Volvidos quase 50 anos de democracia, os indicadores de educação superam as expetativas e colocam-nos num patamar comparável aos nossos parceiros. Portugal é visto como um caso de sucesso e boas práticas. Este sucesso deve-se a muitos fatores, pois a educação é multidimensional e cheia de condições que influenciam o desempenho individual e coletivo. Um dos fatores no topo da lista é os professores, sem professores não existe um sistema de educação. Os professores foram ao longo das últimas décadas um pilar do desenvolvimento humano. Estes mesmos professores estão agora a mostrar o seu desalento, com greves, manifestações e acampamentos.

A leva de descontentamento a que assistimos foi ateada por um argumento mentiroso que capitalizou no descontentamento latente na sala de professores. O governo não propôs a regionalização dos professores, mas sim um modelo de contratação que pudesse permitir a permanência num agrupamento dando estabilidade de vida a docentes e continuidade aos projetos pedagógicos. Parecia uma boa ideia capaz de satisfazer ambas as partes. O modo como foi colocada deu origem a desconfianças e criou a chama para os docentes saírem em defesa dos seus direitos.

Os professores são fundamentais para a estrutura social dos países e neste momento atravessamos um período de elevado risco: risco de desmobilização, de desinteresse pela profissão e de falta de vontade de continuar a dedicação aos alunos, para que possamos prolongar a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. Este seria o momento para que a escola se focasse nas desigualdades, avaliasse atempadamente os alunos com maiores dificuldades e ajudasse a maximizar o potencial dentro de cada criança e jovem. Este seria o momento de estarmos a falar em educação de precisão, cada aluno um aluno.

Com a diminuição dos nascimentos, e consequente redução do número de alunos na escola. Com uma força de professores maioritariamente entre os 45 e os 55 anos, com formação alargada e muita experiência, temos os professores no máximo das suas capacidades. Temos um momento de oportunidade de dar mais um salto. Porém, todas as oportunidades são balizadas por riscos e ameaças, que se materializam nos sentimentos de desânimo, desvalorização e desmotivação, componentes-chave para o entusiasmo e bom desempenho profissional.

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A componente salarial é uma parte relevante da motivação, são muitos anos de estagnação, e num momento de pressão inflacionária e baixa de poder de compra os salários ganham visibilidade. Mas a motivação tem outros elementos. Não podemos permitir que o desânimo se instale. Temos de garantir que os corpos dirigentes são capazes de reconhecer o trabalho, criar equipas, dar tempo para que as pessoas se concentrem, inovem e sintam que podem fazer a diferença.

Uma das lamentações mais frequentes da classe é o excesso de trabalho burocrático. Talvez possamos começar por aí. Que trabalho é esse exatamente. O que podemos retirar aos docentes e de que forma podemos garantir que, sem redundâncias, o trabalho necessário continua a ser feito. Que tal propor soluções para esta questão?

Outra reivindicação é a instabilidade na colocação. Como podemos ter professores com proximidade aos projeto-escola e também às suas residências, garantindo alguma elasticidade no sistema que permita acomodar variações na procura? Será que há alguma abertura dos professores para ajudar a pensar como fazer? Se as atuais políticas não satisfazem, criemos uma janela de oportunidade para trazer soluções para a mesa. O ministério lançou uma medida que parece ser do agrado de todas as partes – reduzir a dimensão dos Quadros de Zona Pedagógica. Talvez possamos começar por implementar o que gera consenso.

Diz-nos a teoria, testada em casos empíricos, que não se fazem reformas contra os atores que delas vão beneficiar. As reformas não são da responsabilidade exclusiva do governo, fazer mudanças em políticas públicas obriga a configurações de equilíbrio entre os diversos atores, soluções e problemas. Esses equilíbrios estão neste momento muito distantes e crispados. Esta é a receita para que tudo fique na mesma. É necessário reivindicar e expor angústias e anseios, é ainda mais necessário estar preparado para colaborar no desenho de políticas que acomodem soluções possíveis para problemas reais.

O grande problema do sistema é perder os professores no topo do seu desempenho para o desânimo. Que grande desperdício.

Diretora Executiva do Instituto das Políticas Públicas e Sociais do ISCTE, Representante de Portugal no CERI (OCDE)

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.