Cheguei em casa depois da viagem. Era preciso trocar a fralda, era preciso aquecer o leite, era preciso lavar mamadeira, era preciso trocar a roupa. Era preciso. Depois de três horas no carro, era preciso ser a mãe e não a pessoa cansada que precisa de um copo de água gelada e 15 minutos deitada no sofá.

O bebê sorri e segura forte nas minhas mãos. Não se trata de uma exaustão ingrata, é uma exaustão carregada de sentido. Uma exaustão afetuosa. Mas, ainda assim, é uma exaustão. E admitir esse fato costuma soar a fraqueza. Tanta gente que queria estar no seu lugar.

Não troquei de roupa, não respondi a dois e-mail do escritório, nem algumas dezenas de mensagens de WhatsApp. Não adiantei a coluna do sábado. Não desfiz minha mala, não preparei um chá, não reguei as plantas. Fiz menos do que precisava. Pelo menos do que diz respeito a mim mesma, bem menos do que precisava.

É uma exaustão generosa, que não apresenta fatura, nem clama por justiça. Ainda que partilhada de forma justa com um companheiro, segue sendo uma exaustão legítima, banalizada pelo mundo há milênios. Na confusão entre amor e trabalho não remunerado, a exaustão ganha contornos de altruísmo.

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Ele sorri. Eu sorrio. Ele está de banho tomado, está de barriga cheia. Eu comi duas bolachas de arroz e comemorei a possibilidade de escovar os dentes. Sorrio mais por causa disso. Aninho o bebê nos meus braços. Vejo meu reflexo no vídeo, tento ajeitar o cabelo com os dedos. Não adianta. Não me reconheço muito no reflexo.

A exaustão da mãe é celebrada. Mas a mãe exausta é punida. Os prazos do trabalho não param. A aparência deveria estar melhor. A geladeira está vazia. As roupas estão amassadas. Deveria haver forma de dar conta de tudo. Mas não há. Simplesmente não há.

Ele dorme no berço. Eu escrevo essa coluna no iPhone. Não sei onde está meu notebook, não sei onde estão meus óculos. A mãe até pode ser perdoada. A colunista, nem por isso. Quase meia noite. É hora de mamadeira. É hora de entregar prazo. Quem sabe, talvez, depois do apagar das luzes, um banho rápido. A testa no azulejo, a água quente escorrendo pelo rosto. Talvez alguma lágrima camuflada.

A exaustão da mãe é aceita – desde que vivida em silêncio, com as tarefas em dia, com o bebê bem vestido e com alguma maquiagem no rosto. Caso contrário, evidentemente não é uma boa mãe. É apenas uma mulher exausta, tentando de forma falha desempenhar um papel de mãe.