Portugal quis mudar e deixar um aviso ao bloco central, mas não viu a Iniciativa Liberal como parte da solução. Soube a pouco. Olhar para os números da noite eleitoral e perceber que estão quase iguais aos de 2022 significa, entre outras coisas, que perdemos tempo e uma oportunidade. Os objectivos definidos ficaram longe de ser cumpridos porque não fomos capazes de explicar ao País aquilo em que acreditamos, em grande medida porque enterrámos parte do sonho liberal e escolhemos uma estratégia de campanha errada.

O liberalismo que faz falta a Portugal é o que sai à rua para falar com todos, não aquele que se engravata no cinzentismo das salas de reuniões, convicto, e bem, de que não há emprego sem empresas, mas parecendo esquecer que também nenhuma sobrevive sem trabalhadores. O liberalismo que funciona não é aquele que fica refém das crenças de livros do passado, mas o que se adapta perante a evidência de um País pobre e muito desigual. O liberalismo que faz falta a Portugal não acredita que o Estado está sempre a mais e os privados sempre a menos, mas aquele que exige ao Estado que assegure uma efetiva igualdade de oportunidade para todos. Porque o liberalismo que funciona é o que recupera o sonho do elevador social, a esperança de ver mulheres e homens a triunfarem pelo trabalho e pelo mérito, independentemente do sítio onde nasceram, dos apelidos que transportam, dos amigos que têm, da cor da pele ou daquilo que fazem na sua vida privada. E sobre isto, pouco ou nada se falou durante a campanha.

Agitámos a bandeira da fiscalidade de forma incompleta, sem sermos capazes de explicar que a insistência na redução dos impostos sobre o trabalho não é fanatismo, mas a constatação de que quem não nasce rico ou não herdou uma fortuna, não tem outra forma séria de subir na vida que não seja através do trabalho. Tão importante como apresentar o que queremos é explicar porque é que queremos. Não fomos capazes.

Não fomos capazes de fazer o tal exercício de tornar o liberalismo mais popular. Só os cartazes já não chegam. De fora, a IL parece ter feito uma campanha dentro da bolha, para a bolha, só isso justifica que se apresente como exemplo um salário de 1.800 euros para explicar o impacto da proposta de redução do IRS. Quem é que em Portugal ganha 1.800 euros? Sim, é neste País que vivemos e o liberalismo que faz falta é aquele que conhece a vida como ela é, que luta pelo fim da condenação à pobreza, contra o fatalismo de nascer longe dos círculos de influência. A IL tem de ser capaz de mostrar que os ganhos do liberalismo não são os interesses particulares de meia dúzia, mas a construção de uma sociedade mais justa pela possibilidade de cada um ser o que sonhou. É preciso deixar a bolha e vir para o País real, foi também isso que essas eleições nos ensinaram, à força.

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Os portugueses não integraram a IL numa equação de mudança porque nós, os liberais, passámos a campanha inteira de braço dado a uma coligação conservadora, incapazes de explicar que somos diferentes porque sonhamos um modelo de sociedade longe da dicotomia esquerda vs direita. Era assim quem queríamos combater o voto “útil”? Num partido que sempre se disse de ideias e não de pessoas, até de ministérios preferidos se falou antes mesmo dos portugueses fazerem a sua escolha. O pior que pode acontecer a um partido que veio para ser diferente é passados apenas cinco anos começar a fazer igual.

Os portugueses não deram mais força à IL porque reduzimos o sonho liberal à carteira, esquecemos o coração e deixámos o extremismo à solta. Não fomos capazes de explicar que defendemos liberdade de escolha na Educação e na Saúde precisamente para não deixar os mais vulneráveis reféns de um Estado tantas vezes negligente. Não se trata de defender os privados, mas de proteger as pessoas, até porque o liberalismo que faz falta a Portugal não acredita na magia de uma qualquer mão invisível, mas na cabeça e nos braços de quem não aceita ficar com eles cruzados.

Quando os Portugueses mais precisavam de ouvir falar de esperança, deixámos à vontade aqueles que agitaram o fantasma do medo e associaram a imigração à insegurança. Sobre isso, silêncio. Falámos de fronteiras como quem se esquece que escreveu na declaração de princípios que “aquilo que nos inspira são todos aqueles que procuram um amanhã melhor”. Propusemos que a entrada em Portugal ficasse dependente da prova de meios de subsistência, como se a maior das crenças de um liberal não fosse no indivíduo e na capacidade de refazer a sua vida a partir do zero. Uma liberdade para ricos e outra para pobres é a negação daquilo em que acreditamos.

E assim, passo a passo, incapazes de explicar o nosso sonho, fomos deixando que outros vendessem o pesadelo ao preço da chuva. A boa notícia é que ainda vamos a tempo de combater a tempestade, haja vontade e liberdade.