Como qualquer seita religiosa, o wokismo tem os seus dogmas de fé. Neste artigo, proponho-me partilhar três crenças fundamentais – três dogmas de fé – professados por aqueles que crêem que o sexo e o próprio corpo são construções sociais que podem ser mutilados e reconstruídos de acordo com os sentimentos de cada um e a arte do cirurgião plástico.
1) Eu autodetermino a minha identidade
Tradicionalmente, todos os habitantes do planeta terra têm percebido que a nossa identidade – homem ou mulher – é algo que recebemos desde o momento da concepção e, portanto, é estável. Na civilização judaico-cristã sempre se entendeu que somos aquilo que Deus determinou que fôssemos: a nossa família, o nosso sexo, as nossas características biológicas, a nossa nacionalidade e a cor da nossa pele não surgiram de sentimentos ou decisões, mas de uma realidade completamente fora do nosso controle. Hoje, a onda de loucura que saiu das universidades norte-americanas e que tem vindo a varrer o Ocidente quer obrigar-nos a acreditar que as coisas mudaram, que a nossa identidade é algo do tipo “faz tu mesmo” baseada na auto-descoberta e na auto-expressão apreendidas na internet e na escola. Esse dogma de fé coloca os sentimentos e as decisões pessoais – influenciados pela cultura woke – num lugar de destaque e diaboliza quaisquer restrições externas. Como definiu Carl Truman:
«[Esta é] uma visão da personalidade que dispensou quase completamente a ideia de qualquer autoridade além da convicção pessoal e psicológica, uma noção estranhamente cartesiana: Acho que sou uma mulher, portanto sou uma mulher».
2) São os meus sentimentos, não o meu corpo, que determinam o meu género/sexo
Fiéis ao dogma, os fanáticos religiosos transactivistas determinaram que são os seus sentimentos, não a sua biologia, que determinam a sua identidade. É uma visão que extrapola o poder a mente (penso, logo existo) sobre a matéria, e há quem pense que não há nada de errado com essa maneira de pensar. Mas, tente aplicar essa lógica à idade ou à raça. E se um uma criança de 12 anos quiser tirar a carta de condução e disser que se sente um jovem de 18 anos, preso no corpo de uma criança de 12? E se um adulto se autodeterminar uma criança de 10 anos, presa no corpo de um adulto, e quiser manter relações sexuais com uma criança da mesma idade? E se um homem branco disser que se sente um homem negro e se quiser candidatar à bolsa de estudos destinada a alunos negros?
Por enquanto, creio que todos concordamos que a idade e a identidade étnica são determinadas por factos concretos e não por sentimentos. Independentemente do que possamos sentir quanto à nossa idade ou etnia, esses sentimentos não determinam a nossa idade nem a nossa origem étnica. Por que cargas d’água seria diferente quando se trata do nosso sexo?
Antes do advento do transactivismo e da imposição das políticas identitárias à sociedade, os profissionais de saúde praticavam a chamada «espera vigilante» cuidando das pessoas que sofriam de um transtorno da sexualidade (disforia de género), procurando entender pacientemente os sentimentos de quem vivencia uma patologia raríssima enquanto os ajudavam a sentir-se mais confortáveis com seu sexo biológico. E eles não faziam isso por serem transfóbicos, mas sim porque «há estudos de longo prazo de indivíduos com disforia de género na infância que [revelam que], na maioria dos casos o desconforto ou angústia de género se resolve naturalmente sem qualquer intervenção». (Zucker, 2018)
Hoje, infelizmente, devido à aprovação da hedionda lei que «proíbe as terapias de conversão forçada», os clínicos estão obrigados a afirmar o género autodeterminado por crianças de qualquer idade sob pena de perderem a licença para exercer – de 2 a 20 anos – e de serem presos. Assim, devido ao transactivismo e à militância de certas maiorias parlamentares, a ideia de uma identidade baseada em sentimentos afectou a maneira como cuidamos de pessoas com problemas de saúde mental.
3) Encontramo-nos a nós mesmos por meio da alteração da aparência externa, não da realidade interna
Há muito que o ser humano reconhece a sua necessidade de cura e de mudança interior. Ninguém está livre de não gostar do seu corpo, de ter maus pensamentos, desilusões amorosas, sentimentos de perda e um sem-número de distúrbios psicológicos. Mas, definitivamente, a revolução transgénero não é o caminho em direcção à cura e à aceitação de quem somos, pois pressupõe que a mudança profunda de que uma pessoa que sofre de disforia de género precisa se resolve com a rejeição definitiva do próprio corpo, com a amputação de partes saudáveis desse corpo e com a dependência permanente de drogas. O transactivismo convence aqueles que sofrem de que precisam mudar a sua aparência externa, não a sua perspectiva.
Devido à pressão política, a disforia de género, uma doença mental, não está a ser tratada por meio de aconselhamento, mas sim por meio da transição, um processo altamente doloroso que envolve bloqueadores da puberdade, tratamentos hormonais e cirurgias. Apesar do número crescente de jovens que se arrependeram da transição, continua a haver um debate na comunidade médica sobre a idade e a velocidade ideais para iniciar uma criança nesse caminho. O debate público é praticamente inexistente e quando há debate, sobre o momento e o ritmo do tratamento afirmativo do género, parece haver cada vez mais médicos a concordar que é preciso mutilar/alterar o corpo para curar a mente. Ou não fosse este o negócio mais lucrativo do momento. Como disse Stella O’Malley: «O fenómeno trans foi importado da América e assenta numa lógica de saúde orientada para o consumidor.»
