseguramos que todos têm oportunidade de expressar a sua opinião, em teletrabalho ou em presencial?

Está provado que uma maior autonomia reduz o stress e potencia o desempenho: numa experiência realizada na BBC, em que se permitiu a uma parcela de colaboradores decorar o seu próprio posto de trabalho, verificou-se que a produtividade tinha aumentado 25%… temos que apostar cada vez mais em perguntar, em vez de dizer como fazer. É verdade que os desafios são maiores, mas experiência é muito mais pessoal, muito mais emocional – e o envolvimento é muitíssimo mais forte!

Para dar autonomia, é claro que temos que ter garantido o alinhamento de todos: mais do que nunca, temos a responsabilidade de dar sentido ao trabalho, de dar visibilidade ao contributo de cada um e de lembrar o propósito do que fazemos. Num mundo em que deixámos de saber com o que contamos, temos que encontrar metas de muito curto prazo, celebrar todas as pequenas vitórias e mostrar o contributo de cada um para a concretização desse propósito.

No nosso quotidiano, há práticas de bom senso que já muitos adotaram: o «check-in» diário ou semanal, o «café virtual» sem agenda de trabalho, o chat room virtual para reproduzir as trocas informais no escritório, as reuniões presenciais só para convívio, deixando a produção reservada para o teletrabalho, a banalização do uso do vídeo…

Muita coisa mudou. Mas quase paradoxalmente, num mundo que se viu forçado ao contacto virtual, o que se espera hoje dos gestores é que sejam, acima de tudo, humanos: na proximidade com a equipa, na regularidade das interações, na qualidade das conversas, na capacidade de dar confiança, na atenção ao outro, na preocupação com o bem-estar de cada um.

O futuro vai ser diferente: mas acredito que, como gestores, temos uma fantástica oportunidade de construir um futuro melhor. Vamos a isso?