No Público, um órgão oficioso do regime, completo com colunas de opinião desalinhada que lhe dão o conveniente verniz da independência, saiu um “abaixo-assinado”, cujos autores informam que nem foram apoiantes de Trump nem o são do Chega!, uma clarificação que quem, como eu, os conheça, acha dispensável, e relevante para os outros apenas na medida em que, se forem devotos de uma das várias igrejas de esquerda, ficam confortados na ideia de que a direita admissível é apenas a que está dentro do perímetro que definem como espaço democrático e tolerável.

O título é “A clareza que defendemos” e o texto nada tem de claro – por isso é que o traduzi no parágrafo anterior.

Conto com vários amigos pessoais no ilustre grupo, cujo único cimento discernível é o tratar-se de não-socialistas; conhecendo-os pela maior parte, é gente que leio com atenção e proveito; e a alguns honro (este verbo é irónico, para as pessoas que precisam se lhes explique tudo bem explicadinho) com a minha admiração, como é o caso do Carlos Guimarães Pinto, que suspendeu a banca de ensaísta e teórico para se enfarruscar na luta política activa.

Pois bem: lamento dizer que estes meus confrades fariam muito melhor pela causa da regeneração do país se, nesta maré, tivessem feito o favor de ficarem calados.

Por razões tácticas desde logo: A direita ou regressa ao poder com um programa mínimo comum ou não regressa. Há por aí umas teses solertes, segundo as quais o precedente criado pela Geringonça não tem de ser seguido, porque o péssimo exemplo de trazer o PCP e os dementes do Bloco para a área da governabilidade não deve ser emulado à direita com a inclusão do Chega!, mas implicam uma equivalência que não tem razão de ser: o Chega! tem no seu programa partes que não são palatáveis (nem para mim nem para a maior parte do eleitorado), comportamentos erráticos, e militantes infrequentáveis. Mas não tem nada, nem na teoria nem na prática, que ponha em causa o regime democrático. Não se pode dizer o mesmo do PCP, cujos textos doutrinários continuam a considerar a democracia formal como burguesa, e a defesa dela como instrumental para um projecto de conquista do poder. Que esse projecto não tenha pernas para andar importa pouco: sempre o PCP defende as medidas que conduzam à preponderância do Estado e não do indivíduo, à nacionalização dos meios de produção e não à liberdade económica, ao controlo da opinião e não à sua liberdade, à minagem do aparelho de Estado e não à sua profissionalização. Logo, uma Caranguejola NÃO É equivalente à Geringonça.

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Depois, a caracterização como “amálgama” de sentimentos nacionalistas, identitários, tribais, demagógicos, incendiários, revanchistas, padece do amalgamismo (gramáticos: sei que a palavra não existe) que diz querer combater porque, na realidade, confunde excessos de linguagem com genuínas, e perfeitamente legítimas, ansiedades e preocupações com o supranacionalismo de instituições largamente inimputáveis como a UE, a ONU ou a OMS, desvaloriza o sentimento de pertença e o patriotismo como sendo velharias históricas, e abre a porta a limitações à liberdade de opinião pela insistência na caracterização de discursos como genericamente inaceitáveis, logo que contendam com conceitos mal definidos como “xenofobia”, “racismo”, “iliberalismo” (que diabo será isto – a versão europeia ou a anglo-saxónica?) e o mais que a polícia do pensamento de esquerda entende ser território off-limits da opinião.

A saúde do espaço público ganharia, é certo, com civilidade no discurso e brida nas paixões. Mas isso é a forma, não a substância. A estas ilustres personalidades, que decerto chamam abaixo-assinado ao manifesto para não se confundir com os muitos que intelectuais comunistas e outros que têm a mania que não o são faziam no tempo de Passos, conviria lembrar o que comunistas e bloquistas chamavam no Parlamento aos membros do Governo de então: ladrões.

A esquerda costuma saber onde está com a cabeça. A direita, nem sempre.