Algumas preocupações sobre a transição
Mesmo que alguém admitisse que os sentimentos determinam o género/sexo, há três grandes preocupações quanto à pressão para se passar da terapia afirmativa para a transição hormonal e cirúrgica.
1.A terapia afirmativa de género avança muito rapidamente com crianças imaturas que são facilmente manipuladas por adultos activistas que infestam as escolas, as redes sociais, os desenhos animados, a publicidade, etc.. Historicamente, a disforia de género afectava predominantemente homens na primeira infância, com uma proporção de até cinco rapazes para uma rapariga — e a maioria a superou-a. Hoje, cerca de dois terços dos casos afectam mulheres biológicas e os sintomas surgem repentinamente nos anos turbulentos da adolescência. Essas mudanças apontam claramente para o efeito contágio. Além disso, há estudos que indicam que a transição social de uma criança (tratar crianças pequenas como se fossem de facto do outro sexo) aumenta drasticamente a probabilidade de a disforia de gênero persistir. Como é que podemos justificar que se encorajem crianças durante os primeiros anos do seu desenvolvimento complexo a fazer mudanças permanentes com base no que pode ser uma fase passageira? Isto é criminoso.
2.Os métodos de transição são inerentemente traumáticos para a natureza dos nossos corpos. É impossível não ver uma desconexão entre a crescente preocupação da nossa cultura com a natureza — cuidado com o meio ambiente e a adopção de alimentos não processados — e o tratamento promovido pelos movimentos transgénero para os nossos corpos naturais. Numa carta dirigida aos editores do London Times, um teólogo colocou-o assim:
[A transição de género] envolve negar a bondade, ou mesmo a realidade última, do mundo natural. A natureza, no entanto, tende a contra-atacar, com as prováveis vítimas neste caso sendo jovens vulneráveis e impressionáveis que, como adultos confusos, pagarão o preço pelas fantasias da moda de seus mais velhos.
À medida que o número de clínicas de género dispara em todo o Ocidente — em Portugal fala-se numa quarta unidade de saúde (paga com o dinheiro dos contribuintes) para transgéneros — várias nações europeias endureceram as restrições para jovens que querem fazer a transição. De acordo com o Conselho Nacional de Saúde e Bem-Estar da Suécia: «Os riscos de intervenções hormonais para jovens com disforia de género superam os benefícios potenciais».
3. Quando se julga a terapia afirmativa do género pelos seus próprios objectivos, a transição não se mostrou eficaz. Ainda não se sabe se o alívio de curto prazo da disforia que os adolescentes podem sentir após a transição persistirá na idade adulta. Também não se sabe como é que os adolescentes se sentirão a longo prazo acerca as mudanças irreversíveis feitas nos seus corpos. O que já se sabe é que há cada vez mais jovens adultos a arrepender-se de terem feito a transição.
Recentemente, em Portugal, uma jornalista entrevistou Stella O’Malley, a fundadora da Genspect (organização internacional que procura uma abordagem saudável e não medicalizada a problemas de género), e perguntou-lhe:
«O que diria à nossa ministra da saúde?»
A resposta foi esta:
«O governo português, se for sábio, pode aprender com os erros cometidos nos outros países em relação às questões de identidade de género e assim evitar que esses mesmos erros aconteçam em Portugal e com consequências terríveis para os jovens. Basta parar, questionar e pensar um bocadinho. Quem foram os pioneiros da medicina pediátrica de transição e o que estão a fazer? Países como a Suécia e a Finlândia estão a pôr travão a fundo na abordagem afirmativa da medicina de género e reduziram drasticamente todas as clínicas que existiam. Se o governo português tiver sabedoria deverá olhar para o que aconteceu na Inglaterra onde se realizou a maior pesquisa independente de sempre sobre medicina de género (o Cass Report, que demorou quatro anos a ser realizado), cuja conclusão foi bastante clara: não existem evidências científicas para apoiar este tipo de intervenção tão radical junto de crianças e jovens. Isto não pode continuar a ser feito em crianças e jovens demasiado vulneráveis para assumirem esse tipo de decisões.»
O fenómeno está instalado em Portugal, ainda sem grande debate público, e porém, como noticiou a revista Sábado, por semana há 11 pessoas a mudar de género.
Num outro artigo da revista Sábado pode ler-se:
«A maioria (cerca de 60% das pessoas que estão a mudar de sexo) são raparigas que estão a transacionar para rapazes. Muitos destes jovens vão além da mudança de nome e avançam para a medicalização, um número que tem crescido exponencialmente e que tem alarmado muitos profissionais de saúde mental que, em sintonia, com os seus colegas em muitos países ocidentais, alertam para o fenómeno de contágio social que deve ser acautelado antes de qualquer intervenção hormonal e cirúrgica. Particularmente vulneráveis a este contágio, estão os jovens com neurodiversidade, no espectro do autismo, como revelam vários estudos publicados sobre esta matéria.»
A transição é uma aposta de alto risco e de baixíssima recompensa. Urge que os pais levantem a sua voz no sentido de travar este flagelo. Urge reverter a lei que proíbe as ditas «terapias de conversão forçada», pois a única conversão forçada que existe de facto é a que tem vindo a ser semeada e regada na mente de crianças, adolescentes e jovens, desde a mais tenra idade.