Estamos a experienciar trágicos eventos movidos pelo desejo de conquistar territórios. Todos os dias temos notícia de mais um massacre a civis. No caso da faixa de Gaza, homens, mulheres, crianças, que até há umas semanas tinham a sua vida organizada, a sua família unida, e que de repente se vêm negados de um teto, da sua segurança diária. No caso da Ucrânia, assistimos a uma lenta destruição das suas cidades e também a mortes constantes. Estas regiões estão sem água, sem eletricidade, sem cuidados básicos de saúde. Uma situação trágica. Interrogo-me então se estaríamos a assistir a estas tragédias se os líderes que estão na origem das mesmas fossem mulheres? Possivelmente não.

Conclusões de alguns estudos indicam que, quando se tem em consideração o sexo dos participantes, os homens tendem a assumir um estilo de gestão de conflito dominante, enquanto as mulheres tendem a adotar um comportamento de evitar os conflitos1. Outro artigo sugere que as mulheres, em contexto empresarial e em comparação com os gestores masculinos, tendem a adotar consistentemente estratégias de maior integração dos diferentes pontos de vista, evitando conflitos e optando por soluções por compromisso2. Estes e muito outros estudos reforçam este resultado de que as mulheres tendem a evitar o conflito direto, procurando outras estratégias aquando da prossecução dos seus objetivos. Além disso, as mulheres são por norma mais zelosas do bem-estar do próximo, e têm maior dificuldade em se empoderarem pela via do conflito.

Quando numa sociedade existe uma tendência para associar ao conceito de masculinidade a militarização3, algo comum em muitas sociedades onde por exemplo existe o serviço militar obrigatório, há uma aceitação e justificação associada ao uso da violência. No caso específico de Israel, o serviço militar é obrigatório para todos os homens e mulheres a partir dos 18 anos durante 2 anos para as mulheres e 3 anos para os homens4, mantendo-se todos os cidadãos na condição de reserva e obrigados a participar em treino militar anualmente. E é isto que pode explicar porque é que Netanyahu se sinta empoderado para dizer que “Não haverá lugar em Gaza que Israel não atinja”. Ou seja, ao invés de se usarem estratégias alternativas que passam por diálogo entre partes em conflito, ou negociação de soluções intermédias, há uma normalização da aplicação da violência.

Se há 2 anos nos dissessem que estaríamos hoje a observar estas escaladas de violência, guerras que envolvem milhares de civis, ficaríamos certamente perplexos. No entanto, atualmente ouvimos dizer que mísseis foram disparados sobre alvos civis, que países parceiros estão a ajudar forças ucranianas a pilotar F-16, que forças militares atacaram hospitais, e permanecemos quase “impávidos e serenos” apesar da violência intrínseca de todas estas situações. Assim sendo, urge que tomemos medidas no sentido de desmilitarizar o conceito de masculinidade de modo a evitar mais tragédias desta natureza. De acordo com alguns autores, este esforço passa por uma redefinição do que é esperado no contexto militar5 implementando novas formas de recrutamento, formação, e na igualdade, e respeito mútuo. E apesar de com estas medidas não irmos conseguir transformar o Netanyahu e o Putin em mulheres de forma a agirem de forma mais feminina, podemos de algum modo estar a contribuir para um futuro onde se normalize menos a utilização da violência e se favoreça o diálogo e negociação de soluções de compromisso, motivando soldados (e também civis) a adotarem posturas de construção de paz (“peace-builder masculinity”) através do enfoque no desenvolvimento de competências de criação de empatia, foco

1 Brewer, N., Mitchell, P., & Weber, N. (2002). “Gender role, organizational status, and conflict management styles”. International journal of conflict management, 13(1), 78-94.
2 Rahim, M. A., & Katz, J. P. (2020). “Forty years of conflict: the effects of gender and generation on conflict-management strategies”. International Journal of Conflict Management, 31(1), 1-16.
3 Eichler, M. (2014). Militarized masculinities in international relations. Brown J. World Aff., 21, 81.
4 Forças de Defesa de Israel – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
5 Duncanson, C. (2013). Forces for good?: Military masculinities and peacebuilding in Afghanistan and Iraq. Springer.

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