Tenho observado com alguma curiosidade o efeito que a frase infeliz do presidente do Eurogrupo teve em vários países, mas principalmente nos supostos visados — os países do Sul da Europa. Enquanto uns conseguiram reagir com um humor inusitado, talvez por não se sentirem identificados com a alegoria, outros reagiram com enorme ferocidade como se tivesse sido o maior insulto à face da terra e nunca, em circunstância alguma, tivessem recorrido a ajudas externas para resolver problemas de sobre endividamento. A questão se foi devido a “mulheres e copos” já é outra história, mas sinceramente também não acho que seja a questão central.

A questão é que o Sr. Dijssel das flores (bloem é flor em Holandês…), com a frontalidade típica dos Holandeses (quem já lá viveu com certeza sabe a facilidade com que dizem que não gostam de algo) disse que os países do Sul da Europa não podem tentar não cumprir os deveres no âmbito da união monetária. Não estou de forma alguma a defender que a forma como o disse foi a mais airosa ou politicamente correta, mas esta foi a mensagem que enviou, cheiinha de cardos.

Será esta razão para o Sr. Dijssel das flores se demitir? Acho que não, e aparentemente ele não o tenciona fazer. Pelo contrário, acho que alguém já devia ter tentado explicar as diferenças culturais que existem entre países como a Holanda e Alemanha e os países do sul da Europa, como Portugal, Espanha ou Grécia, e como estas diferenças podem explicar o à vontade com que o Sr. Dijsselbloem disse o que disse. O estudo das diferenças culturais é uma abordagem perfeitamente comum nas universidades (a explicação de determinados fenómenos em função das características socioculturais) com um vastíssimo número de trabalhos científicos nesta área, mas depois parece que nos esquecemos que na vida real essas diferenças podem explicar o que se passa à nossa volta e ajudar-nos a ser mais tolerantes. Para aqueles que tiverem curiosidade, sugiro uma visita ao site do Prof.Geert Hofstede, o “pai” do estudo das diferenças culturais.

Se compararmos Holanda com Portugal conseguimos de imediato visualizar o quão diferentes somos, e reparem que não tem nada a ver com características físicas.

Diferenças culturais entre Portugal e Holanda (Fonte: Hofstede Centre)

Portugal é considerado, à semelhança da Grécia (coincidência?), um dos países mais coletivistas da Europa (score=27, escala de 1 a 100, em que 1=muito coletivista e 100=muito individualista), ao contrário da Holanda, que é considerado um dos países mais individualistas (score=80), só ultrapassado pelo Reino Unido (score=89). Em países individualistas existe um foco na maximização do bem-estar individual e da sua família, ofensas recebidas causam principalmente perda de autoestima, não sendo generalizado para o contexto social ou grupo. No caso dos países coletivistas este não é o caso. Ofensas recebidas geram vergonha e “perda da face”, originando sentimentos de falta de lealdade e com repercussões sociais ao nível do grupo.

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Uma outra diferença cultural premente é a dimensão relativa a orientação de curto versus longo-prazo dos membros da sociedade. A Holanda (score=67, 1= curto-prazo, 100= longo-prazo), ao contrário de Portugal (score=28), é caracterizada como tendo uma abordagem muito pragmática aos problemas e em que a “verdade” vai depender da situação e do contexto. Em termos de comportamentos de poupança são por norma caracterizados como tendo uma grande propensão para pouparem e investirem numa perspetiva de longo-prazo. No caso das sociedades com uma orientação mais de curto-prazo, como é o caso de Portugal, são muito mais normativas do que pragmáticas e mais focadas na “verdade absoluta”, exibindo tipicamente uma baixa propensão para poupar e um grande foco na obtenção de resultados imediatos.

Estas e muitas outras diferenças podem justificar porque é que para o presidente do Eurogrupo a frontalidade do “aviso” possa ser encarada com uma enorme naturalidade e justificação (na lógica de “poupem pois nós também poupamos”), e para os visados dessa frontalidade esta possa ser encarada como uma ofensa/ultraje (disse mal de nós e insinuou que nós gastamos tudo/não poupamos”).

Professora da Católica Lisbon- School of Business and Economics