O início de dezembro brinca de ser um alívio. Pronto, o ano acabou, último mês, agora já chega. Um falso alívio. Basta chegar o dia 2 ou 3 para nos lembrarmos dos relatórios que precisam ser entregues, do dinheiro que precisa ser gerido, dos prazos que precisam ser despachados, das férias das crianças que precisam ser organizadas. Não, a chegada de dezembro não é bem um alívio.

Dezembro parece um tubo de ensaio no qual um conta gotas vai despejando líquido todos os dias, enquanto nós assistimos o quão perto ele está de transbordar. Não vai dar. Não vai caber. Não tem mais espaço. Não é possível. Trabalhos, encontros, fechamentos, jantares, compras, confraternizações, pagamentos, entregas, festas. As demandas não param.

Em dezembro todos somos como as irmãs da Cinderella tentando enfiar um pé enorme num sapato pequeno. Nossas demandas simplesmente não se encaixam do dia 1 ao dia 23 e, mesmo assim, aceitando convites, propondo encontros, aceitando novos trabalhos e fingindo que é possível manejar tudo de forma saudável e com uma logística viável.

A verdade é que essa dinâmica acaba gerando em muitos uma sensação constante de angústia. De não dar conta, de não ser humanamente possível executar tudo o que precisamos fazer. Dezembro vai se apresentando como uma nuvem de gafanhotos dentro da qual nos enfiamos e agora já não sabemos como sair. Mas a questão é: será mesmo que precisamos fazer tudo isso?

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O piloto automático do inconsciente coletivo vai nos dirigindo a conclusões genéricas sobre compras, sobre eventos, sobre prioridades. Mas é preciso que haja um questionamento: eu concordo mesmo com isso? Eu quero entrar no esquema desenfreado de presentes da minha família? Eu quero mesmo ir a eventos que levam embora meu descanso e meu dinheiro? Eu realmente preciso dizer “sim” para tudo isso sem pensar duas vezes?

É possível colocar limites em dezembro. É possível dizer que agora já chega. Que infelizmente não conseguiremos ir àquele encontro, ainda que, na realidade, até consigamos, mas se formos defender nossa saúde mental, não, não dá para ir. É possível dizer que esse ano nossos presentes serão apenas cartões escritos com afeto ou uma fornada de bolachas. É possível pensar, enquanto autônomos, se aquele dinheirinho a mais que entraria com um trabalho novo vale tanto a pena, ou se algum sossego já está sendo mais relevante do que isso.

É possível fugir do fluxo insano das tradições, do comércio, dos encontros barulhentos. Há coisas e eventos que nos fazem bem apesar do cansaço, mas há outros que são totalmente dispensáveis – e todos nós sabemos bem como diferenciar uma coisa da outra. É preciso colocar limites em dezembro. Esse era para ser um mês de conforto e alegria e não um simples mês de completa exaustão.