A Direção Geral da Saúde (DGS) tem a sua missão e atribuições definidas no Decreto Regulamentar nº 14/2012, de 26 de janeiro e que são, resumidamente, coordenar e desenvolver Planos e Programas de Saúde, assegurar a vigilância epidemiológica, analisar e divulgar informação em saúde, regular e garantir a qualidade em saúde, ao mesmo tempo que gere as emergências em Saúde Pública, como aconteceu durante a pandemia. Acrescem ainda a coordenação da atividade do Ministério da Saúde no domínio das relações europeias e internacionais e o apoio ao exercício das competências da Autoridade de Saúde Nacional. São competências importantes, exclusivas e enraizadas em dezenas de anos de serviço público, realizado ao mais alto nível, e sempre em prol do sistema e do cidadão.

Ora recentemente temos assistido, com surpresa, apreensão e até alguma (natural) indignação, a sérias ameaças ao essencial cumprimento da importante missão da DGS, o que se objetiva a vários níveis.

Primeiro, temos assistido à divulgação de normas e/ou orientações que, alegadamente, por falta de aceitação técnica ou política, são colocadas em “stand by”, suspensas ou mesmo não implementadas. Disso são exemplo a Norma 012/2022, sobre a “Via Verde do Trauma” que permite, a título exemplificativo, que um doente com trauma grave que ocorra em frente ao Serviço de Urgência do Hospital Padre Américo, em Penafiel, seja transportado diretamente para o Hospital de São João, no Porto, com todos os riscos que isso condiciona; a Norma 003/2023, sobre a “Preparação e Resposta em Eventos com Multidões” que obriga a realização de registos e a existência de numerosos meios (técnicos e humanos) de emergência médica em todas as festas, feiras e arraiais e que foi…suspensa, por alegada pressão de alguns agentes menos informados do nosso País rural (e, diga-se, muito festivaleiro mas pouco seguro!); finalmente, a Orientação 002/2023, sobre “Cuidados de Saúde durante o Parto” e que foi colocada “em revisão” após ter sido divulgada, na sequência de uma enorme contestação da Ordem dos Médicos.

Que se passa? As normas estavam erradas? Não há recursos na DGS para as elaborar? Ou estavam certas e é o poder político (central ou autárquico) que “as chumba”, que atrasa a sua aprovação, podendo colocar em causa a qualidade da saúde das populações?

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Em segundo lugar, algo que só poderá ser explicado por um notório desinteresse político pelo papel da DGS. A liderança da instituição é, supostamente, assegurada por 3 elementos (um diretor geral e dois subdiretores). Um dos anteriores subdiretores gerais da DGS tomou posse como secretário de estado da saúde do atual governo. Por alturas de dezembro, também a ainda diretora geral informou da sua intenção de se reformar e não continuar a liderar a instituição. Desde essa ocasião, portanto, a DGS ficou reduzida a uma diretora geral “de saída” e a apenas um subdiretor geral… que, curiosa e inexplicavelmente, apresentou a sua súbita e apressada demissão há cerca de um mês. E no meio disto tudo, o concurso para diretor geral abriu apenas há poucos dias… Todos sabemos que sem liderança não há projetos. Quando, por exemplo, existe um Plano Nacional de Saúde 2030, cuja implementação é desejável e premente, mais se estranham estes atrasos.

Finalmente, parece estar a ocorrer um certo “esvaziar” de competências da DGS (com consequente “esvaziamento” de pessoas), por ação (ou, talvez mais grave, por inação) política e até uma certa “intromissão” nas suas atribuições, na sua área de autonomia técnica e científica e na sua gestão diária. Ou será que, na cabeça de alguns dirigentes do ministério da saúde, o momento é de indefinição, de falta de rumo e colisão entre diferentes entidades do SNS?

Acompanhamos com preocupação este estado de coisas, em si mesmas reveladoras da incompetência, inação e ineficiência que reina para os lados deste ministério da saúde.

O CDS quer uma DGS que não cristalize, livre, transparente e robusta na ação. Com orçamento e autonomia. Reorganizada para motivar os seus quadros e ter outro peso nas políticas de saúde que devem ser cada vez mais definidas por dados e ciência do que por ideologia e “achismos”. A DGS é um instrumento vital para esse posicionamento do Ministério da Saúde. Há uma oportunidade de, neste tempo de mudanças e de exigências, rever, para melhorar e consolidar, o papel da DGS. Entre vários outros aspetos, poderá ser tempo para:

  • Abertura imediata de concursos para todos os cargos de direção da DGS, de forma transparente, pública e que premeiem o mérito dos candidatos;
  • Reconhecimento e viabilização da autonomia técnica e científica da DGS nas suas áreas de atuação,
  • Operacionalização dos recursos financeiros, técnicos e humanos para que possa desempenhar cabalmente a sua missão, para a prossecução de bons resultados, cuja avaliação deve ser regular, em tempo útil e transparente;
  • Reforço da intervenção em novas áreas de desenvolvimento na Saúde, como a da sustentabilidade e do impacto das alterações climáticas, o desenvolvimento de soluções digitais em saúde;
  • Reforço da atuação desta entidade em áreas mais negligenciadas como as da promoção e prevenção em saúde;

Deveríamos estar perante novos tempos para a DGS, novos tempos para mais e melhores resultados para a Saúde dos portugueses. Não tem sido assim ultimamente.

Saibamos todos privilegiar esta oportunidade, estar à altura do desafio, não deixando que as ameaças se concretizem e que a DGS se perca.