Num artigo recente, no Observador, João Caetano Dias desenvolve uma crítica arrasadora da religião. Não é minha intenção contrapor nesta breve nota uma resposta aos seus argumentos, nem sequer esboçá-la, embora pense que não será muito difícil alguém vir a fazê-lo, porque a maior parte dos argumentos que usa – para não dizer a totalidade – tem uma escassa fundamentação filosófica e um muito débil ou inexistente enquadramento histórico, que o levam a incorrer em discutíveis simplificações, apresentadas como se fossem verdades adquiridas, quando são, no máximo, interessantes hipóteses de trabalho ou de pesquisa, como a ideia de que “o judaísmo herdou do zoroastrismo o conceito de Deus e do Diabo”, e outras semelhantes.

O principal fundamento da sua argumentação está, no entanto, naquilo a que chama “o avanço da ciência e do conhecimento”. A marcha avassaladora deste avanço terá privado definitivamente de sentido qualquer explicação que passe por um ser superior, omnipresente e omnipotente, criador do céu e da terra.

Esta afirmação tão perentória é apresentada como absolutamente evidente e indiscutível.

Mas há cientistas profissionais que pensam de um modo completamente diferente. É o caso de Karin Ingegerd Öberg, que é professora de Astronomia na Universidade de Harvard e líder do Grupo de Astroquímica Öberg no Centro de Astrofísica | Harvard & Smithsonian.

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A Universidade de Harvard não precisa de apresentação. É apenas a mais antiga instituição de ensino superior dos Estados Unidos. A sua fundação remonta a 1636. Harvard faz parte da Ivy League, que reúne as oito maiores universidades dos Estados Unidos.

No chamado Ranking de Xangai, aparece em primeiro lugar e, a título de comparação, a primeira universidade francesa, a Paris-Saclay, está apenas na décima quarta posição. (A Universidade de Lisboa está na 300ª posição, e a de Coimbra na 600ª posição).

Neste contexto, o último discurso de Karin Öberg, Professora de Astronomia e Diretora de Graduação em Harvard, não passou despercebido nos meios científicos.

Karin Ingegerd Öberg, nascida em 27 de agosto de 1982, é uma astroquímica sueca. A sua investigação diz respeito à formação de estrelas, à formação de planetas e à evolução estelar em relação às moléculas orgânicas, que são necessárias para determinar as origens da vida na Terra e noutros locais. Em abril de 2015, o seu grupo descobriu a primeira molécula orgânica complexa num disco protoplanetário.

Em criança, Karin Öberg foi batizada e confirmada na Igreja luterana da Suécia, mas pouco tempo depois tornou-se agnóstica. A sua posterior conversão ao catolicismo foi parcialmente inspirada em duas obras de grandes escritores ingleses: Ortodoxia, de G. K. Chesterton, e Mero Cristianismo, de C.S. Lewis.

Recentemente, em 13 de janeiro passado, na companhia de outros cientistas igualmente prestigiados, a cientista e investigadores interveio na abertura da Wonder Conference, uma iniciativa lançada pela Word on Fire, organização que reúne anualmente vários meios de comunicação católicos dos EUA.

No seu discurso, Karin Öberg defendeu que a fé em Deus, longe de ser um obstáculo para a pesquisa científica, é útil para o processo científico devido ao “fundamento seguro” que a crença num Criador oferece.

“Penso que devemos convencer-nos de que o facto de termos uma filosofia sólida e uma religião verdadeira é capaz de facilitar o processo que nos conduz a novas descobertas científicas, e não o contrário”, disse ela, ilustrando assim esse papel de “direção negativa” – para usar a expressão de Jacques Maritain – isto é, de salvaguarda, que a fé desempenha em relação à ciência.

Referindo-se às descobertas do Padre Georges Lemaître – o pai da teoria do Big Bang (!) – Karin Öberg acrescenta: “Não se pode imaginar que a sua descoberta nada tivesse a ver com o catolicismo, do qual estava imbuído. Ele já sabia, de outra forma, através da fé, que o universo teve um começo. (…) Esta é, talvez, a razão pela qual muitos cientistas ateus foram muito reservados na sua receção desta primeira versão da teoria do Big Bang”.

(Fonte: https://www.catholicnewsagency.com/news/253394/harvard-scientist-the-wonders-of-the-universe-point-to-a-creator)

A fé de um cientista, que por acaso era padre, estimulou-o a encontrar e a formular a mais extraordinária hipótese científica alguma vez apresentada em relação à origem do universo, aceite hoje universalmente e quase inteiramente consensual. E que, enquanto hipótese científica, formulada e demonstrada, não está dependente da fé religiosa, e em nada carece dela, ao mesmo tempo que é perfeitamente compatível com a fé, ou que, pelo menos, não a contraria nem se lhe opõe.

Portanto, parece simples. Para a investigadora e professora de Harvard, as maravilhas que vemos no universo “devem fazer-nos sair de nós mesmos” e levar-nos a considerar “não apenas as maravilhas em si mesmas e as verdades científicas que elas contêm, mas também o Criador, fim último de todas as coisas”.

Este último passo, muitos não o vão dar, não tenho ilusões. A ideia da incompatibilidade entre e a ciência e a fé está profundamente difundida em todo o mundo, e tende, por muitas razões, a acentuar-se cada vez mais.

Foi assim que a Wonder Conference, que já se realiza há vários anos, nasceu, a partir da observação feita por muitos católicos norte-americanos do crescimento do ateísmo nos Estados Unidos: “a perceção de uma suposta incompatibilidade entre fé e ciência levou a um aumento no número de pessoas que não são religiosamente filiadas. Essa perceção contraria a experiência da tradição católica, que defende a existência de uma bela harmonia entre fé e ciência”, afirma o site dos organizadores: https://www.wordonfire.org/wonder/.

Virá o futuro a dar razão a quem acredita nesta “bela harmonia entre fé e ciência”, ou, pelo contrário, a quem defende a sua absoluta, radical e irrevogável incompatibilidade?

Na minha opinião, irá ser de novo à volta do Big Bang que a questão se vai colocar (ou já se está a colocar). E para tentar responder a uma pergunta tão simples e ao mesmo tempo tão desafiante como esta:

E antes do Big Bang?