Muito se tem dito e escrito sobre a realização da Sessão Parlamentar comemorativa do 25 de abril: compara-se a Assembleia da República aos supermercados, criticam-se os privilégios dos políticos por organizarem uma festa depois de terem impedido a festa da Páscoa, exige-se que o exemplo de confinamento seja dado pelos Deputados. Estes são apenas alguns dos argumentos que vão circulando pelo submundo das redes sociais, onde se lamenta a proibição de todas as cerimónias religiosas públicas, a proibição de cerimónias fúnebres alargadas, a proibição de manifestações culturais e desportivas coletivas, a proibição de ajuntamentos de pessoas nas ruas, a imposição de limites apertados de lotação nas lojas, as viagens em grupo, etc. Creio que não é necessário lembrar as circunstâncias em que estamos a viver estes dias, em que a sociedade, devido a uma pandemia, está privada de um dos mais elementares direitos: o direito à liberdade. E, por muito que nos custe, este é o único remédio disponível.

É precisamente pelo direito à liberdade que as comemorações do 25 de abril devem ter lugar. A sessão comemorativa do 25 de abril integra a agenda dos trabalhos parlamentares e é uma das mais importantes de cada Sessão Legislativa. Realizar-se-á este ano recorrendo à metodologia que tem sido utilizada ao longo das últimas semanas e que tem permitido que o Parlamento continue a funcionar, aprovando não só a imposição e renovação do Estado de Emergência, mas também outras medidas legislativas fundamentais para manter o país em funcionamento.

Se é verdade que costuma chamar-se ao 25 de abril a Festa da Liberdade, esta não será uma festa, será uma sessão de trabalho político, este ano mais simbólica do que nunca. E seria dispensável qualquer consideração sobre o direito à Liberdade conquistado em abril, não fosse este ataque circunstancial, mas recorrente, às comemorações da data no Parlamento. Esse direito à liberdade de que falamos chama-se Democracia. E é em Democracia que vivemos, com a pluralidade que ela comporta, em todo o seu esplendor. Da mesma forma que durante o Estado Novo vigorava o regime de partido único e não havia liberdade de expressão, existem hoje múltiplas forças políticas, de múltiplas tendências, e todas podem expressar a sua ideologia. Especialmente as que conquistaram representação parlamentar!

Em tempos como os que vivemos, em que a emergência e o trabalho necessário para a ultrapassar exigem intervenção permanente do Presidente da República e do Governo no espaço mediático, assumem especial relevância as comemorações do 25 de abril. Serão a oportunidade de termos acesso à opinião, às propostas e contributos de todos os partidos representados no Parlamento para ultrapassarmos as dificuldades que já temos, mais as que estão no nosso horizonte.  É o momento de sabermos o que pensam da forma como Portugal está a ser conduzido, que temas e valores os preocupam, que críticas ou soluções têm a apontar. Silenciar esta oportunidade de expressão livre e democrática dos partidos políticos seria um ato redutor da Democracia que envergonharia Portugal.

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O modelo adotado transforma as comemorações num ato simbólico, reduzindo o hemiciclo a 76 Deputados e o número de convidados a escassas dezenas, que serão distribuídas em galerias que comportam centenas de lugares. Teremos uma celebração mais pobre, numa Casa da Democracia despida de pessoas, mas carregada de vontade de ir ao encontro dos portugueses e de comunicar com eles. Porque essa é a grande força da política: comunica com as pessoas, propõe-lhes ideias para desenvolver a sociedade e chama-as a participar.

Comparar o 25 de abril à Páscoa ou a outras festas religiosas é revelar um total desconhecimento da essência da religiosidade e das suas manifestações e é confundir planos e instituições. O Parlamento não é uma Igreja e a Democracia não é uma religião. Pior ainda quando se fala em funerais: é utilizar a dor humana mais profunda como instrumento e argumento contra o 25 de abril. Recordo o funeral que se realizou em Vitória, em Espanha: foi o maior foco de disseminação da Covid-19 no país, resultando em mais de 60 pessoas infetadas. A Assembleia da República também não é um supermercado. Ninguém vai à Assembleia da República por livre e espontânea vontade, fazer umas compras, dar uma volta e arejar.

Choca-me a falta de respeito institucional dos portugueses, de cujo comportamento coletivo nos orgulhamos e que têm sido notícia internacional pelos melhores motivos. E porque é que temos razões para estar orgulhosos? Porque, não obstante termos entre nós tantas vítimas a lamentar, o seu número não é mais elevado porque temos cumprido diligentemente o plano traçado por políticos que não pararam de trabalhar, que procuram as melhores soluções para uma situação única, nunca antes vivida, que está em manual nenhum, que chegou de forma imprevisível. A própria Ciência, que anda sempre tantos passos à frente do nosso tempo, não estava preparada!

Acredito que a maioria dos portugueses percebe o que anda no ar: Covid-19 e mais qualquer coisa. Ansiedade?