O litoral português (Continente, Açores e Madeira) apresenta um extraordinário conjunto de valores naturais que, relativamente à área do território sub-aéreo, o fazem dos mais importantes a nível europeu. Assim, daqueles valores, podem destacar-se os paisagísticos, botânicos, zoológicos e geológicos.
Para se avaliar a real importância deste fabuloso património natural apresentam-se, a seguir, razões e exemplos que justificam o que foi dito. Grande parte do litoral continental e da totalidade das Ilhas Atlânticas é rochoso, sendo constituído por rochas de composição muito diversas e que mostram inúmeros aspetos geológicos (fósseis, falhas, fenómenos vulcânicos, sequências de camadas) que permitem, quais folhas de um livro, desvendar a história geológica do nosso território. Escusado será dizer que isto permite, não só, estudos científicos importantes, como constitui o melhor campo de observação para fins pedagógicos aplicável a todos os graus de ensino.
Saliente-se que, recentemente, foram escolhidos pela “International Union of Geological Sciences” dois locais no litoral português (Peniche e Cabo Mondego) que vão servir de referência na escala estratigráfica internacional, ou seja na definição do calendário da História da Terra.
Particularmente importantes são numerosas espécies de plantas que crescem na faixa costeira que é das áreas que detêm maior número de endemismos (espécies que só ocorrem num espaço limitado) do nosso território. Tudo isto obriga que o nosso país proteja devidamente esses valores, até porque isto envolve a nossa responsabilidade perante a comunidade cientifica internacional.
As arribas costeiras são locais indispensáveis à numerosa avifauna, que aí vive permanente ou temporariamente quando das migrações sazonais, a qual inclui espécies ameaçadas de extinção.
A faixa costeira submersa possui uma grande biodiversidade no que respeita aos invertebrados (bivalves, gastrópodes, crustáceos, equinodermes, etc) e às algas, bem como aos peixes e cefalópodes (polvos, lulas, chocos) e que, inclusivamente têm valor económico muito significativo. Todas estas espécies foram estudadas exaustivamente nos princípios do sec XX, mas hoje necessita de estudo actualizado e sistemático para conhecer a sua evolução no tempo e no espaço, indispensável para a adopção de medidas de proteção adequadas para este recurso.
Por último, a nossa paisagem litoral, em especial a dos troços rochosos salientes, inclui locais de uma beleza impar. Basta evocar alguns exemplos paradigmáticos, como a zona de Sagres, as Costas Vicentina e SW Alentejana, o Cabo Espichel e a Arrábida, as escarpas de Sintra-Cascais, a Nazaré, entre outras.
Considero que tudo que contribua para a descaracterização ou destruição de áreas de grande beleza, marítimas ou não, constitui um crime paisagístico por ser um verdadeiro atentado a algo excecionalmente valioso que pertence a todos nós (portugueses ou não), que deveríamos tudo fazer para legar este património insubstituível às futuras gerações.
No entanto, a medida que se foi percebendo que a beleza das paisagens litorais tinha valor económico, a construção foi invadindo essas áreas, no que foi (e continua a ser) apoiada por negociatas ocultas e, frequentemente ilegais, entre promotores imobiliários, Câmaras Municipais (alguns presidentes e técnicos) e mesmo por certos políticos com interesses no ramo. É óbvio que, com tais aliados, a tímida legislação de proteção existente pouco servirá para a salvaguarda dos valores naturais. A invenção dos PIN (Projectos de Interesse Nacional) foi e vai permitindo que alguns desses valores sejam legalmente vendidos por um “prato de lentilhas”, o que não está longe de um género de prostituição. A propósito, seria muito oportuno que as Organizações Não Governamentais, ligadas ao Ambiente, se ocupassem em fazer um levantamento detalhados destes casos, para ficarmos a saber quais são, quem são os beneficiários e quais os seus resultados económicos. Aposto que haverá surpresas desagradáveis!
Esta invasão imobiliária excessiva das áreas litorais, que está reconhecida e caraterizada por individualidades competentes, continua a ser apoiada pelas Câmaras Municipais e pessoas ligadas ao Turismo, apesar das suas afirmações em contrário, tais como “que já aprenderam com os erros do passado” ou que “não querem seguir o exemplo de Espanha”, que se podem ouvir ou ler nos media. A verdade é que por todo o nosso litoral prossegue o afã de construir mais hotéis, “resorts” e apartamentos. Povoações tradicionais, de bela imagem urbana, cresceram desordenadamente e hoje oferecem patéticas e revoltantes imagens daquilo que foram, até há poucas décadas, como acontece por exemplo, em Albufeira, Quarteira, Sesimbra, Ericeira e ao longo do litoral norte.
É obvio que não se pretende, de forma alguma, bloquear o crescimento urbano, mas, unicamente, que este seja feito de forma ordenada mantendo o equilíbrio com os traçados e volumes tradicionais e respeitando a integridade das construções mais antigas.
Na Presidência Aberta que o Presidente Mário Soares fez ao Algarve, tive oportunidade de ouvir uma intervenção de alguém ligado ao Turismo algarvio dizer que esta actividade era tão necessária como a chuva para a agricultura. Essa pessoa só se esqueceu de dizer que, quando a “chuva” é muita, provoca enxurradas que destroem os campos cultivados…
Ainda relativamente ao Algarve, a chamada Ria do Alvor é outro caso escandaloso. Este local é a zona húmida mais importante da região, abrigando um conjunto de espécies de grande importância, nomeadamente da avifauna, além de possuir uma paisagem magnífica e um ecossistema bem preservado. Ora a Ria do Alvor tem sido cobiçada pelos interesses imobiliários e objecto de negociatas, para os quais a Câmara Municipal de Portimão tem tido uma atitude assaz dúbia. Apesar das promessas feitas à Liga da Proteção da Natureza nos finais dos anos 1980, pelo então governante responsável pelo Ambiente, em dotar aquela zona de um estatuto de proteção eficaz, as quais, ao que sei, não foram cumpridas até hoje, as ameaças à integridade da Ria do Alvor vão-se acumulando, ignorando-se qual o futuro reservado para esta verdadeira joia natural do nosso país.
É minha previsão que, dentro de pouco tempo, o Algarve, assim como outras regiões litorais, para agora só falar destas, perderão o que resta do interesse que ainda têm. Assim, as pessoas com maior poder económico e mais exigentes, que hoje as utilizam para férias ou para residência, acabarão trocando-as por destinos melhor preservados noutros países.
A ganância, a falta de visão e do bom-senso, aliadas à displicência de quem manda, acabam sempre mal. O pior é que, depois da “festa”, os que cá viverem vão ficar com os “restos”, ou seja, vastas áreas urbanas degradadas, inestéticas e desocupadas, que custarão muito dinheiro a todos nós a recuperar ou a demolir e, inevitavelmente, a viver num país muito mais feio. Será isto um desígnio nacional?