Ser mulher no Brasil não é bom. Ser mulher num Brasil que passou por 4 anos de Bolsonaro é ainda pior. Temos medo da violência, medo da discriminação – seja ela velada ou declarada –, medo das alterações na lei, medo de muita coisa. Longe de mim dizer que é melhor ser mulher no Brasil do que em Portugal. No entanto, nesses quase 10 anos dividindo minha vida entre os dois países, percebo que na comparação entre ser uma mulher em São Paulo e ser uma mulher em Lisboa, existe uma diferença que merece ser destacada.

A sociedade portuguesa deixa muito claro o que espera de uma mulher, sobretudo quando estamos em contextos elitizados: fazer uma faculdade e ter um emprego que não inviabilizem que você se case (na igreja, de preferência) até uns 28, com um Diogo, um Nuno, um Pedro ou um Miguel, que deve ter mais sucesso e ganhar mais do que você. Você deve ser mãe de preferência ainda antes dos 30 para ter tempo de ter pelo menos dois ou três filhos, que devem se chamar Inês, Francisco e Maria ou alguma variação disso. Você deve se manter magra sempre e sua família sempre deve vir antes da sua carreira.

Passei anos em Portugal respondendo a questionamentos sobre quando teria um filho. Nunca “se” eu teria um filho. Eu já havia passado dos 30, estava nitidamente atrasada aos olhos da sociedade lisboeta – chegando inclusive a ouvir discursos de homens sobre o envelhecimentos dos meus óvulos, como se eu pudesse não saber desse mero detalhe da biologia.

Obviamente que no Brasil também há invasões constantes da privacidade da mulher. Mas esse modelo português tão restrito de prazos e expectativas sobre a mulher chegava a pesar até sobre meus próprios ombros – mesmo que estrangeira, mesmo que feminista, mesmo que oriunda de uma família paulistana para a qual qualquer caminho que eu escolhesse seria válido.

Testemunho essa angústia em dezenas de amigas portuguesas: a frustração por não se casar (ou por não se casar no prazo estipulado), por não ter filhos ou por tê-los em momentos ou situações distintas das socialmente celebradas, por se divorciar, por fugir, de alguma maneira dessa rota estrita que um pensamento conservador traçou para nós. São mulheres com vidas profissionais fabulosas, mas cujo valor frequentemente é questionado por não corresponder às expectativas sociais.

E para alguns pode parecer exagero, mas, sim, isso pode ser um verdadeiro inferno na vida de uma mulher. As perguntas invasivas da família, os questionamentos descabidos no trabalho, a comparação com a vida da prima, da colega, da vizinha, a desvalorização do seu trabalho frente às suas escolhas na vida pessoal. Todos os dias. Todos. Os. Dias. Então penso que não custa tanto colaborar com a vida de uma mulher: não pergunte sobre sua vida íntima, valorize o que ela opta por exteriorizar e não por invadir aquilo que não foi trazido à conversa.

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