O Papa Francisco instituiu uma comissão para se estudar a questão teológica sobre a possibilidade ou não de haver mulheres ordenadas no grau do diaconado. É uma comissão constituída por doze pessoas, seis mulheres e seis homens, todos teólogos de várias áreas, de renome internacional.
Uma comissão de estudo não é um órgão deliberativo; é apenas isso mesmo: um grupo de peritos que apresentará um estudo sobre a questão das diaconisas na Igreja. Mas não deixa de ser significativo o cuidado de Francisco em convidar pessoas dos vários quadrantes e sensibilidades dentro da Igreja. Não se preocupou apenas no equilíbrio entre homens e mulheres, mas também numa certa paridade entre teólogos com pendor mais “conservador” e outros mais “progressistas”.
A génese desta comissão encontra-se numa reunião que as superioras gerais dos institutos femininos tiveram com o Papa, em Roma no dia 12 de Maio. Após ter sido questionado sobre a possibilidade, ou quais os impedimentos a que as mulheres fossem admitidas ao diaconado permanente, Francisco assumiu a responsabilidade de constituir uma comissão que estudasse esta matéria. Quando, no regresso da viagem à Arménia, o pontífice foi questionado sobre o tema, revelou que já tinha falado com o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e com a presidente das superioras gerais dos institutos femininos a quem tinha pedido que lhe enviassem uma lista de possíveis peritos que realizassem tal estudo. Esta Comissão é o resultado da ponderação sobre o assunto e sobre essas listas: “Depois de intensa oração e amadurecida reflexão, Sua Santidade decidiu instituir a Comissão de Estudo sobre o Diaconado das Mulheres”, lê-se no comunicado da sala de imprensa da Santa Sé.
Como sabemos, na Igreja Católica, como na Ortodoxa, o sacramento da Ordem é circunscrito aos homens. Apenas nalgumas Igrejas Reformadas, o diaconado e o sacerdócio são possíveis às mulheres. A questão de fundo tem que ser posta à luz da Tradição da Igreja. No grupo de Jesus, havia doze homens, chamados apóstolos. Mas também sabemos que havia mulheres que acompanhavam este grupo: “Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze e algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que os serviam com os seus bens” (Lc. 8,1-3). São as mulheres que vão ao túmulo de Jesus, logo de manhã cedo, e o encontram ressuscitado – e são elas as primeiras portadoras da Boa-Nova da ressurreição.
A Tradição Antiga atesta indubitavelmente a existência de diaconisas na Igreja do Oriente até ao século IV. Os Padres da Igreja, até João Crisóstomo, testemunham que, juntamente com os diáconos, as diaconisas colaboravam com o Bispo e com os presbíteros: eram responsáveis pelo serviço e por prover às necessidades materiais dos pobres da comunidade. E, com os diáconos, teriam funções litúrgicas específicas. Mas desempenhavam uma função exclusiva e essencial: competia às diaconisas batizar as mulheres que se convertiam e entravam para a Igreja. Primeiro, por uma questão de pudor muito prática: o batismo era feito por imersão e incluía a unção do corpo. Depois, porque lhes competia provavelmente todo o acolhimento de quem se aproximava da comunidade. E, presumivelmente, este acolhimento compreendia a catequese e a preparação teológica exigida para o batismo.
A grande questão, portanto, não é se existiram ou não diaconisas, mas se o diaconado antigo se pode equiparar ao sacramento da Ordem, como o entendemos hoje. A teologia hodierna considera o grau dos diáconos como o primeiro grau do sacramento da Ordem (que tem como segundo grau o presbiterado e como terceiro grau o episcopado). Mas não há acordo entre os teólogos sobre se o diaconado da Igreja Antiga era sacramental ou “apenas funcional”.
Após a abertura anglicana à Ordenação Sacerdotal feminina, o Papa João Paulo II negou categoricamente essa possibilidade na Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis (1994). Nos anos noventa, no entanto, o Cardeal Martini levantava a hipótese de se pensar na Ordenação Diaconal feminina, não mencionada no documento de S. João Paulo II. Com efeito, além do diaconado em vista à Ordenação Sacerdotal, existe o diaconado permanente, isto é, a Ordenação de homens, casados ou não, que nunca serão ordenados padres. É uma possibilidade abrir este tipo de Ordenação às mulheres? Ou não será possível pensar o diaconado como outro tipo de ministério na Igreja, não necessariamente ligado ao sacramento da Ordem Sacerdotal?
Logo no início do seu pontificado, o Papa afirmara que o “génio feminino” deveria estar mais presente, não só genericamente, mas nos lugares decisórios, onde se exercita a autoridade dentro da Igreja. Não será certamente uma coincidência que, no passado dia 3 de Junho, Francisco tenha elevado a memória litúrgica de Maria Madalena à categoria de festa. No decreto publicado pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos pode ler-se que, “de facto, esta mulher, conhecida como aquela que amou tanto Cristo e que foi amada por Ele; e que São Gregório Magno chamou de “testemunha da misericórdia” e São Tomas de Aquino de “apóstola dos apóstolos”; pode ser considerada pelos fiéis de hoje como modelo do ministério da mulher na Igreja”.
É nesta linha de fidelidade à história, de contínuo retorno à fonte evangélica, mas de atualização dos modos de agir e de evangelizar, que o Papa institui a nova comissão de estudo sobre o diaconado feminino.
Apesar de baralhar alguns defensores de um certo neo-conservadorismo católico, que acusam o Papa de infidelidade à sã doutrina, o que vemos em Francisco é a contínua busca de uma fidelidade criativa, uma fidelidade crítica, mas segura (não fosse ele jesuíta), à Igreja. Não por acaso, o trabalho esperado por esta comissão é precisamente um levantamento histórico-teológico do entendimento e da prática da Igreja no que respeita a esta matéria. Embora possa parecer o contrário para quem faça uma leitura mais superficial do seu pontificado, o Papa Francisco é, não só um profundo conhecedor, como um acérrimo seguidor da Tradição da Igreja.