Em Glasgow na Escócia ao longo de duas semanas o mundo encontrou-se para cuidar do seu futuro. As nações sentaram-se para conversar, para se compreenderem, para se acertarem, de forma a responderem aos gritos de socorro da mãe Terra.

Num tempo de pleno consenso científico quanto ao problema da crise climática, mas também quanto às soluções, as lideranças do mundo procuraram aproximar posições e salvar o futuro do nosso modo de vida. Muitos dirão que não fizeram tudo o que precisava de ser feito, mas a verdade é que senti por estes dias em Glasgow que o Mundo deu um decisivo passo rumo à mudança.

É claro que nem tudo foi perfeito, como o estado de emergência climática o exigia, mas a verdade é que depois de Paris em 2015 o Pacto Climático de Glasgow é um ponto de viragem, um ponto de não retorno, sobre o caminho que as nações do mundo terão de trilhar.

A Índia à última hora lançou um balde de gelo na sala, tendo imposto uma trágica alteração ao texto, substituindo o “eliminar gradualmente” (phase out) para “reduzir gradualmente” (phase-down) o fecho de centrais a carvão.

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É verdade que no pacote financeiro aos países em desenvolvimento e da transferência dos 100 000 milhões de dólares estipulados na COP de Copenhaga não foi possível reunir toda a verba. E é também verdade que ‘ainda’ não conseguimos fazer o suficiente para limitar o aumento de temperatura a 1,5º C. Mas a verdade é que de Glasgow sopraram inegáveis ventos de mudança:

  1. Pela primeira vez foi introduzida a palavra carvão e combustíveis fósseis no texto do acordo, algo inédito, como também inédito foi ter ficado escrito que é para caminhar para o fim dos subsídios aos hidrocarbonetos. Esta é uma afirmação clara de que o futuro não passa mais por carvão, petróleo ou gás natural, e que a transição para as renováveis é mesmo para acontecer;
  2. O acordo estabelece que as nações do mundo vão ter de acelerar para metas mais ambiciosas no caminho para a neutralidade carbónica, pedindo para que sejam feitas já novas atualizações de metas no final do ano de 2022. Com isto deixamos de ter objetivos para 2030 ou 2050, altura em que a casa poderá já ter ardido;
  3. Na quarta-feira, dia 11, algo surpreendente aconteceu na COP de Glasgow, quando John Kerry, em nome dos Estados Unidos, e Xie Zhenhua, em nome da China, promoveram uma declaração conjunta comprometendo-se com ações concretas já esta década. Trata-se dos dois países mais emissores e atendendo ao atual estado das relações entre os dois países esta declaração é da maior relevância.
  4. Apesar da posição da Índia, 40 países, como o Canadá, a Polónia, a Coreia do Sul, a Ucrânia, a Indonésia ou o Vietname, comprometeram-se a fechar as centrais a carvão.
  5. Cem países, que representam 85% da floresta mundial, vão estancar a deflorestação, o que é da maior importância para a preservação dos sumidouros de carbono.
  6. Foi finalmente implementado o livro de regras do acordo de Paris para a operacionalização do mercado global do carbono, estabelecendo o mecanismo que impede a dupla contagem de emissões;
  7. A adaptação foi colocada definitivamente na agenda, com intensas negociações para a concretização de um objetivo global de adaptação e para que existam projetos que aumentem a resiliência dos países mais vulneráveis a um tempo de alteração climática.

A posição final das Maldivas, Antígua e Barbuda, e Tuvalu, que devido à subida do nível das águas do mar veem já a sua própria existência ameaçada, foi reforçada por uma posição firme dos países de África.

Estes países mais vulneráveis e sem recursos para se defenderem não são os responsáveis pela crise climática, mas são os que mais sofrem com ela; e por isso batalharam para que no lugar de empréstimos ou doações fosse utilizado o termo compensação no que respeito diz ao financiamento climático.

É muito positiva esta concertação, esta voz que em uníssono reclama por uma reparação moral e ética dos países que ao longo das últimas décadas, para se desenvolverem económica e socialmente, encheram a atmosfera com gases de efeito de estufa.

Mas a maior força de Glasgow foi o novo impulso que marchou nas ruas, os jovens, os indígenas, as lideranças femininas, a onda que cresce e que pressiona os governantes do mundo a assumirem a enorme responsabilidade histórica que têm nas suas mãos e fazer o que precisa ser feito.

De Glasgow ficou mais um sinal de que é preciso que o multilateralismo se afirme e fortaleça, na criação de processos mais eficazes de governação mundial, porque hoje as ameaças são também globais.

Glasgow não pode ser visto como um passo em falso. Glasgow foi um passo firme e em frente. O Acordo de Paris já começou a ser implementado. A mudança já é inevitável precisamos apenas de a acelerar.

Que os negociadores continuem o trabalho porque a COP27 do Egipto começa agora. Hora de Agir!