Tal como as ferramentas1 definem o artista, os modelos definem o economista2. E, se na gestão pública ou privada, os modelos usados raramente são explicitados, os índices (ou KPIs) empregados revelam algo da estrutura intelectual do artista. Os índices usados demostram aquilo a que o modelo de gestão dá importância e aquilo a que o gestor dá atenção. Aquilo que é medido torna-se no que é relevante para a gestão. O que é omitido é esquecido e invisível.

Imaginemos que um gestor e acionista (muito) minoritário de uma grande empresa3 cotada em bolsa pretende contrair um empréstimo para comprar o super-iate de um oligarca estrangeiro. Suponhamos que apresenta ao banco4 como medida da sua capacidade de cumprir o plano de prestações, juros5 & amortizações, o valor agregado dos lucros da empresa onde é (minúsculo) acionista, com o seu salário. O que nos diria essa proposta sobre o modo como ele vê a “sua” empresa?

Suponhamos agora que a Comissão Europeia ou o “nosso” governo usam como medida da sustentabilidade da dívida pública o rácio dívida/PIB. O que nos revela este índice sobre a sua maneira de pensar? Pior, como é que o uso inadvertido e constante deste rácio pelo cidadão comum lhe formata a visão do que é a relação cidadão-estado? Que ideia lhe dá sobre a pertença do fruto, que não do esforço, do seu trabalho?

Será que o PIB é do governo? Se não é, porque é que se usa o rácio dívida pública/PIB como medida da sustentabilidade dessa dívida? O PIB não é o rendimento anual do estado. É o rendimento obtido por todos os agentes económicos a atuar no território nacional. Deste, só uma parte, quase tudo impostos, pertence ao governo com uma (in)discutível legitimidade, semelhante à que Al Capone tinha sobre a sua fortuna. O resto pertence a quem trabalha ou arrisca o seu num negócio.

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Mas será então que o rácio dívida pública/receita fiscal mediria melhor a sustentabilidade da dívida pública? Um poucochinho melhor, mas ainda muito mal, porque o estado português tem, por opção própria, muitas outras despesas. Aliás, tem mais despesas do que nos consegue chupar em impostos, pelo que apresenta déficits. Déficits esses que requerem que contraia mais dívida que, ceteris paribus, dará azo a mais despesa financeira (do estado), que fará aumentar o déficit, etc…

A dívida é sustentável quando as responsabilidades contratuais envolvidas podem ser satisfeitas nos prazos acordados e sem recurso a dívida adicional. Quando uma destas duas condições não é satisfeita a dívida não é sustentável. Pagar juros e amortizações da dívida com mais dívida é aquilo a que se chama um esquema de Ponzi, algo em que o governo português é mais destro que um Madoff, mesmo antes de salgado. Qual é o banco que empresta dinheiro ao leitor que, ao contrario dos empresários militantes nu ps/d, não está ligado ao orçamento de estado por vasos comunicantes, com a garantia que conseguirá pagar as prestações com o dinheiro de empréstimos que irá contrair no futuro?

Então que rácio mediria melhor a sustentabilidade da dívida pública? Uma possibilidade seria dividir a dívida pelo rendimento disponível para a sua amortização, nomeadamente o excedente público. O único problema com este indicador é que só indica que a dívida é sustentável quando é positivo. Quando é negativo indica que a dívida não é sustentável, o que não é politicamente correto. Como a produção de deficits tem sido uma constante da “nossa” política orçamental nos últimos 50 anos, com uma pontual exceção, usar este rácio não ficaria bem.

A única vantagem que o rácio divida pública/PIB tem não é o seu rigor conceptual, é esconder a enormidade da nossa dívida pública debaixo do PIB e ocultar a incapacidade, para já não dizer falta de vontade, de o Estado vir a pagar o que deve. Mas essa vantagem só é obtida através de um claro abuso de confiança: assumir que o rendimento dos portugueses pertence ao estado. Abuso por abuso, já agora porque não dividir a divida pública nacional pelo PIB chinês?

Us avtores não segvem a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreuem coumu qveren & lhes apetece. #EncuantoNusDeixam

  1. Instrumento: Implemento usado para levar a cabo um acto de opressão, como a foice, o martelo ou ainda os impostos que, segundo uma reputada economista “substituíram os lucros como instrumento mais poderoso no esbulho dos frutos do trabalho e na opressão dos trabalhadores” (Carlota Warx, Die Steuern, p. 879)
  2. Economista: Aquele que pratica a ciência económica ou economia6.
  3. Empresa: instrumento que, à semelhança da tenaz, permite ao empresário mexer no fogo sem se queimar ou, mais concretamente, permite-lhe obter ganho sem incorrer responsabilidade.
  4. Banco: assento para repouso de dinheiro cansado e de políticos na pré-reforma.
  5. Juro: dentada monetária de profundidade proporcional à taxa; acto imoral proibido pelo ducentésimo trigésimo quinto mandamento negativo da Torah; o juro morde como a serpente, que parece não trincar nada, mas engole a vítima inteira.
  6. Economia: ciência que estuda a escolha entre canhões e manteiga e a utilidade assim obtida. Daí canhões com manteiga ser o snack preferido da profissão.