Devem, ou não, manter-se os cortes extraordinários dos salários dos titulares de cargos políticos e gestores públicos e como devem ser pagos os titulares de cargos políticos?
Estas são duas discussões a que fomos convocados discutir na reta final do Orçamento do Estado, por via da proposta, aceite pelo Parlamento, de reversão do corte extraordinário, mas ao contrário daquilo que alguns defendem, estas discussões não devem ser confundidas e, por isso, neste artigo irei me focar na justiça, ou não, do corte extraordinário e o seu papel.
Falemos do corte. Aplicado desde 2010, esta foi uma das várias leis implementadas por José Sócrates com o objetivo de emendar a mão dos erros e dos buracos nas contas públicas nacionais. Assim, a partir de 1 de junho de 2010, quer os titulares de cargos políticos, desde o Presidente da República aos vereadores a tempo inteiro, mas também, os gestores públicos executivos e não executivos têm um corte de 5% da sua remuneração base ilíquida. Este corte teve um objetivo: sinalizar os sacrifícios que aí vinham e transmitir que também os titulares de cargos políticos e gestores públicos teriam de dar o exemplo, independentemente, de isso não se traduzir em receitas significativas. Era uma medida, em grande parte, simbólica. Importa então perguntar: Ainda se justifica esse simbolismo?
Muito se fala de este “ser o último corte salarial” que persiste da crise económica e financeira que levou à intervenção da Troika, mas se isso é verdade, importa mencionar também que há medidas, bem mais prejudiciais para a nossa economia e a nossa sociedade que os cortes salariais em funções públicas, políticas ou não.
Nessa mesma lei que implementou o corte, foi introduzido um aumento das taxas de IVA, um aumento que atualmente é praticamente impossível de reverter pois representaria uma diminuição de receita que muitos diriam ser impossível de sustentar para o nosso nível de despesa corrente atual. Outro exemplo, – este que me é muito caro enquanto liberal – foi nesse mesmo diploma legal que se instaurou a Derrama Estadual de IRC. O adicional ao imposto sobre os lucros das empresas que tornou o imposto progressivo, inflacionou a taxa estatutária máxima do imposto, prejudicando a competitividade fiscal da economia nacional e que se transformou num corte permanente na nossa economia, porque tornou-se impopular propor a sua revogação.
Por estes motivos, acredito que sim, faz sentido manter o corte extraordinário dos salários dos titulares de cargos políticos, porque esse corte simboliza todos os sacrifícios impostos e que ainda se mantêm sem uma justificação que não seja a dependência do Estado no nível atual de receita fiscal que bate recordes. Desta forma, a cada vez que um decisor político receber o seu salário, terá um lembrete de que ainda existem medidas, para além desse corte, que afetam o país e os portugueses acima daquilo que representa estes 5%.
Outra discussão, igualmente relevante, mas diferente, é o nível e a forma de atualização dos salários dos titulares de cargos políticos. Sobre este ponto, importa fazer uma reflexão mais profunda, mas devo referir que os titulares de cargos políticos que agora estejam a exercer, todos eles, fazem, ou, pelo menos, deveriam fazer, as contas à sua remuneração sem contar com os 5% do corte, é o normal, considerando que persiste há 14 anos. Dessa forma, o corte é paralelo a tudo o resto que podemos abordar sobre a remuneração dos políticos.
Importa não confundir a manutenção do corte na remuneração dos titulares de cargos políticos e gestores públicos com aquilo que é a necessidade de refletir sobre o nível e a atualização das remunerações dos titulares de cargos políticos. Porque se é verdade que devem ser justamente remunerados para que se atraiam os melhores, por outro lado, não podemos esquecer que ainda hoje os portugueses e a economia nacional sofrem com as ações do passado e que não podemos esquecer da sua existência.